sexta-feira, 20 de maio de 2011

TOALHA INCOMBUSTÍVEL

Participei de um churrasco de domingo. O amigo comprara uma casa em beira de represa, reformara o imóvel, implantara um sistema de ventilação que suavizava as noites de verão e, ao mesmo tempo, impedia os rigores do inverno, repaginara o jardim, erguera uma garagem que se transmutava em sala de jogos, construíra uma churrasqueira gigante ao lado da qual uma área de lazer, pensada nos mínimos detalhes, impressionava pela funcionalidade.



Um dos primeiros a chegar, peguei a mesa que dava vista privilegiada daquele amontoado de águas doces, servindo-me frequentemente de Coca-Cola e, depois de acessa a churrasqueira, de pedaços de carne que derretiam na boca. Aos poucos, os parentes, amigos, conhecidos e alguns vizinhos locais iniciaram os rituais de visita: gritavam, abraçavam, comentavam qualquer notícia sem importância, admiravam-se e elogiavam seguidamente a estrutura. Uma esposa perguntou ao marido por que não pensava numa daquelas para o sítio. Meu amigo, demonstrando domínio dos bons modos de anfitrião, confessou que ele mesmo desenhara o projeto e, se desejassem, conversando sobre espécies de acabamento, disponibilidade orçamentária e finalidade do lugar, também desenharia um ambiente tão esteticamente impactante quanto aquele.



As conversas se aprofundavam na diversidade de temas e de interpretações. Ora se falava de futebol, ora da volta da inflação, ora sobre as peripécias das crianças, ora dos arroubos dos adolescentes na ansiedade de saírem à noite ou de freqüentarem sozinhos festas agitadas, ora sobre o marido que não gostava de ajudar nos trabalhos domésticos, ora da esposa que dormia o dia inteiro...



Entrava conversa, saía conversa, homens de um lado e mulheres do outro. Depois, homens e mulheres reunidos em um só grupo. As crianças ficaram de lado. Por volta das três e meia da tarde, notamos fumaça intensa saindo da cozinha. Meu amigo, alguns convidados e eu saímos às pressas para verificar o que acontecia.



Quando chegamos, toalha de plástico o motivo do fogo. Um pimpolho acusava o primo de riscar o fósforo numa das pontas. Meu amigo puxou a toalha para fora e sapateou sobre ela. Em seguida, as mães dos envolvidos apareceram e começaram a trocar acusações. Uma reprovava a má educação do filho de quem, imediatamente naquele instante, se tornara rival. A outra, num acesso de loucura e irritação, desabalou a xingar o filho da ex-amiga com todas as palavras possíveis e imagináveis de um dicionário de monstruosidades.



A briga entre as mães se espalhou entre os convidados de modo que, em minutos, cada convidado defendia ou apunhalava o comportamento de um dos meninos. Por curiosidade, meu amigo perguntou ao acusado, que parecia, segundo a mãe adversária, um demônio em forma de gente, a razão do incidente. De onde surgira a idéia do incêndio?



O menino atravessou o pequeno gramado, pegou o resto da toalha: toalha incombustível!



- Perguntei ao tio, apontou para um rapaz alto, cabelos crespos e aparelho dentário colorido, o que significava incombustível e ele me disse que era algo que não queimava. Então, peguei o fósforo e fui testar a qualidade da toalha que não queima. Ela queima, sim. É uma propaganda enganosa. Eu vi na televisão que propaganda enganosa é crime!



As conversas em torno do comportamento do menino – que a mãe do outro, incluído na confusão, insistia em chamar de capeta – transformaram-se em piada. Poderiam chamar o menino de endiabrado, como fizera um senhor de quarenta anos; poderiam enchê-lo de cacetadas a fim de dar-lhe um corretivo, conforme orientação de um aspirante a oficial militar; poderiam trancá-lo no quarto para refletir sobre seus erros, segundo perspectiva de uma estudante de psicologia.



Chamassem-no de endiabrado, quisessem espancá-lo ou abalá-lo na solitária do quarto, mas uma coisa era indiscutível: qualquer ação contra esse menino brilhante representaria a vitória da estupidez contra a inteligência. Afinal, se a toalha caríssima, comprada em São Paulo, se dizia à prova de fogo, por que queimara?



*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 20 de maio de 2011.

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