Anos atrás, Paulo Gracindo e Glória Menezes interpretavam um casal da tradicional sociedade paulistana. Paulo Gracindo já desfilava os cabelos brancos e Glória esbanjava a jovialidade da mulher de quarenta. Diante das ações da esposa, benéficas ou demoníacas, o personagem do grande ator respondia: - Coisas de Laurinha!
A diferença entre homens e mulheres reside na capacidade feminina de interpretações. Os mais filosóficos atribuirão a elas a percepção profunda da busca da felicidade enquanto os literatos reverenciarão o domínio das metáforas. Na disputa entre os filósofos e os literatos, restrinjo-me às surpresas.
Se um cara de quarenta anos é chamado de pançudo, dia seguinte – ou, dependendo da ocasião, na mesma noite – estaciona na frente do espelho, murcha e estufa a barriga, aperta o cinto, afrouxa a calça, prende a respiração, põe a camisa para fora e, em seguida, ajusta-a nas possibilidades desenhadas. Suspira: - Pançudo! Já a mulher não leva desaforo para casa: reage prontamente ao comentário, argumentando que a protuberância não se trata de descuido, mas de excesso de gostosura. Mulheres esqueléticas? Apenas as modelos. Homem gosta de mulher que sabe que se tem onde pegar.
Se o cidadão comete erros de ortografia – troca “s” por “ss” ou “c” ou “ç” – certamente irá envergonhar-se de sua burrice. Já a mulher indiscutivelmente chamará o interlocutor de medíocre: ele não sabe que ela – fluente em alemão, grego, francês e sueco – trocou as letras por pensar na palavra em outro idioma?
Se o homem sai de calça branca desbotada, camisa verde, paletó amarelo, gravata azul, cinto creme, meias roxas, sapatos pretos e chapéu cinza dão-lhe a alcunha de mal vestido. Ficará cabisbaixo, meio triste, decepcionado pelo erro estético. Consultará alguém versado em cores e formas. Anotará as sugestões numa caderneta pesquisada duas ou três vezes ao dia. Se – trajando roupas em todas as cores do arco-íris – a mulher recebe crítica idêntica, tenha convicção, eventual leitor, ela responderá: - Idiota! Não sabe que é o último grito da moda na Europa?
Se o homem dedica-se ao árduo trabalho braçal, joga futebol, afunda na lama, nada na poeira, rola no chão, toma banho de teias de aranha e, ao fim do dia, eventualmente encontra conhecidos, rapidamente será apontado como porco. Humilhado, acatará a sugestão de banho. Já a mulher – ah, sim, a mulher – buscará argumento histórico e lembrará que Napoleão Bonaparte advertia as amantes que ficassem longe das águas três dias antes de encontrá-lo. – Porca, eu? Confrontará a mulher. – Meu cheiro é um perfume natural.
Mas, sem sombra de dúvidas, se existe situação em que a mulher supera o homem é na discussão sexual. Quer sepultar o sorriso do machista? Escancare que ele é ruim de cama, nega fogo, foge da raia. Pouco esforço e grande resultado: o homem atacado se esconderá longas semanas até que – se Deus quiser! – os vizinhos, os colegas de trabalho, os parentes e os amigos esquecerão os vitupérios, as injúrias, os achaques contra sua virilidade. Se vociferarem contra a mulher argumentos semelhantes, não se surpreenda se ela atacar: - Eu? Ruim de cama? Não, bebê. Você é que não dá conta do recado. Ou ainda não percebeu que sou muita areia pro seu caminhãozinho que morre em qualquer subida?
Os homens são limitados: duas ou três palavras de impacto os desmontam. Já as mulheres – sempre as mulheres! – três ou quatro centenas de frases de guerra estimulam a ironia, a ferocidade e as garras lancinantes. Quem vai entender esse complicado, complexo e, ao mesmo tempo, fascinante universo feminino tão previsível e tão cheio de surpresas, de amor e ódio, de delicadeza e de agressão, de sensualidade e de arrogância, de perspectivas e de desespero? Pintura, foto, música, peça ou filme eventualmente poderiam definir o mistério. Poderiam? Desvendaremos esse segredo um dia? Se imaginarmos toda mulher mistura de humildade e de soberba, pensaremos que a mulher é seu próprio segredo e, apenas por isso, simplesmente inexplicável. Como diria o personagem de Paulo Gracindo: - Coisas de Laurinha!
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 2 de novembro de 2012.
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