Sempre
tive problemas nas aulas de Ciências, de Educação Física e de Educação
Artística.
Quando
a professora de Ciências – tive muitas, desde as mais atraentes até às menos
amadas – entrava na sala segurando cadernos, livros, bolsas, cadernetas de
chamada, papéis, giz e apagador, sabia que minha vida se transformaria em
inferno nos quarenta e cinco ou noventa minutos em que – estratégias habituais
de transmissão de conhecimento – desenharia esquemas complexos da digestão dos
peixes. Embora morasse numa cidade praticamente praieira, não entendia – e
continuo sem entender – os motivos que me levavam ao sistema digestivo do
animal que sequer acompanhava-me nas refeições. Saí do ensino fundamental,
entrei no médio, concluí o superior sem assimilar as atividades piscianas,
bactérias, moluscos, reino monera e mariposas mortas em decorrência da poluição
na Inglaterra.
Outra
matéria que me tirava a paciência: Educação Física. Busquei artifícios
convincentes para fugir das aulas, entretanto obrigavam-me a entrar na fila
rumo à quadra de esportes de onde voltava cansado e entediado uma hora e meia
depois de assistir aos jogos dos meninos e de testemunhar as confissões dos
primeiros prazeres labiais de minhas colegas. Como em todas as escolas – públicas
e particulares – os tempos de treinos em busca de resultados satisfatórios
transformavam-se em mera recreação semanal. Nada aprendi das regras dos
esportes. De modo que, nas copas do mundo, “tiro de meta”, “escanteio” ou
“impedimento” são termos desconhecidos.
Ciências
e Educação Física constituíam matérias nas quais ainda poderia aplicar métodos
retóricos para driblar os professores. Aplicaria idênticos métodos em Educação
Artística se, no fim do primeiro bimestre, a professora não tivesse imposto
calendário por meio qual exigisse, a cada sexta-feira, cópia simétrica
proporcional das bandeiras do Distrito Federal e dos vinte e seis estados
seguidos, de perto, das dos países das Américas, alertando-nos sobre as
semelhanças entre as cores originais e as que pretendíamos transpor às obras de
arte de nossa lavra.
Régua
e compasso: dois monstros que me metiam medo. Vez por outra desenhava casas em
papéis de rascunho utilizando, para tanto, a ajuda de réguas de trinta e de
vinte centímetros. Por mais que me esforçasse e contasse exaustivamente os
centímetros, os quartos, os banheiros, as salas, as cozinhas, os escritórios e
as bibliotecas nunca saíam do tamanho desejado. Se, régua em punho e no sossego
de minha casa, meu fracasso mostrava-se estrondoso, o que dizer das tentativas
sob pressão?
Enquanto
meus amigos pulavam de alegria com as notas variando entre nove e dez, eu,
envergonhado e aflito, dobrava meu caderno antes que meus seis e meio, seis,
cinco ou quatro pudessem ser vistos de maneira mais clara pelos colegas.
Conforme previra desde o início das atividades de pintura, cheguei ao fim do
segundo e do terceiro bimestres com notas vermelhas e consciente de que
entraria na prova final. Já imaginava as desculpas a fim de escapar das
cacetadas paternas que, sem dúvida, não engoliriam as explicações de
dificuldades.
Esforcei-me
o quanto pude. Alguns colegas chegaram a ajudar-me, mas minhas bandeiras se
distanciavam do ideal mínimo aceitável. Quase sete meses após o início da
jornada, o coração disparava ao fim das sextas-feiras quando minha condenação
parecia acertada. No último dia de aula, a professora de Educação Artística
entregou-nos papel em branco com a finalidade de projetarmos desenhos livres.
Uns iniciaram a configuração de casas simples; outros, de paisagens cheias de
nuvens brancas, céu azul, árvores verdes, frutas variadas, animais diversos.
Entre o desespero pela penalização paterna e a convicção de derrota pela
incapacidade de, à semelhança dos outros alunos, desenhar casas ou campos,
peguei quatro ou cinco vidrinhos de tinta guache, embaralhei-os integralmente
na página em branco – mas respeitando as quatro linhas de limites – e, meio
corajoso, meio despeitado, integralmente desesperado, entreguei o trabalho à
professora que, diferentemente do que imaginara, abriu um sorriso: - Finalmente
vejo uma obra de arte!
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 9 de novembro de 2012.
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