sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

PROMESSAS DE ANO NOVO


1 – Sair do cheque especial;
2 – Parar de tomar refrigerante;
3 – Evitar chocolate;
4 – Ingerir moderadamente açúcar, sal e gorduras de todas as espécies e lanches;
5 – Amar uma só mulher;
6 – Cultivar paixão única;
7 – Dormir cedo e acordar cedo;
8 – Falar somente a verdade;
9 – Não viajar;
10 – Não comer fora de casa;
11 – Não comprar livros;
12 – Não gastar mais do que meia hora do dia lendo Literatura;
13 – Aplicar menos de quinze minutos da primeira parte da manhã em História, Sociologia, Filosofia, Antropologia e Psicanálise;
14 – Frequentar aulas de natação, de música e de culinária;
15 – Economizar dinheiro ao mesmo tempo em que o ganho;
16 – Transformar-me num homem extremamente conservador, sério e objetivo;
17 – Parar de roer unhas;
18 – Descobrir as diferenças entre os vinhos, a importância de Mario de Andrade na Literatura e no movimento modernista, por que Clovis Bevilaqua caiu no esquecimento se admirava incomensuravelmente as mulheres e tentou alçá-las à igualdade dos homens ainda no século XIX, lutando pela paridade entre filhos adotivos e biológicos, concebidos dentro ou fora do casamento;
19 – Criar ódios, rancores e mágoas pela Literatura;
20 – Aprender, com homens de verdade, a conquistar mulheres já que os métodos de flores, chocolates, poesias, músicas românticas e cavalheirismos encantam apenas as octogenárias e servem de piada às mais jovens;
21 – Assimilar as técnicas da panqueca e do filé de frango à parmeggiana;
22 – Comprar um condicionador de ar;
23 – Ouvir menos ópera, Altemar Dutra e Frank Sinatra;
24 – Compreender como a colheitadeira separa o milho da espiga;
25 – Esquecer metas de produção científica;
26 – Caminhar aos fins de tarde naquele parque de Campo Mourão (PR);
27 – Mandar para a reciclagem as coleções de Machado de Assis, Eça de Queirós, Marcel Proust, Josué Montello, Autran Dourado, Moacyr Scliar, Josué Guimarães, Fernando Pessoa, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Alves e toda a prateleira erótica;
28 – Lavar o carro todos os sábados;
29 – Tornar-me menos recluso e mais sociável, participando de mais churrascos com música sertaneja ao fundo, mais bailes de engraçados cujos freqüentadores se julgam bon-vivants parisienses, mais comes e bebes de falsários provenientes de inúmeras denominações religiosas;
30 – Aguardar pacientemente o caixa do banco colocar em dia a fofoca com a amiga depois de passarem o fim de semana juntos;
31 – Aprender a pescar;
32 – Comprar botas, cinto, calças, camisa, fivelona e chapéu de vaqueiro;
33 – Comparecer a todos os rodeios da região;
34 – Barbear-me diariamente;
35 – Escrever um livro de contos ou de ensaios literários;
36 – Comprar ações de bancos, de empresas de informática e de construtoras;
37 – Aprender etiqueta, a comer com seis garfos, seis facas, seis colheres, oito pratos e sete taças;
38 – Descobrir as maneiras adequadas e esteticamente aceitáveis de combinar gravata, paletó e camisa;
39 – Comprar uma motocicleta e seguir o trajeto de casa até a última cidade do Rio Grande do Norte, percorrendo o país pelo litoral e parando a cada possibilidade para aproveitar o melhor do dia, das pessoas, das comidas e das bebidas;
40 – Ignorar o desperdício de tempo nos bancos;
41 – Dominar as técnicas de informática e os artifícios de computador de maneira que consiga gravar discos de áudio e de vídeo, salvar arquivos Word e utilizar brilhantemente o excel, que substituirá a calculadora arcaica e economizará semanas de vida;
42 – Comprar pão e preparar o café da manhã;
43 – Agir falsamente com os que acreditam piamente em minha ingenuidade ou ignorância a respeito de assuntos banais;
44 – Alongar diariamente depois de levantar da cama e antes de dormir a fim de evitar dores prolongadas nas costas;
45 – Falar a verdade o tempo inteiro e insistir para que minha filha, quase sempre segue o que ordeno, também fale a verdade vinte e quatro horas ao dia;
46 – Manter meu guarda-roupas diariamente organizado;
47 – Encher a cara de cachaça;
48 – Virar um recordista olímpico;
49 – Nadar em dinheiro;
50 – Comer peixe cheio de espinhas três vezes ao mês.


*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 28 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

PRESENTES DE NATAL


Geralmente ganhamos presentes de que não gostamos, que se tornam inúteis e ocupam espaço na cozinha, na sala, no corredor, na garagem ou no guarda-roupa. Desde sempre aprendemos que é falta de educação pedi-los, mas, pensando na utilidade e na praticidade com que os incluirei na minha vida, listo abaixo algumas sugestões:


1 – Uma gueixa;
2 – Sabonete Phebo preto tradicional, embalagem amarela;
3 – Esparadrapo e água benta para mãe e filha que inventaram de ser minhas vizinhas;
4 – Empréstimo (obviamente gratuito) de casa em Florianópolis por cinco dias;
5 – Ar-condicionado econômico;
6 – Seis gravatas vermelhas e azuis;
7 – Camisas de mangas compridas;
8 – Calças sociais;
9 – Bermudas;
10 – Cuecas, meias, cinto e lenço;
11 – Canetas de tinta azul;
12 – Uma estante de aço com oito prateleiras distanciando-se vinte e quatro centímetros umas das outras;
13 – Vale cinema, vale teatro e vale locadora de DVD para todos os fins de semana e feriados;
14 – Anuidade do clube;
15 – Geladeira de Coca-Cola;
16 – Piscina no quintal;
17 – Perfumes de criança que grudam no corpo, preferencialmente Johnson & Johnson;
18 – Três sessões de massagem;
19 – Guarda-chuva;
20 – Fone de ouvido que transmita a suavidade da música, sem engrossar ou afinar a voz dos cantores;
21 – Caixas de molho de tomate italiano original;
22 – Passagem de ônibus sem destino;
23 – Oito pacotes de dez resmas de papel A4 de cor amarela clara;
24 – Vinte passagens de ônibus de ida e volta para Londrina;
25 – Vinte diárias de hotéis em Curitiba, Ouro Preto e João Pessoa;
26 – Carro com quilometragem livre durante alguns dias no interior do Rio Grande do Sul;
27 – Gramática de língua portuguesa tão didática quanto os dicionários de inglês;
28 – Seis canetas de cor preta, duas de cor vermelha e dez destaca-texto de tom alaranjado;
29 – Tardes de clima ameno;
30 – Tênis com bons amortecedores e apropriados para caminhadas de duas horas;
31 – Violão eternamente afinado cujas cordas, nas primeiras dedilhadas, desandem a tocar o resto da música;
32 – Meses frios durante as estações calorentas de setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março e parte de abril;
33 – Doze caixas de chocolate com recheio de chocolate e cobertura de chocolate, cada uma das quais pesando aproximadamente cem quilos;
34 – Apartamento, restaurante e cafeteria de nuances originais da Serra Gaúcha;
35 – Perfurador;
36 – Fim de tarde no Parque do Povo, seguido de manga verde em sítio de mestre Vitalino e Dona Lourdes;
37 – “Alla minuta” estralando de novo naquele restaurante onde, quatro noites seguidas, frequentadores mais exigentes e de paladar apurado afirmam que o arroz tem gosto de leite;
38 – Bolsa de mão onde possa guardar, ao mesmo tempo e sem danos, Coca-Cola gelada, chocolate, documentos, livros, cadernos e folhas avulsas de rascunho;
39 – Bicicleta motorizada que polui pouco, economiza muito e não precisa nem de placas nem de recolhimentos de impostos diversos;
40 – Visitar a Cidade Imperial e, em seguida, descer até a ex-capital do império a fim de conversar com escritores que admiro, visitar a Academia Brasileira de Letras, procurar despreocupadamente novas cartas no arquivo de Clóvis Bevilaqua e, sem nenhuma pretensão, compreender sua movimentação intelectual – igualmente literária – nas primeiras quatro décadas do século XX;
41 – Participar, juntamente com os poetas Antônio Lázaro de Almeida Prado e José Benjamim de Lima, de mesa redonda de Literatura na periferia das cidades de médio porte;
42 – Pilotar caiaque ou lancha no rio que separa Presidente Epitácio (SP) de Bataguassu (MS);
43 – Compreensão de quem amo e hostilidade de quem se define adversário;
44 – Elevar Pedrinhas Paulista a cidade símbolo e cartão postal oficial do Velho Oeste Paulista;
45 – Colocar em prática meus planos menos ambiciosos e, ao mesmo tempo, essenciais;
46 – Aprender a falar o necessário;
47 – Continuar me esquivando de embates com fanáticos de todas as espécies;
48 – Descobrir qual o sentido íntimo das coisas;
49 – Viajar;
50 – Agradecer diariamente pela sorte de nascer numa família única e de adquirir outra tão esplêndida, inigualável e insubstituível.

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 21 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

SONHO A DOIS


Pressuposto de vida a dois: compreensão. Ingrediente essencial: carinho. Sentimento dispensável: egoísmo. Ação desejável: entrega. Perspectiva pragmática: desconfiança. Comportamentos necessários: pluralidade, alteridade, horizontalidade, desprendimento, dedicação. Verbos imprescindíveis: ouvir, ver, cheirar, tocar, gritar, incentivar, errar e perdoar, acertar e compartilhar, chorar, sorrir, preocupar, refletir, reconhecer, limitar, cumprir, perder, encontrar. Altruísmo: embarcar no sonho. Transcendentalismo: sem cobranças. Metas: caminhadas ao fim da tarde, chocolate (barra ou líquido, quente ou frio, puro ou misturado), Coca-Cola, beijar a quem se ama, deseja ou adora, poesia, ópera de idioma desconhecido e melodia inexorável, batatas fritas, filé de frango à parmegiana na Cantina do Alemão (Assis/SP) ou Adega do Café (Cornélio Procópio/PR), cinema, teatro, piscina no calor, grudados no edredom no frio, trabalhar pouco, aproveitar muito, viajar frequentemente, divertir-se sempre. Obrigação: descobrir a identidade do outro. Direito: saber-se único. Bom-humor ao acordar. Crônicas ao dormir: Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Rony Farto Pereira, Affonso Romano de Sant’Anna, Sérgio Faraco, Moacyr Scliar, Luis Fernando Veríssimo, Rubem Alves (primordial). Poesia de Cecília Meireles, Florbela Espanca, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Antônio Lázaro de Almeida Prado. Almoço improvisado. Jantar sem horário definido. Sem fósforos, água mineral e papel higiênico nos momentos mais angustiantes. Sapatos mal cheirosos no quintal, corpos perfumados na casa. Telefones desligados, luzes apagadas, corpos acesos. Conversas rotineiras recheadas de filosofia, de história, de sociologia, de teoria literária, de pensamentos soltos, de trocas de experiência e de reflexão de que queríamos, de que temos e de que almejamos. Mentiras constantes: roupa linda, cabelo perfeito, pele irresistível, olhar carismático, simpatia, paciência, ciúmes. Prestar atenção nos detalhes importantes, deixando de lado os pormenores que nos roubam ternuras e encerram irreversivelmente desejos: fim das contas, roupas espalhadas pelo chão, sandálias perdidas embaixo da mesa da cozinha ou do sofá, toalha molhada na cama, cama desfeita sete dias por semana, louça acumulando na pia, camisa sem passar ou vestido desbotado são tão importantes para se gastar horas, dias ou vidas? Falar menos, ouvir mais, compreender em qualquer ocasião, estimular invariavelmente, chorar pelas mudanças que incentivamos, contudo nos magoam e, ao mesmo tempo, festejar as transformações que não respaldamos, mas que se mostraram benéficas. Jamais reconhecer erros: erros não existem. Existem as convicções que formamos de acordo com o grau de amadurecimento: o namorado de hoje, louco para uma “dentada” na namorada durante acampamento ou churrasco na casa dos colegas, é o pai de amanhã, doido para transformar o couro do genro numa peneira. Vento invadindo os corpos e produzindo seus naturais efeitos. Estrelas atrás da luz ou surpreendendo nas estradas desertas ou nos lugares afastados das cidades. Sorrisos de noite, bocejos à tarde e cara amassada ao acordar. Espetáculo particular do “Roupa Nova” numa praia de ventos frios durante o verão. Fim de semana vagando entre as árvores da chácara amiga, ora olhando o relógio parado, ora espantando-se com a ascensão da noite, ora surpreendendo-se com a passagem da manhã, ora lamentando o fim dos enroscos. Wagner para o café da manhã, Chopin depois do almoço numa sala escura, Ravel entoando seu “bolero” ao fim da tarde para anunciar o clímax das esperanças do dia e o início dos eflúvios noturnos. Lembrar a aprender sempre e sempre aprender a lembrar. Recuperar cacos de ignorância, espalhar sementes de arrependimento, descobrir perdões – dados e recebidos – não apenas explicitamente e nas palavras, mas também nos gestos e nos constrangimentos. Entrar nos périplos das conjugações: “cooperar” é mais importante do que competir. Refletir sobre a brevidade da vida: não somos donos de nada nem pertencemos a ninguém.


*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 14 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

HOMEM ROMÂNTICO


Amigo de curta data procurou-me na intenção de buscar auxílio. Doze anos de casamento e quatro filhos, a esposa reclamava regularmente da perda de romantismo. Sempre tímido desde o início do relacionamento, não gostava de exposições, mas a insistência da esposa e a cobrança das colegas de trabalho – com as quais dividiu o sofrimento psicológico – forçaram-no a procurar alguém que, se nada entendesse (era o meu caso!), pelo menos sugerisse algumas idéias. De pronto, muito envaidecido, propus romantismo nas manhãs de domingo. Na véspera, despachasse as crianças à casa dos avós, dos tios, dos primos, de outros parentes ou de amigos: casa vazia, silenciosa e tranqüila, momento ideal de explorar todo o seu lado sensível.

Num primeiro domingo, acordaria a esposa com café da manhã levada numa bandeja nova, cento e cinqüenta gramas de presunto e cem de queijo, duas espécies de geléia, suco de laranja e de maracujá, leite, chocolate em pó, dois tipos de bolo, café. No segundo domingo, ramalhete com vinte e cinco rosas das mais bonitas acompanhadas de caixa de chocolate de bom gosto. No terceiro, ainda de madrugada, serenata embaixo da janela. Depois, seguir à cafeteria. Último domingo do mês, almoçar naquele delicioso restaurante de peixes em Bataguassu, tarde numa dessas pousadas de Presidente Epitácio e, antes de pegar a trupe dos filhos, jantar num bom restaurante, fechando a noite com vinho chileno ou gaúcho e, na falta de ambos, uruguaio ou argentino.

Quatro semanas depois ele entrou em minha sala, fechou a porta, apresentou-me uma lista e perguntou-me como resolver a situação. Passei atentamente os olhos: bandeja nova (R$ 20,00), presunto (R$ 2,00), queijo (R$ 2,80), duas espécies de geléia (R$ 9,00), suco de laranja e de maracujá (R$ 7,00), leite (R$ 2,50), chocolate em pó (R$ 0,80), dois tipos de bolo (R$ 9,00), café (R$ 3,50), ramalhete com vinte e cinco rosas (R$ 43,00), caixa de chocolate de bom gosto (R$ 35,00), serenata embaixo da janela (R$ 126,00 – contratação de cantor, dois violonistas, transporte e lanche após o espetáculo particular), cafeteria (R$ 26,00), almoço naquele delicioso restaurante de peixes em Bataguassu (R$ 67,00), tarde em pousada de Presidente Epitácio (R$ 55,00), jantar num bom restaurante (R$ 89,00), vinho chileno (R$ 39,90).

Consultei os itens e os preços. Imediatamente lembrei-me que os havia sugerido em nossa conversa de semanas atrás. Concluída a leitura, deu-me outra lista: vasos, pratos, copos, vidro da janela e ventilador quebrados na casa do primo (R$ 223,00); danificação na pintura do carro do sogro (R$ 180,00); tapetes e cortinas rasgados ou queimados na casa de amigo (R$ 123,00).

Ergui meus olhos assustados do papel em que cuidadosamente descreviam-se os gastos do mês anterior.

- Quanto custou um mês romântico? Perguntou-me, mais preocupado do que irônico.

Um passarinho desfilava no muro do prédio ao lado. Puxou os cabelos para trás:

- Um pouco mais de mil reais. Agora, disse-me, tom de serenidade de quem não enfrenta desafeto, mas busca explicações com amigo, eu sempre pensei que um homem romântico era um homem superior. Minha esposa adorou os quatro domingos. Minha imagem diante dela, das amigas e dos parentes melhorou muito, entretanto, hoje pela manhã, quando nos sentamos no sofá para ajustar as contas, ela ficou horrorizada e, se eu não tivesse guardado recibos e notas fiscais, teria me acusado de manter amante. Minha única pergunta – que fiz a ela e que faço ao senhor, que me deu as idéias românticas: como pago o plano de saúde, a prestação da casa, o supermercado, o cartão de crédito e o transporte escolar das crianças?

Já tinha enfrentado várias situações constrangedoras – provocadas por mim – mas aquela era a primeira em que apenas dava sugestão ao marido desejando agradar a mulher.

Diante de meu silêncio, pegou as duas listas, desejou-me bom dia, arrumando novamente os cabelos.

Quando cruzou a porta, comprometi-me comigo mesmo: nunca mais dou idéias de romantismo a ninguém!


*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 7 de dezembro de 2012.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

RUBEM ALVES – REVISTA DE EDUCAÇÃO UDESC


Meses atrás, a acadêmica Adriana Jesuíno Francisco e eu enviamos resenha de duas obras do educador, cronista, ensaísta, filósofo, psicanalista e teólogo Rubem Alves à revista genérica de faculdade estadual que recusou nosso texto alegando, entre outros motivos, a “falta de rigor científico”.


Inconformado com o absurdo de minha “falta de rigor científico”, sem mudanças substanciais – apenas encurtando as linhas ao número de caracteres estipulado pela publicação a que submeteria novamente o trabalho – enviei a resenha para periódico especializado em Educação, a revista LINHASRevista do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

A resenha – sem sugestões de mudanças e sem pareceres contrários – foi aprovada. Saiu publicada na edição Junho/Dezembro de 2012, lançada hoje.

À revista da faculdade estadual que recusou a resenha, muito obrigado! Se vocês a tivessem aceitado, certamente ela não figuraria nas páginas de LINHAS, revista de Educação nacional e internacionalmente reconhecida – basta verificar a quantidade de autores estrangeiros que colaboraram na edição atual.

Aos que desejarem ler a resenha de duas obras de Rubem Alves – tomando conhecimento dos trabalhos do autor ou simplesmente analisando outras leituras possíveis – basta seguir o seguinte roteiro:

1 – Acesse o site da revista LINHAS clicando aqui: http://periodicos.udesc.br/index.php/linhas

2 – Deslize a página até chegar o fim. Você encontrará as seções: “Editorial”, “Apresentação”, “Dossiê”, “Artigo”, “Resenha” e “Entrevista”.

3 – Quando chegar à seção “Resenha”, você encontrará dois trabalhos. O segundo – intitulado OSTRAS E JABUTICABAS – é o nosso.

4 – Ao lado direito da resenha, você encontrará as páginas em que foi publicada (p. 241-244) e, em cima dos números de páginas, a sigla PDF. Clique em PDF.

5 – Uma nova página se abrirá. Em mais ou menos dez segundos, a página da resenha surgirá. Caso ela não se abra, verifique a seguinte frase: “Caso o documento não seja baixado automaticamente, clique aqui”. Clique no local indicado. O texto em PDF abrirá na tela de seu computador.

Boa leitura!

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

CÂMARA DE VEREADORES


Rumava ao trabalho numa cidade trezentos e oitenta quilômetros de casa quando, estacionando num posto para completar o tanque, comprei jornais numa banca improvisada. Sentei-me ao restaurante, pedi suco de laranja. As notícias se repetiam e, algumas vezes, incrementavam o rol informando mediocridades sobre jogadores de futebol, modelos, atores, músicos, amantes de ricaços, viúvas de milionários e brigas em torno de mulheres que, nas entrelinhas, se candidatavam às mais fúteis do século.

 

O título em letras garrafais de uma matéria na página política despertou-me a atenção: “Câmara de Vereadores vota projetos importantes”. Obviamente três quartos do mundo e eu desconfiamos dos políticos profissionais e, especialmente, dos vereadores com quem, nas cidades pequenas, facilmente esbarramos nas ruas, na agência bancária, na fila dos correios ou do hospital. À falta de assuntos mais interessantes, deslizei os olhos e, nas primeiras linhas, me surpreendi.

 

A jornalista destacava a aprovação de projetos de grande impacto no orçamento do próximo ano, entre eles, aumento de vinte e cinco por cento aos servidores públicos municipais (sendo quarenta e dois por cento no caso de professores e funcionários da saúde) além de estabelecimento de plano de carreira com direito a afastamento remunerado para cursar mestrados e doutorados, isenção de IPTU para todos os imóveis – grandes, pequenos, médios, comerciais, industriais ou residenciais, nos bairros pobres ou ricos – diminuição de secretarias e dos salários dos secretários e, pasmei, quase engolido o copo de suco de laranja, corte total das remunerações dos vereadores. Ou seja, cidadão que desejasse ocupar vaga no legislativo municipal assumiria a bomba desde já consciente que não levaria um só centavo dos cofres públicos. Li a notícia mais três vezes, solicitei ao caixa que lesse o parágrafo bem escrito e, já sentado em meu carro, mal compreendia como a cidade de poucos mais de trinta mil habitantes, enterrada no sertão paulista entre nada e coisa nenhuma, despontava com tal brilhantismo na esfera pública nacional e – por que não afirmar com muito orgulho? – internacional. Aqueles vereadores – planejavam racional e estrategicamente a aplicação de recursos – tinham ajustado que, dali em diante, nenhum centavo pagaria publicidade: jornais, revistas, agências de publicidade, internet e rádios à míngua.

 

Guardei cuidadosamente o exemplar na intenção de assombrar meus alunos na aula noturna e, sem mais perder tempo, voltei à estrada. Já no hotel, sentei-me à mesa, li novamente a matéria e, com caneta vermelha, ressaltava os pontos que virariam temas de nossos debates na turma de gestão pública, integrada tanto por jovens egressos dos cursos de administração pública, contabilidade pública e direito público quanto de profissionais tarimbados de prefeituras, câmaras de vereadores, fundações, autarquias e demais órgãos que integravam os governos da região.

 

A movimentação do legislativo da pequena cidade serviria de exemplo de boa gestão e, para evitar que a leitura ficasse solta no ar, vesti-me, atravessei a rua e tirei cópias do texto de maneira que, durante a aula, os alunos acompanhassem as reflexões e, ao fim dela, levassem as brilhantes idéias para suas cidades de origem. O dono da papelaria – onde aguardava as fotocópias – entusiasmou-se com a notícia prometendo conversar com o amigo radialista que, defendendo a idéia em seu programa, fora tachado de louco pelos sanguessugas do dinheiro do povo.

 

À noite, entrei muito contente na sala da aula, escrevi algumas palavras no quadro-negro, estimulei debates, distribuí a matéria, lida rapidamente, seguida de grande alvoroço. Já tínhamos correntes que defendiam ou se posicionavam favoravelmente ao nepotismo, lei da ficha limpa, eficiência de serviços, aplicação transparente de recursos públicos, participação popular, meios de fiscalização cidadã quando, esbaforido, aluno da cidade em que ocorrera a revolução dos vereadores, por sinal, funcionário do legislativo, instado a se manifestar, disse-nos que “aquelas crianças” eram realmente geniais.

 

- Crianças? Perguntei.

 

- Sim, professor. Crianças. O jornal não estampou aqui, mas essas são as decisões aprovadas pela Câmara de Vereadores Mirim, agrega crianças de oito a doze anos.

 

*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 30 de novembro de 2012.

 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

JÁ ARRASOU SEU MARIDO NA CAMA HOJE?


Vasculhava as prateleiras quando arrastei o título acima – provavelmente pertencente à auto-ajuda – dos volumes de crônicas. Li orelha e contra-capa. Devolvê-lo de onde o tirara. Senhora de pouco mais de cinqüenta anos. Saia longa, camiseta apertada e cabelos pretíssimos: realmente acreditava naqueles conselhos? Antes de informar que encontrara casualmente a obra inserida na prateleira errada, contou-me parte da vida, alegando que, desde o terceiro ano de casamento, identificando o esfriamento natural da relação, começou a montar pequena biblioteca com trabalhos de psicólogos, psicanalistas, historiadores, antropólogos, sociólogos, meretrizes, empresários do prazer e, até mesmo, para quem desconhecia o mundo editorial específico, economistas, bibliotecários e jardineiros.

 

Ameacei levantar-me, mas ela puxou banquinho, colocou a bolsa aos pés e os óculos escuros charmosos em cima da cabeça, acenou para a atendente que, provavelmente sabendo de quem se tratava, trouxe café sem açúcar.

 

- Comprei durante vários anos livros e mais livros ensinando a afastar o tédio e a monotonia do casamento, apresentando os passos de enrolar o coração do homem, listando as artimanhas de que nós, mulheres, precisaríamos ter na cama, na mesa, no sofá, no carro, no dia a dia. Certamente mais de duzentos livros em casa, misturados aos de Literatura, Economia e Geografia: sou professora universitária aposentada de Economia da Universidade do Estado.

 

Devolvi o livro à prateleira, entretanto me lembrei que alguém o tinha inserido no lugar inadequado e, por essa razão, perdera vinte minutos de meu tempo ouvindo economista especialista nas artes de prender o marido. Quando percebeu que retirava o livro e, antes que, mais uma vez, tentasse explicar que o entregaria à atendente a fim de que o destinasse ao local correto, ela se empolgou:

 

- Então, mesmo alertado, insiste em levá-lo? Acha que uma mulher de boa estirpe não saberia arrasar o marido na cama? Aliás, para que uma mulher arrasaria o marido na cama?

 

- Não faço a mínima idéia, expliquei pausadamente, tamborilando os dedos na capa dura.

 

- Pelo simples fato – assegurou como se tivesse larga experiência no assunto – de que, esgotado em casa, ele não procurará outras mulheres quando sair para cerveja, churrasco ou futebol. Todos os maridos são homens famintos. O que se faz com o faminto? Comida até empanturrar-se. Entendeu? Se estiver satisfeito, nem cachorro-quente, nem pastel, nem pizza, nem carne mal passada, nem frango, nem caviar, nem brigadeiro, nem doce, nem salgado, nem frutas, nem legumes. Problema resolvido!

 

Agradeci com a cabeça e, livro nas mãos, levantei-me. Ela pegou a bolsa aos pés, ajustou os óculos escuros às vistas, impôs ar de superioridade. Justificou novamente a perda de tempo em comprar aquelas duzentas páginas que, no máximo, repetiriam conselhos estúpidos, ineficientes e primitivos. Além do mais, cinqüenta reais – eu ainda não me interessara pelo valor, mas incrivelmente ela já o sabia – comprariam cinco ou seis edições de bolso de excelente qualidade. Cinco ou seis livros que atrelariam mais glamour à minha biblioteca: no enjôo de um, lançaria mão de outro.

 

Ainda não me dera tempo de explicar que desejava apenas entregar o livro à atendente. Dirigi-me ao balcão. A economista atrás de mim enumerando os motivos pelos quais jogava dinheiro no lixo. Quando faltavam mais ou menos cinco metros, tive a impressão de que colocou o pé esquerdo na minha frente, desequilibrei-me, bati numa montanha de livros infantis que, sem grande esforço, estrondaram no chão. Ruborizado pela confusão, continuei meu trajeto sem arrumar a bagunça que tinha feito e a economista, dois saltos sobre a baderna, voltou a me azucrinar.

 

Ela tentou novamente colocar o pé em minha frente, mas desta vez o pulei, expliquei à funcionária o problema causado por algum leitor relapso. A economista tomou o livro das mãos da atendente, jogou cinqüenta reais no balcão, meteu-o dentro da bolsa e, à saída, cumprimentou-me cordialmente.

 

 

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 23 de novembro de 2012.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

SEJA SEMPRE SINCERO


Os “expertos” orientadores de talentos dão dicas fabulosas que, tenho quase certeza, nem Deus sabe de onde as tiraram. Durante viagem de ônibus entre Londrina e Maringá um rapaz de aparentes vinte anos, segundo período ou termo de administração, contabilidade, economia ou qualquer outra faculdade às quais se dirigem os alunos na esperança de enriquecer, desabafava com a amiga.

 

- Olhe aqui! Batia o dedo indicador num quadro de resumo de revista de negócios lida pelo menos trinta e duas vezes antes de entrar na sala do entrevistador. – Eu não disse? Veja! Escrito em letras grandes: “Seja sincero. Seu interlocutor saberá recompensar sua sinceridade!”

 

A mulher que o acompanhava pôs os óculos de fundo de garrafa e aros grossos, deslizou os olhos à capa, voltou a conferir a informação resumida, entregou o periódico ao proprietário salientando que, como frisava, a revista indicava comportamento baseado nas relações de sinceridade, de franqueza, de verdade, de objetividade e de transparência.

 

- Não fui sincero? Indagou, jogando a revista na bolsa, ajustando os colarinhos, fechando os botões das mangas compridas, conferindo o reflexo na janela. – Fui sincero ao extremo. Assim que entrei na sala, o entrevistador perguntou-me como estava. Fui sincero: dor de cabeça, ônibus lotado, insônia, três ou quatro bolachinhas na barriga. Em seguida, pediu-me que sentasse e perguntou que experiência tinha no ramo de alimentos. Que resposta poderia dar?

 

- Que resposta você deu?

 

- Disse que jamais, repito, jamais tivera experiência e acrescentei, ainda sendo bem sincero, que faço faculdade para trabalhar no mercado financeiro, bolsa de valores, corretoras, bancos internacionais, mas que, em razão da vida complicada, da falta de inglês, de francês, de espanhol, de compreensão global tanto econômica quanto política, sobrara-me apenas a alternativa de alimentos à qual me agarrava naquele instante, como uma tábua de salvação aparecendo depois de tormenta tenebrosa no mar agitado do desemprego e das falsas esperanças.

 

- Qual a reação do entrevistador?

 

- Ele não disse nada. Simplesmente baixou a cabeça, anotou itens em minha ficha, questionando, depois de alguns segundos, se eu não falava nenhum idioma e por que, já que não entendia nada do ramo de alimentos, tentava vaga justamente numa indústria do ramo.

 

- O que respondeu?

 

- Fui sincero: reforcei minha ignorância em idiomas e, saindo pela tangente, como sempre faz um bom homem de negócios, assegurei que, em nenhum momento, abriria mão de contratar tradutores simultâneos caso necessitasse viajar ao exterior. De maneira muito educada, reclamei da temperatura da sala. Condicionador de ar com defeito? Por que não abrir as cortinas, escancarar as janelas? Enfatizei meu interesse nos mercados de ações e no mundo bancário. Afinal, tinha nascido para isso. Entretanto, já que meus idiomas e meus conhecimentos eram limitados, apenas aquela empresa – que nem era tão grande assim – dera-me oportunidade de mostrar minha competência de múltiplos saberes.

 

- E o entrevistador? O que disse?

 

- Ele não disse nada. Baixou a cabeça, anotou alguns pontos em minha ficha. Daí, sem mais nem menos, perguntou qual dos produtos fabricados por eles freqüentavam minha mesa. Sinceridade total: nenhum!

 

Nesse instante, eu não me agüentei. Desatei a rir com tamanho estrondo que todo o ônibus concentrou-se em meu escândalo. Justificativa: lera ótima piada.

 

O ônibus parou numa dessas cidades intermediárias do trecho de modo que, entra e sai de passageiros, perdi parte da conversa dos dois amigos atrás de mim e, por mais que esticasse as orelhas e disfarçasse a curiosidade, nada mais ouvi. Ao fim da linha, quando o veículo dava as primeiras voltas para entrar na rodoviária da Cidade Canção, o rapaz – que adoraria trabalhar no mercado de ações e ocupar a diretoria de bancos – explodiu:

 

- Mas, me diz, resmungou para a amiga, quem vai comer aquela manteiga com gosto de banha de porco e engolir iogurte que mais parece resto de leite estragado?

 

 

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 16 de novembro de 2012.

 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

EDUCAÇÃO ARTÍSTICA


Sempre tive problemas nas aulas de Ciências, de Educação Física e de Educação Artística.

 

Quando a professora de Ciências – tive muitas, desde as mais atraentes até às menos amadas – entrava na sala segurando cadernos, livros, bolsas, cadernetas de chamada, papéis, giz e apagador, sabia que minha vida se transformaria em inferno nos quarenta e cinco ou noventa minutos em que – estratégias habituais de transmissão de conhecimento – desenharia esquemas complexos da digestão dos peixes. Embora morasse numa cidade praticamente praieira, não entendia – e continuo sem entender – os motivos que me levavam ao sistema digestivo do animal que sequer acompanhava-me nas refeições. Saí do ensino fundamental, entrei no médio, concluí o superior sem assimilar as atividades piscianas, bactérias, moluscos, reino monera e mariposas mortas em decorrência da poluição na Inglaterra.

 

Outra matéria que me tirava a paciência: Educação Física. Busquei artifícios convincentes para fugir das aulas, entretanto obrigavam-me a entrar na fila rumo à quadra de esportes de onde voltava cansado e entediado uma hora e meia depois de assistir aos jogos dos meninos e de testemunhar as confissões dos primeiros prazeres labiais de minhas colegas. Como em todas as escolas – públicas e particulares – os tempos de treinos em busca de resultados satisfatórios transformavam-se em mera recreação semanal. Nada aprendi das regras dos esportes. De modo que, nas copas do mundo, “tiro de meta”, “escanteio” ou “impedimento” são termos desconhecidos.

 

Ciências e Educação Física constituíam matérias nas quais ainda poderia aplicar métodos retóricos para driblar os professores. Aplicaria idênticos métodos em Educação Artística se, no fim do primeiro bimestre, a professora não tivesse imposto calendário por meio qual exigisse, a cada sexta-feira, cópia simétrica proporcional das bandeiras do Distrito Federal e dos vinte e seis estados seguidos, de perto, das dos países das Américas, alertando-nos sobre as semelhanças entre as cores originais e as que pretendíamos transpor às obras de arte de nossa lavra.

 

Régua e compasso: dois monstros que me metiam medo. Vez por outra desenhava casas em papéis de rascunho utilizando, para tanto, a ajuda de réguas de trinta e de vinte centímetros. Por mais que me esforçasse e contasse exaustivamente os centímetros, os quartos, os banheiros, as salas, as cozinhas, os escritórios e as bibliotecas nunca saíam do tamanho desejado. Se, régua em punho e no sossego de minha casa, meu fracasso mostrava-se estrondoso, o que dizer das tentativas sob pressão?

 

Enquanto meus amigos pulavam de alegria com as notas variando entre nove e dez, eu, envergonhado e aflito, dobrava meu caderno antes que meus seis e meio, seis, cinco ou quatro pudessem ser vistos de maneira mais clara pelos colegas. Conforme previra desde o início das atividades de pintura, cheguei ao fim do segundo e do terceiro bimestres com notas vermelhas e consciente de que entraria na prova final. Já imaginava as desculpas a fim de escapar das cacetadas paternas que, sem dúvida, não engoliriam as explicações de dificuldades.

 

Esforcei-me o quanto pude. Alguns colegas chegaram a ajudar-me, mas minhas bandeiras se distanciavam do ideal mínimo aceitável. Quase sete meses após o início da jornada, o coração disparava ao fim das sextas-feiras quando minha condenação parecia acertada. No último dia de aula, a professora de Educação Artística entregou-nos papel em branco com a finalidade de projetarmos desenhos livres. Uns iniciaram a configuração de casas simples; outros, de paisagens cheias de nuvens brancas, céu azul, árvores verdes, frutas variadas, animais diversos. Entre o desespero pela penalização paterna e a convicção de derrota pela incapacidade de, à semelhança dos outros alunos, desenhar casas ou campos, peguei quatro ou cinco vidrinhos de tinta guache, embaralhei-os integralmente na página em branco – mas respeitando as quatro linhas de limites – e, meio corajoso, meio despeitado, integralmente desesperado, entreguei o trabalho à professora que, diferentemente do que imaginara, abriu um sorriso: - Finalmente vejo uma obra de arte!

 

*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 9 de novembro de 2012.