terça-feira, 1 de julho de 2008

Cimento eleitoral

A estupidez aliada ao desejo fremente de conseguir votos de todas as maneiras devem ser os pressupostos que levaram o senador carioca a instituir o programa cimento eleitoral. De acordo com o programa, as casas de latão, de ferro e de outros materiais seriam substituídas por cimento e tijolos.

O mais lamentável dessa situação é que as casas de tijolos, que substituiriam as de latão e de outros materiais, seriam erguidas nos morros. Apenas para lembrar, os morros são aqueles locais quase inacessíveis, onde o abastecimento de água e de luz beira o incrível, as linhas telefônicas são deslocadas e duplicadas ilegalmente, o saneamento básico não chega e pelas ruas não transitam carros. Na verdade, as ruas não são ruas. São vielas.

É verdade que os morros também são grandes laboratórios de discussão sociológica e jurídica, principalmente quando se envereda pelas questões do pluralismo jurídico. Mas não precisamos de teorias acadêmicas, precisamos de práticas que tirem o povo da miséria. Numa casa de verdade, de tijolos, com água encanada, saneamento básico, energia elétrica e linha telefônica, sendo possível o trânsito de carros, de biciletas, de pessoas.

O historiador Nicolau Sevcenko debateu em "Literatura como missão" (Companhia das Letras) a trajetória e o perfil dos escritores Lima Barreto e Euclides da Cunha. Numa parte do livro, na que se encontra a contextualização da sociedade da época, consta um extenso relatório de dados de pessoas vivendo empilhadas em quartos, em banheiros e até nas escadas de antigos casarões. Calamidade. Essa situação alarmante deteriorou-se e se perpetuou. Estamos no século XXI vivendo em condições piores do que as de fins do século XIX.

Se escolhessem melhor seus assessores, o senador e o presidente da república que assinaram a autorização da construção de casas deveriam ter pensado na urbanização daqueles territórios e não na simples finalidade de conseguir votos nas próximas eleições municipais. Trocar as casas de latão por casas de tijolos, mas mantendo um padrão incompatível com a dignidade (energia elétrica e água de procedência duvidosa, linhas telefônicas duplicadas, falta de saneamento básico e de ruas, além do patrulhamento de traficantes, bandidos e policiais disfarçados de pele de cordeiro) é como colocar uma colher de sal na boca de alguém que está com pressão baixa, mas não resolver problemas mais profundos de saúde. Pode ajudar na hora, mas a dor de cabeça continuará.

Precisamos de planos eficazes que possibilitem a desocupação, a deslocação da população para áreas assistidas de estrutura básica e o reflorestamento dos morros, possibilitando uma nova constituição da paisagem urbana carioca. Precisamos de mudanças profundas. Quando elas virão?

Enquanto elas não vêm, traficantes, bandidos e milicianos continuam seu império fora da legalidade sustentados juridicamente por aqueles que, em suas políticas falhas e medíocres, estabelecem novas hierarquias de medo. Medo que ajudará na eleição de cretinos com propostas idênticas.

Quando vamos nos livrar desses cretinos incapazes de mudar nossa país?

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