terça-feira, 9 de abril de 2019

PÃO COM BACON E CALABRESA


Estou no meio da xícara de café quando um homem empoeirado entra na padaria, senta-se no outro lado do balcão, observa a prateleira de salgados. Como pão com manteiga e bebo café puro: encaixar a despesa em meu orçamento. A aflição do homem me leva a pensar em abdicar dos números e dos cafés dos dias seguintes para proporcionar-lhe um sopro de alívio naquela manhã. Chamo o atendente que, de imediato, cumprimenta o simpático cliente, já sem dentes, estendendo a mão e pedindo e café de sempre. Já que o café é de graça, digo-lhe, proporciono-lhe a comida.
- Pode ser um misto quente? Pergunta-me, sem cerimônias.
Meus olhos deslocam-se como foguetes às letras grandes do cartaz que informa os preços: o misto quente custa três vezes o meu pão com manteiga e café. Volto os olhos ao homem que, sorridente, aguarda minha resposta. Feita a confirmação, o atendente abre o pão, coloca tomate, duas fatias de queijo, duas de apresentado, maionese e mostarda.
- Também poderia colocar um pouquinho de bacon, de calabresa e um ovo?
Meus olhos denunciam o abuso do pedido, mas me controlo e autorizo a inclusão dos ingredientes que, assegura-me o funcionário, aumentará um pouco o valor final do produto. Quase sem fechar, o pão, prensado na chapa, sai fumegando segundos depois.
- Você poderia cortar em quadrados pequenos?
Pacientemente, o atendente corta o pão no tamanho de tampas de caneta, junta os pedaços num copo descartável e entrega ao insólito cliente que, apresentando uma espécie de reverência, sai sorridente pela porta da direita. Um homem sentado a dois bancos adverte-me que minha atitude nada tem de bonita; apenas estimula a malandragem, a mendicância e a violência. Engulo meu café, já frio, pago a conta, atravesso a rua e, na banca de revista, vejo o homem empoeirado sentado no chão ao lado de dois cachorros, um deles cego, velho, sujo. O dono da banca entrega-me os jornais, explicando-me que “Seu João”, morador de rua, sai de loja em loja buscando restos de comida para que o cachorro – cego, velho e sujo – não seja maltratado.
Saio pensando que um cavalheiro de tamanha nobreza poética jamais valer-se-ia de malandragem ou violência.