sábado, 26 de julho de 2008

Se ler é difícil, escrever...

Confesso que escrever um texto, qualquer que seja - e agora estou escrevendo e reescrevendo minha dissertação de mestrado - não é fácil.

Algumas vezes a idéia está na cabeça. Pensamos nela a manhã inteira, a tarde inteira, a noite inteira, dormirmos e acordamos com ela, mas no momento em que vamos afixá-la num pedaço de papel ou num diagrama, as palavras não fluem, as frases perdem o sentido e a idéia, inicialmente excelente, perde consistência e entra no mar da tolice.

Outro dia conversei com um estudante de ensino médio. Prestaria um vestibular de inverno numa universidade pública paranaense cujo nome me escapa. A pergunta dele: "Como posso escrever bem?"

Enquanto eu pensava na resposta que iria dar, ele me interrompeu: "O professor de redação me deu uns 'macetes', mas eu queria mais outros..."

Perguntei: "Quantos livros você leu este ano?"

Acredito que não preciso descrever minha tranquilidade quando respondeu nenhum. Um jogador de futebol não entra em campo sem fazer musculação, aeróbica, treinamento tático e físico etc. Uma bailarina não assume um posto em uma peça importante caso não tenha treinado suficientemente assim como um médico não opera um coração sem estudo aprofundado e várias cirurgias simplesmente acompanhando e auxiliando um profissional mais experiente.

Sendo assim, por que todo mundo acha que escrever acontece recorrendo aos "macetes"? Por que as pessoas acreditam que ler é algo dispensável? Disse ao rapaz que procurasse uma pessoa que pudesse ajudá-lo. Afinal, não sou mágico nem Jesus Cristo.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Frank Sinatra

Desde muito tempo ouvi falar de Frank Sinatra. Entre os que falam ou não inglês, impera o senso de que ele tem uma pronúncia clara, inteligível e agradável. Não estão certas essas pessoas que pensam dessa maneira?

Depois de Altemar Dutra, acredito que Frank Sinatra é o maior cantor que temos. Meses atrás comprei um disco dele em que estão reunidas músicas selecionadas. Desde a primeira vez que as ouvi, não sei por qual motivo, não consigo mais parar de escutá-las. É como se quisesse, de alguma maneira, aproveitar o tempo em que não as ouvia. Uma espécie de êxtase e de surpresa permanentes.

Algumas vezes fico imaginando que escritor teria a sensibilidade para transportar para a Literatura a magnificência de Sinatra na música, construindo a intertextualidade e a comunicação entre essas linguagens universais que são a Música e a Literatura. Alguns podem lembrar do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu. Será que nos contos em que Literatura e Música conversam Caio alcança a magnificência musical?

terça-feira, 22 de julho de 2008

Associação dos Magistrados Brasileiros e as eleições municipais

A Associação dos Magistrados Brasileiros acaba de lançar uma considerável lista com os nomes dos candidatos às próximas eleições que estão com a "ficha suja".

De acordo com as páginas de agências de notícias, candidatos com "ficha suja" são aqueles que, entre outros processos, respondem por crimes e improbidade administrativa.

A iniciativa da AMB é um passo importante na medida em que divulga, exercendo de maneira cidadã e dentro dos limites constitucionais, os nomes dos candidatos enrolados com a justiça, abrindo a possibilidade para que novos nomes sejam inseridos.

Entre os indicados neste momento no site, Paulo Maluf sai em disparada na quantidade de processos.

Pena que os nomes de prefeitos do interior paulista não constem na lista. Quando teremos promotores públicos que vão exercer eficientemente suas funções e aumentarem, em decorrência de seu trabalho, os nomes de prefeitos envolvidos em caso obscuros na aplicação do dinheiro público? Quem pode esperar e confiar no Ministério Público? Quem confia na justiça e nos juízes brasileiros, com uma ou outra exceção?

Da condição feminina

Na maioria de crônicas e de contos que escrevo, tento desvendar a condição feminina. Afinal, qual a condição feminina?

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A Literatura muda as pessoas?

Um leitor do "Jornal de Assis" enviou-me uma mensagem eletrônica perguntando se a Literatura muda as pessoas, tornando-as mais humanas e melhores.

Sinceramente eu não sei. Acredito que a Literatura possa mudar, mas ler Literatura não significa necessariamente que a pessoa vai se tornar melhor ou aprenderá novos conceitos ou se tornará mais humana.

A maioria dos dirigentes do estado nazista lia Literatura, sabia de cabeça fragmentos extensos de filósofos e trechos completos de música clássica. Nem por isso os nazistas respeitaram as diferenças entre povos, religiões, sociedades, costumes e hábitos.

O alemão Thomas Mann - não faço nenhuma associação dele ao nazismo - é considerado um dos maiores escritores de todos os tempos. No entanto, não são poucos os estudiosos que apontam uma distância entre ele e o filho assumidamente homossexual. A Literatura não deveria abrir as portas para o entendimento universal e a aceitação das diferenças?

Aqui no Brasil, dois importantes intelectuais que liam Literatura apoiaram movimentos autoritários na condução dos negócios do estado.

Filósofo e jurista internacionalmente reconhecido, professor da Universidade de São Paulo e reitor dela por duas vezes, professor de Literatura até mais ou menos quarenta anos de idade, membro da Academia Brasileira de Letras, documentos informam que Miguel Reale apoiou a ditadura militar praticada entre 1964 e 1985.

Matemático exímio, economista de renome mundial, professor da Fundação Getúlio Vargas, por onde doutorou-se, poliglota e amante de ópera, Mário Henrique Simonsen assumiu ministérios em mais de um governo da ditadura militar.

Miguel Reale e Mario Henrique Simonsen. Dois intelectuais de grande valor, literatos secretos, poliglotas, leitores profissionais, escritores. Apoiaram o regime militar. Um regime que torturou dezenas de pessoas, matou outras centenas, impediu a liberdade de imprensa e de manifestação. Um intelectual ou escritor poderia se opor à liberdade de expressão, de imprensa, do exercício pleno dos direitos fundamentais?

Esses são apenas alguns exemplos de que a Literatura pode, mas não necessariamente muda o modo, a vida e o estilo das pessoas. Afinal, quem respalda um regime autoritário que mata e tortura pessoas, o que é?

Mesmo assim, ainda insisto que as pessoas se deleitem com a poesia exalada da Literatura. Pode ser que a vida dos leitores se transforme pouco. Pode ser que se transforme muito. Pode ser que permaneça estagnada. Mas, de todas as maneiras, convido os leitores a lerem Literatura, pois apenas Ela possibilitará uma transformação ou, pelo menos, uma tentativa de metamorfose...

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Cacciola e o STF: todos sabemos o fim da novela

Para um tribunal que libertou o banqueiro Daniel Dantas, indiscutivelmente envolvido nos casos de corrupção pública e privada, que libertou quase duas dezenas de envolvidos em caso de falsificação e venda de Carteiras Nacionais de Habilitação (CNH) - respaldando indiretamente a responsabilidade dos motoristas nos acidentes fatais cometidos - e que promove tantas outras ações discutíveis: alguém tem dúvida que Cacciola ficará numa cela boa ou, se brincar, vai ficar livre?

Os advogados do ex-banqueiro começaram a listar as exigências: nada de algemas, nada de ser transportado na parte traseira do carro da polícia, nada de imprensa nem fotógrafos, nada de cela comum... Afinal, sabemos que não haverá nada de nada.

Poderíamos esperar outro resultado do STF? Será que o tribunal vai mudar sua conduta agora diante da pressão popular pelas sentenças e decisões absurdas? Onde está a igualdade jurídica? A quem é aplicada igualdade?

Quem acredita em Papai Noel e Coelho da Páscoa pode acreditar na justiça brasileira. Daniel Dantas e Cacciola acreditam em Coelho da Pásco e em Papai Noel...

terça-feira, 15 de julho de 2008

Do caso do STF e do banqueiro Daniel Dantas

Em artigo publicado na "Folha de São Paulo" deste domingo (13 de julho), Frei Betto tratou das escutas telefônicas dos envolvidos em caso de corrupção e do prenúncio do envolvimento dos tribunais superiores em eventuais esquemas. Num dos fragmentos escolhidos pelo autor do artigo, salta aos olhos aquele em que um dos interlocutores garante que, resolvido o problema na primeira instância, tudo ficará livre no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Não é que ele tinha razão?

Em praticamente dois dias o presidente do STF Gilmar Mendes soltou o banqueiro Daniel Dantas duas vezes. Será que ele daria habeas-corpus idêntico, com tanta rapidez, se alguém sem dinheiro, preso injustamente, tivesse recorrido ao STF?

Não voto no PT nem nutro simpatias pelo socialismo. Entretanto, reconheço que o artigo de Frei Betto toca na ferida exposta da relativa e altamente patrimonialista sociedade brasileira na medida em que convoca os leitores a refletirem sobre os dois pesos e as duas medidas geralmente usadas nessas situações.

Depois do artigo e da proposta de Procuradores da República processarem o presidente do STF por crime de responsabilidade, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) fez um inflamado discurso contra o ato dos procuradores, a favor da estabilidade das instituições etc. É bom recordar que Gilmar Mendes, este que libertou Daniel Dantas duas vezes e que atualmente preside o STF, foi indicado ao cargo pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do partido do senador do Amazonas.

O senador Arthur Virgílio, em vez de discursar defendendo o presidente do STF, deveria perguntar: - E aí, presidente do STF, quando o cara das gravações feitas pela polícia disse que o problema era na primeira instância, porque no STJ e no STF tudo estava resolvido, ele estava se referindo ao senhor? O senhor está envolvido no esquema? O senhor está encarregado de livrar a cara desse pessoal no STF?

Outras perguntas deveriam e poderiam ter sido feitas, afinal, perguntar não ofende. Será que o Ministro daria respostas?

Por fim, o senador Arthur Virgílio equivoca-se ao chamar a estabilidade das instituições como argumento para os procuradores não processarem o presidente do STF. Se já colocamos um presidente da República no chão por seus atos de corrupção, derrubar um presidente do STF, do STJ, do TST, do TSE, do Senado ou da Câmara dos Deputados é um ato de exercício pleno da democracia contra aqueles que não respeitam nem a si nem ao povo brasileiro.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Greve nos correios

Sou um dos dependentes dos correios. Aluguei uma caixa postal na agência local em razão da quantidade razoável de correspondências que recebo semanalmente. No entanto, ultimamente não tenho recebido as correspondências em decorrência da greve dos funcionários.

Embora diretamente prejudicado, não sou contra a greve dos correios. A atual paralisação pressupõe a discussão das funções dos correios. Enquanto diretores indicados por padrinhos políticos - geralmente sem nenhum conhecimento técnico da área - ganham milhões de reais e fazem negociatas em seus gabinetes, lembrando aqui exclusivamente o afilhado político do ex-deputado federal Roberto Jefferson, os funcionários da empresa, devidamente contratados por meio de concurso público estipulado pela Constituição Federal, têm que receber salário de fome?

Os funcionários dos correios que entraram em greve devem realmente brigar não apenas pelo aumento de salário, mas principalmente pela reestruturação da empresa, colocando para fora todos os puxa-sacos que ocupam altos cargos e recebem salários invejáveis sem terem a menor capacidade!!!

Em relação aos funcionários que não aderiram à greve, por que não aderiram? O que falta?

sexta-feira, 11 de julho de 2008

A justiça em duas faces

O poder judiciário funciona assim: para resolver problemas de pessoas ricas e bem relacionadas, funciona no mesmo dia. Até o presidente da mais alta corte de justiça se desdobra para soltar, sem esclarecimentos, os acusados em crimes miraculosos. Se fosse um pobre? Apodreceria na cadeia.

Mais uma vez pergunto: o poder judiciário, o ministério público e as polícias funcionam de igual forma para todos os cidadãos?

Quem confia no ministério público que trabalha em prol da república? Por acaso alguém sabe como se consituiu e como se mantém a república brasileira? Conheçam um pouco da História para verificar que o ministério público trabalha em prol dos princípios republicanos. Mas que princípios? Princípios republicanos brasileiros?

Para mais informações, leiam:

- Os bestializados - autor: José Murilo de Carvalho - Ed. Companhia das Letras

- Cidadania no Brasil - autor : José Murilo de Carvalho - Ed. Civilização Brasileira

- Literatura como missão - autor: Nicolau Sevcenko - Ed. Companhia das Letras

Depois de lerem, perguntem: o desempenho das funções do ministério público, que briga em favor dos princípios republicanos, beneficia realmente a sociedade inteira?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Será que o Ministério Público é realmente eficiente?

Vira e mexe a Polícia Federal aparece em operações prendendo e encarcerando acusados, apreendendo documentos, confiscando equipamentos e bens supostamente adquiridos por meio de dinheiro de origem incerta.

Por trás da Polícia Federal, respaldando juridicamente as operações, inteligentes e interessados representantes do Ministério Público atuam de maneira decisiva para combater o crime em âmbito federal.

Todos os representantes do Ministério Público são tão eficientes e pragmáticos?

Certamente não. Apenas para ficar em dois casos, cito a Procuradoria da República na cidade de Assis, interior de São Paulo, que mesmo diante da extensa lista de ilegalidades e absurdos cometidos pela rádio "comunitária" Karisma FM de Maracaí, ainda não tomou nenhuma atitude de efeito. O que espera o Procurador da República em Assis? Onde está a eficiência constitucionalmente assegurada? Em poucos meses, a representação apresentada à Procuradoria da República em Assis fará três anos que tramita naquele órgão. E fica a pergunta: O que fez a Procuradoria até agora? Onde está o conselho comunitário da rádio previsto na lei? Onde está a rádio verdadeiramente comunitária?

Outro exemplo? Paraguaçu Paulista. Há muito tempo fiz uma representação contra a desordem no dinheiro público protagonizado pelo atual prefeito que, entre outras situações, negou informação do dinheiro...PÚBLICO. É brincadeira? Além da má administração, indícios claros de nepotismo na prefeitura de Paraguaçu Paulista ainda não despertaram a atenção dos promotores responsáveis pelo caso. Enquanto no Paraná e em outros estados brasileiros o nepotismo causa brigas noticiadas em sites de informação, em agências de notícias e na imprensa de maneira geral, em Paraguaçu Paulista a minha reclamação está há mais de seis meses parada. É mole? Pergunto: Onde está a eficiência constitucionalmente assegurada? Vão esperar o prefeito acabar o mandato, criar os filhos, os netos, os bisnetos, partir para o outro lado para só então arregaçar as mangas e investigar as denúncias de nepotismo?

Por fim, pergunto: Quem pode confiar no Ministério Público? No caso da menina Isabela, jogada de um edifício de São Paulo, o promotor concluiu a investigação e a justiça toma depoimentos dos acusados em menos de seis meses. O julgamento já começa e parece que vai ser rápido. E em Assis e em Paraguaçu Paulista? Por que o procurador da república em Assis e o promotor de justiça em Paraguaçu Paulista ainda não desempenharam seus papéis como o promotor do caso Isabela? O ministério público não é um só? E, como único, não deveria ter o mesmo grau de eficiência? Será que o promotor do caso Isabela, promotor de uma cidade como São Paulo, tem menos processos que o procurador da república em Assis e o promotor de Justiça em Paraguaçu Paulista?

terça-feira, 8 de julho de 2008

Nota Fiscal Paulista

Nota Fiscal Paulista: jogada de mestre do Serra para alicerçar sua candidatura à Presidência da República em 2010 por meio dos benefícios promovidos à sociedade paulista.

O sucesso dependerá exclusivamente dos fiscais da receita estadual. Se continuarem fiscalizando seriamente e punindo exemplarmente os que pretendem enganar o fisco, mais consumidores, geralmente desacreditados das promessas mirabolantes, aderirão à Nota Fiscal Paulista. Vamos ver se o governador não deixa escapar essa chance...

sábado, 5 de julho de 2008

Luta humanitária

A libertação da ex-candidata a presidência da Colômbia Ingrid Betancourt é indiscutivelmente um motivo de comemoração. Ninguém deve ser privado da liberdade sem passar pelo processo legal, dirigido por um tribunal que não seja de exceção.

Interessantes os movimentos instalados mundo afora que gritavam, pediam e lutavam de todas as maneiras pela libertação da prisioneira que passou anos nas matas, correndo risco de saúde, segundo informações de reféns libertados. E agora? O que acontece aos demais prisioneiros depois da libertação da refém mais ilustre e que ocupava mais espaço na mídia?

Um ponto lamentável neste episódio é o foco do jornalismo nacional sobre a vida e a libertação de senadora colombiana. Não é engraçado que a mídia de nosso país não retrate, ignore ou mesmo despreze os sequestros, a privação de liberdade e as barbaridades cometidas por aqui para noticiar o sofrimento e o desespero alheios? E aqui? Ninguém sofre? Ninguém se desespera?

Faço votos de que a senadora retome sua vida. Mas não poupo críticas à mídia brasileira que, em vez de procurar soluções e discutir o drama de nossas famílias nativas, busca inserir-se no mercado internacional menosprezando o que é nosso.

Senso de nacionalismo? Não necessariamente, porém uma leve provocação sobre a fianlidade e os objetivos da mídia brasileira. Afinal, por que ainda não fizeram uma profunda reflexão sobre o alto índice de racismo em Salvador (BA)? Ou sobre o trabalho de prostituição nos rincões do país? Ou sobre as igrejas estelionatárias que arregimentam milhões de desesperados prometendo bem-estar? Ou sobre os métodos heterodoxos da igreja tradicional, mantendo bandidos entre suas lideranças? Será que vamos ter de esperar a imprensa estrangeira denunciar estes problemas como sempre faz?

terça-feira, 1 de julho de 2008

Cimento eleitoral

A estupidez aliada ao desejo fremente de conseguir votos de todas as maneiras devem ser os pressupostos que levaram o senador carioca a instituir o programa cimento eleitoral. De acordo com o programa, as casas de latão, de ferro e de outros materiais seriam substituídas por cimento e tijolos.

O mais lamentável dessa situação é que as casas de tijolos, que substituiriam as de latão e de outros materiais, seriam erguidas nos morros. Apenas para lembrar, os morros são aqueles locais quase inacessíveis, onde o abastecimento de água e de luz beira o incrível, as linhas telefônicas são deslocadas e duplicadas ilegalmente, o saneamento básico não chega e pelas ruas não transitam carros. Na verdade, as ruas não são ruas. São vielas.

É verdade que os morros também são grandes laboratórios de discussão sociológica e jurídica, principalmente quando se envereda pelas questões do pluralismo jurídico. Mas não precisamos de teorias acadêmicas, precisamos de práticas que tirem o povo da miséria. Numa casa de verdade, de tijolos, com água encanada, saneamento básico, energia elétrica e linha telefônica, sendo possível o trânsito de carros, de biciletas, de pessoas.

O historiador Nicolau Sevcenko debateu em "Literatura como missão" (Companhia das Letras) a trajetória e o perfil dos escritores Lima Barreto e Euclides da Cunha. Numa parte do livro, na que se encontra a contextualização da sociedade da época, consta um extenso relatório de dados de pessoas vivendo empilhadas em quartos, em banheiros e até nas escadas de antigos casarões. Calamidade. Essa situação alarmante deteriorou-se e se perpetuou. Estamos no século XXI vivendo em condições piores do que as de fins do século XIX.

Se escolhessem melhor seus assessores, o senador e o presidente da república que assinaram a autorização da construção de casas deveriam ter pensado na urbanização daqueles territórios e não na simples finalidade de conseguir votos nas próximas eleições municipais. Trocar as casas de latão por casas de tijolos, mas mantendo um padrão incompatível com a dignidade (energia elétrica e água de procedência duvidosa, linhas telefônicas duplicadas, falta de saneamento básico e de ruas, além do patrulhamento de traficantes, bandidos e policiais disfarçados de pele de cordeiro) é como colocar uma colher de sal na boca de alguém que está com pressão baixa, mas não resolver problemas mais profundos de saúde. Pode ajudar na hora, mas a dor de cabeça continuará.

Precisamos de planos eficazes que possibilitem a desocupação, a deslocação da população para áreas assistidas de estrutura básica e o reflorestamento dos morros, possibilitando uma nova constituição da paisagem urbana carioca. Precisamos de mudanças profundas. Quando elas virão?

Enquanto elas não vêm, traficantes, bandidos e milicianos continuam seu império fora da legalidade sustentados juridicamente por aqueles que, em suas políticas falhas e medíocres, estabelecem novas hierarquias de medo. Medo que ajudará na eleição de cretinos com propostas idênticas.

Quando vamos nos livrar desses cretinos incapazes de mudar nossa país?