segunda-feira, 26 de novembro de 2012

JÁ ARRASOU SEU MARIDO NA CAMA HOJE?


Vasculhava as prateleiras quando arrastei o título acima – provavelmente pertencente à auto-ajuda – dos volumes de crônicas. Li orelha e contra-capa. Devolvê-lo de onde o tirara. Senhora de pouco mais de cinqüenta anos. Saia longa, camiseta apertada e cabelos pretíssimos: realmente acreditava naqueles conselhos? Antes de informar que encontrara casualmente a obra inserida na prateleira errada, contou-me parte da vida, alegando que, desde o terceiro ano de casamento, identificando o esfriamento natural da relação, começou a montar pequena biblioteca com trabalhos de psicólogos, psicanalistas, historiadores, antropólogos, sociólogos, meretrizes, empresários do prazer e, até mesmo, para quem desconhecia o mundo editorial específico, economistas, bibliotecários e jardineiros.

 

Ameacei levantar-me, mas ela puxou banquinho, colocou a bolsa aos pés e os óculos escuros charmosos em cima da cabeça, acenou para a atendente que, provavelmente sabendo de quem se tratava, trouxe café sem açúcar.

 

- Comprei durante vários anos livros e mais livros ensinando a afastar o tédio e a monotonia do casamento, apresentando os passos de enrolar o coração do homem, listando as artimanhas de que nós, mulheres, precisaríamos ter na cama, na mesa, no sofá, no carro, no dia a dia. Certamente mais de duzentos livros em casa, misturados aos de Literatura, Economia e Geografia: sou professora universitária aposentada de Economia da Universidade do Estado.

 

Devolvi o livro à prateleira, entretanto me lembrei que alguém o tinha inserido no lugar inadequado e, por essa razão, perdera vinte minutos de meu tempo ouvindo economista especialista nas artes de prender o marido. Quando percebeu que retirava o livro e, antes que, mais uma vez, tentasse explicar que o entregaria à atendente a fim de que o destinasse ao local correto, ela se empolgou:

 

- Então, mesmo alertado, insiste em levá-lo? Acha que uma mulher de boa estirpe não saberia arrasar o marido na cama? Aliás, para que uma mulher arrasaria o marido na cama?

 

- Não faço a mínima idéia, expliquei pausadamente, tamborilando os dedos na capa dura.

 

- Pelo simples fato – assegurou como se tivesse larga experiência no assunto – de que, esgotado em casa, ele não procurará outras mulheres quando sair para cerveja, churrasco ou futebol. Todos os maridos são homens famintos. O que se faz com o faminto? Comida até empanturrar-se. Entendeu? Se estiver satisfeito, nem cachorro-quente, nem pastel, nem pizza, nem carne mal passada, nem frango, nem caviar, nem brigadeiro, nem doce, nem salgado, nem frutas, nem legumes. Problema resolvido!

 

Agradeci com a cabeça e, livro nas mãos, levantei-me. Ela pegou a bolsa aos pés, ajustou os óculos escuros às vistas, impôs ar de superioridade. Justificou novamente a perda de tempo em comprar aquelas duzentas páginas que, no máximo, repetiriam conselhos estúpidos, ineficientes e primitivos. Além do mais, cinqüenta reais – eu ainda não me interessara pelo valor, mas incrivelmente ela já o sabia – comprariam cinco ou seis edições de bolso de excelente qualidade. Cinco ou seis livros que atrelariam mais glamour à minha biblioteca: no enjôo de um, lançaria mão de outro.

 

Ainda não me dera tempo de explicar que desejava apenas entregar o livro à atendente. Dirigi-me ao balcão. A economista atrás de mim enumerando os motivos pelos quais jogava dinheiro no lixo. Quando faltavam mais ou menos cinco metros, tive a impressão de que colocou o pé esquerdo na minha frente, desequilibrei-me, bati numa montanha de livros infantis que, sem grande esforço, estrondaram no chão. Ruborizado pela confusão, continuei meu trajeto sem arrumar a bagunça que tinha feito e a economista, dois saltos sobre a baderna, voltou a me azucrinar.

 

Ela tentou novamente colocar o pé em minha frente, mas desta vez o pulei, expliquei à funcionária o problema causado por algum leitor relapso. A economista tomou o livro das mãos da atendente, jogou cinqüenta reais no balcão, meteu-o dentro da bolsa e, à saída, cumprimentou-me cordialmente.

 

 

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 23 de novembro de 2012.

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