Os
“expertos” orientadores de talentos dão dicas fabulosas que, tenho quase
certeza, nem Deus sabe de onde as tiraram. Durante viagem de ônibus entre
Londrina e Maringá um rapaz de aparentes vinte anos, segundo período ou termo de
administração, contabilidade, economia ou qualquer outra faculdade às quais se
dirigem os alunos na esperança de enriquecer, desabafava com a amiga.
-
Olhe aqui! Batia o dedo indicador num quadro de resumo de revista de negócios
lida pelo menos trinta e duas vezes antes de entrar na sala do entrevistador. –
Eu não disse? Veja! Escrito em letras grandes: “Seja sincero. Seu interlocutor
saberá recompensar sua sinceridade!”
A
mulher que o acompanhava pôs os óculos de fundo de garrafa e aros grossos,
deslizou os olhos à capa, voltou a conferir a informação resumida, entregou o
periódico ao proprietário salientando que, como frisava, a revista indicava
comportamento baseado nas relações de sinceridade, de franqueza, de verdade, de
objetividade e de transparência.
-
Não fui sincero? Indagou, jogando a revista na bolsa, ajustando os colarinhos,
fechando os botões das mangas compridas, conferindo o reflexo na janela. – Fui
sincero ao extremo. Assim que entrei na sala, o entrevistador perguntou-me como
estava. Fui sincero: dor de cabeça, ônibus lotado, insônia, três ou quatro
bolachinhas na barriga. Em seguida, pediu-me que sentasse e perguntou que
experiência tinha no ramo de alimentos. Que resposta poderia dar?
-
Que resposta você deu?
-
Disse que jamais, repito, jamais tivera experiência e acrescentei, ainda sendo
bem sincero, que faço faculdade para trabalhar no mercado financeiro, bolsa de
valores, corretoras, bancos internacionais, mas que, em razão da vida
complicada, da falta de inglês, de francês, de espanhol, de compreensão global
tanto econômica quanto política, sobrara-me apenas a alternativa de alimentos à
qual me agarrava naquele instante, como uma tábua de salvação aparecendo depois
de tormenta tenebrosa no mar agitado do desemprego e das falsas esperanças.
-
Qual a reação do entrevistador?
-
Ele não disse nada. Simplesmente baixou a cabeça, anotou itens em minha ficha,
questionando, depois de alguns segundos, se eu não falava nenhum idioma e por
que, já que não entendia nada do ramo de alimentos, tentava vaga justamente
numa indústria do ramo.
-
O que respondeu?
-
Fui sincero: reforcei minha ignorância em idiomas e, saindo pela tangente, como
sempre faz um bom homem de negócios, assegurei que, em nenhum momento, abriria
mão de contratar tradutores simultâneos caso necessitasse viajar ao exterior. De
maneira muito educada, reclamei da temperatura da sala. Condicionador de ar com
defeito? Por que não abrir as cortinas, escancarar as janelas? Enfatizei meu
interesse nos mercados de ações e no mundo bancário. Afinal, tinha nascido para
isso. Entretanto, já que meus idiomas e meus conhecimentos eram limitados,
apenas aquela empresa – que nem era tão grande assim – dera-me oportunidade de
mostrar minha competência de múltiplos saberes.
-
E o entrevistador? O que disse?
-
Ele não disse nada. Baixou a cabeça, anotou alguns pontos em minha ficha. Daí,
sem mais nem menos, perguntou qual dos produtos fabricados por eles
freqüentavam minha mesa. Sinceridade total: nenhum!
Nesse
instante, eu não me agüentei. Desatei a rir com tamanho estrondo que todo o
ônibus concentrou-se em meu escândalo. Justificativa: lera ótima piada.
O
ônibus parou numa dessas cidades intermediárias do trecho de modo que, entra e
sai de passageiros, perdi parte da conversa dos dois amigos atrás de mim e, por
mais que esticasse as orelhas e disfarçasse a curiosidade, nada mais ouvi. Ao
fim da linha, quando o veículo dava as primeiras voltas para entrar na
rodoviária da Cidade Canção, o rapaz – que adoraria trabalhar no mercado de
ações e ocupar a diretoria de bancos – explodiu:
-
Mas, me diz, resmungou para a amiga, quem vai comer aquela manteiga com gosto
de banha de porco e engolir iogurte que mais parece resto de leite estragado?
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 16 de novembro de
2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário