Vasculhava
as prateleiras quando arrastei o título acima – provavelmente pertencente à
auto-ajuda – dos volumes de crônicas. Li orelha e contra-capa. Devolvê-lo de
onde o tirara. Senhora de pouco mais de cinqüenta anos. Saia longa, camiseta
apertada e cabelos pretíssimos: realmente acreditava naqueles conselhos? Antes
de informar que encontrara casualmente a obra inserida na prateleira errada,
contou-me parte da vida, alegando que, desde o terceiro ano de casamento, identificando
o esfriamento natural da relação, começou a montar pequena biblioteca com
trabalhos de psicólogos, psicanalistas, historiadores, antropólogos,
sociólogos, meretrizes, empresários do prazer e, até mesmo, para quem
desconhecia o mundo editorial específico, economistas, bibliotecários e
jardineiros.
Ameacei
levantar-me, mas ela puxou banquinho, colocou a bolsa aos pés e os óculos
escuros charmosos em cima da cabeça, acenou para a atendente que, provavelmente
sabendo de quem se tratava, trouxe café sem açúcar.
-
Comprei durante vários anos livros e mais livros ensinando a afastar o tédio e
a monotonia do casamento, apresentando os passos de enrolar o coração do homem,
listando as artimanhas de que nós, mulheres, precisaríamos ter na cama, na
mesa, no sofá, no carro, no dia a dia. Certamente mais de duzentos livros em
casa, misturados aos de Literatura, Economia e Geografia: sou professora
universitária aposentada de Economia da Universidade do Estado.
Devolvi
o livro à prateleira, entretanto me lembrei que alguém o tinha inserido no
lugar inadequado e, por essa razão, perdera vinte minutos de meu tempo ouvindo
economista especialista nas artes de prender o marido. Quando percebeu que
retirava o livro e, antes que, mais uma vez, tentasse explicar que o entregaria
à atendente a fim de que o destinasse ao local correto, ela se empolgou:
-
Então, mesmo alertado, insiste em levá-lo? Acha que uma mulher de boa estirpe
não saberia arrasar o marido na cama? Aliás, para que uma mulher arrasaria o
marido na cama?
-
Não faço a mínima idéia, expliquei pausadamente, tamborilando os dedos na capa
dura.
-
Pelo simples fato – assegurou como se tivesse larga experiência no assunto – de
que, esgotado em casa, ele não procurará outras mulheres quando sair para
cerveja, churrasco ou futebol. Todos os maridos são homens famintos. O que se
faz com o faminto? Comida até empanturrar-se. Entendeu? Se estiver satisfeito,
nem cachorro-quente, nem pastel, nem pizza, nem carne mal passada, nem frango,
nem caviar, nem brigadeiro, nem doce, nem salgado, nem frutas, nem legumes.
Problema resolvido!
Agradeci
com a cabeça e, livro nas mãos, levantei-me. Ela pegou a bolsa aos pés, ajustou
os óculos escuros às vistas, impôs ar de superioridade. Justificou novamente a
perda de tempo em comprar aquelas duzentas páginas que, no máximo, repetiriam
conselhos estúpidos, ineficientes e primitivos. Além do mais, cinqüenta reais –
eu ainda não me interessara pelo valor, mas incrivelmente ela já o sabia –
comprariam cinco ou seis edições de bolso de excelente qualidade. Cinco ou seis
livros que atrelariam mais glamour à minha biblioteca: no enjôo de um, lançaria
mão de outro.
Ainda
não me dera tempo de explicar que desejava apenas entregar o livro à atendente.
Dirigi-me ao balcão. A economista atrás de mim enumerando os motivos pelos
quais jogava dinheiro no lixo. Quando faltavam mais ou menos cinco metros, tive
a impressão de que colocou o pé esquerdo na minha frente, desequilibrei-me,
bati numa montanha de livros infantis que, sem grande esforço, estrondaram no
chão. Ruborizado pela confusão, continuei meu trajeto sem arrumar a bagunça que
tinha feito e a economista, dois saltos sobre a baderna, voltou a me azucrinar.
Ela
tentou novamente colocar o pé em minha frente, mas desta vez o pulei, expliquei
à funcionária o problema causado por algum leitor relapso. A economista tomou o
livro das mãos da atendente, jogou cinqüenta reais no balcão, meteu-o dentro da
bolsa e, à saída, cumprimentou-me cordialmente.
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 23 de novembro de
2012.
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