terça-feira, 12 de março de 2019

COMENDO CHOCOLATE ESCONDIDO


Adorava inserir solteiro no campo destinado ao estado civil nas fichas de hotel e documentos oficiais, reiterando, entre os ciclos de amigos, de parentes e de colegas de trabalho, a escolha do eterno estilo de vida. Vida que, diga-se de passagem, tomou sentido absolutamente contrário do que desejava quando um de seus irmãos perdeu o emprego e, juntamente com a esposa, teve de tentar ilegalmente a vida nos Estados Unidos deixando sua sobrinha de seis anos em sua casa por prazo indeterminado.
Se o irmão e a cunhada tivessem indagado a respeito da possibilidade de cuidar de Camila, certamente ele teria rejeitado qualquer intenção de virar tutor, mas, conhecendo como o conheciam, preferiram deixá-la com um bilhete, usando a mãe dele como mensageira.
A sobrinha não se mostrava inteiramente uma peste. Entretanto, seus ouvidos pequenos permitiam-lhe detectar, a léguas de distância, o rompimento da embalagem de chocolate, interpelando-o com batidas na porta do carro, do banheiro, do quarto ou da cozinha. Depois de engolir três caixas em menos de uma semana, o solteiro convicto articulou estratégia militar para cuidadosamente, depois da meia-noite, quando ela já dormia, estocar suas caixas na parte de cima do guarda-roupa. Mas, antes, conversou seriamente com ela a respeito dos malefícios do açúcar no sangue, arrancando-lhe o compromisso de que ambos, dali em diante, recusariam qualquer investida contra a decisão de abstinência.
Sem problemas, sempre depois da meia-noite e meia e antes das três da manhã, abria cuidadosamente a porta superior do guarda-roupa, pegava dois chocolates, desembrulhava-os e, como o sedento perdido no deserto ao encontrar água, saboreava cada contato da língua com seu objeto de desejo. Considerava-se vitorioso quando, numa noite, depois de subir na cadeira, encerrou a melindrosa operação e arremessou dois chocolates da cama.
- Quem fez pacto de abandonar o açúcar porque ele é prejudicial à saúde?
Recuperado da queda – causada pelo desequilíbrio do susto – ele fitava incredulamente a menina, mãos na cintura, semblante irônico, inteligentemente dentro do quarto por seu esquecimento da porta aberta.

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