Sábado
à noite: minha mãe, a mãe de minha filha Isaura, Isaura e eu nos colocamos
entre as ruas André Perini e Siqueira Campos, aguardando o desfile da UNIDOS DA VILA
OPERÁRIA, tradicionalíssima escola de samba de Assis/SP. Passistas,
intérpretes, dançarinos e bateria invadem a Avenida, arrastando a multidão até
o barracão da escola onde a festa continua noite adentro.
Talvez
eu pudesse destacar a animação da ala das baianas, a efervescência das
passistas, o ritmo da música e a coreografia esmerada dos profissionais que
abriram e fecharam o desfile. Porém, ao fim daquela noite, eu me lembrava das
considerações do crítico literário Antonio Candido para quem a Literatura tem a
função de colocar ordem no caos e de humanizar mulheres e homens.
Quando
chegávamos ao fim da apresentação de rua, cinco senhoras de mais ou menos
setenta anos de idade, uma delas apoiada na bengala e outra escorada no
andador, o quinteto – segurando com todas as forças de suas alegrias os portões
de ferro atrás dos quais, renunciando ao cansaço de décadas de idade, de
dissabores e de limitações – aplaudia efusivamente a menina de três anos que,
sem pretensões, eclipsava as lindas passistas.
Meu
desejo: entrar no barracão e continuar a sambar com minha filha mais nova.
Minha mãe e a mãe de minha filha protestaram: com sete meses de idade, o som da
bateria prejudicaria a audição de Isaura.
Quando
nos despedíamos do espetáculo de sons, avistei, à varanda de um sétimo andar,
três crianças observando o barracão – à porta do qual minha filha tivera o
privilégio de se envolver com a magnífica música – e sambando efusivamente. Como
se, naquela solidão na qual se isolavam, espalhassem a harmonia sincera de
acordes e silêncios ao resto do mundo.
Incumbidos
das inúmeras responsabilidades ao sucesso da apresentação pública e gratuita,
provavelmente os integrantes da UNIDOS DA VILA OPERÁRIA desconhecem que, naquele
sábado de carnaval, transformaram as vidas das cinco senhoras e das três
crianças: resgataram-nas do caos do cotidiano, tornando-as ainda mais humanas.
Se,
como diz Antonio Candido, a Literatura tem a finalidade de humanizar, a música
– e, em especial, o samba – tem a função de arquitetar sonhos (às crianças) e
de reviver a esperança (aos idosos).
Epicuro
ensina que a filosofia rejuvenesce os velhos e amadurece os jovens. O que
conseguiu a UNIDOS
DA VILA OPERÁRIA? Dar liberdade. Liberdade àquelas cinco senhoras
que, apesar da idade e das restrições físicas, aplaudiam o início da vida
representada pela dançarina de três anos. Liberdade ao trio de crianças,
aprisionado na varanda do sétimo andar, euforicamente desejando as festividades
no barracão.
UNIDOS DA VILA OPERÁRIA: grato pela festa. Continuai a derramar – e a
inspirar – a liberdade!
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