sábado, 15 de novembro de 2008

Intolerância ou desequilíbrio na Câmara de Vereadores de Assis?

Como de costume, peguei a edição do “Jornal de Assis” de quinta-feira, 6 de novembro e, com perplexidade e atenção, li o brilhante e pontual artigo do filósofo Márcio Alexandre da Silva sobre o comportamento lastimável do vereador petista José Aparecido Fernandes durante sessão da Câmara de Vereadores de Assis.

Da tribuna da Câmara, rasgou um exemplar do “Jornal de Assis” de que constava uma matéria sobre doação de computadores à associação de produtores rurais. O comportamento deplorável, justificou o vereador, se devia ao fato de que ele, o vereador, não aparecera na foto da doação.

O filósofo discorreu didaticamente sobre a utilidade da tribuna da Câmara Municipal de qualquer cidade: propor soluções e fazer reclamações em defesa da coletividade. Que interesse possuiria a coletividade em ver a foto do vereador no J.A. ou em qualquer outro periódico?

Quando um representante eleito democraticamente pelo povo usa da tribuna da Câmara de Vereadores para falar de interesses próprios, acontece uma confusão entre público e privado. Quando a confusão acontece, despencamos nas anomalias mencionadas pelo filósofo Bobbio em “Estado Governo Sociedade”.

O Brasil é um país democrático. Tão democrático que as atitudes estranhas ao bom senso, à democracia, à pluralidade e às liberdades são tomadas por engraçadas. Comportamento idêntico de um vereador em grande parte das cidades da Holanda constituiria pressuposto para vetar manifestações futuras. Na França, seria cassado por falta de decoro, de conflito ético e de atentar contra os princípios elementares da Democracia. Em Cuba (por quem Lula mantém admiração pública) ou na China (recentemente reconhecida pelo Brasil como economia de mercado), seria fuzilado.

Vivemos em um país de princípios e práticas democráticas. Princípios e práticas democráticas são os bons alicerces do “Jornal de Assis”. Um Jornal plural, cosmopolita, eclético. Um jornal democrático pelo qual passam socialistas e capitalistas, liberais e conservadores, tucanos e petistas, acadêmicos, empresários, professores, alunos, sindicalistas, pessoas do povo.

Tão eclético e democrático que, neste mesmo espaço em que ora escrevo, católicos, protestantes e espíritas divulgam harmoniosa e respeitosamente suas doutrinas.

O comportamento equivocado do vereador pode decorrer de dois problemas: intolerância e desequilíbrio.

Cenas de intolerância estão largamente registradas pela História. Durante a Idade Média a Inquisição queimou milhares de pessoas vivas e de livros em gestos de intolerância. Séculos mais tarde, os nazistas marcharam sobre a Europa também queimando milhares de pessoas vivas e de livros em semelhante gesto de intolerância. Tudo isso porque inquisidores e nazistas não aceitavam pessoas que pensassem de maneira diferente.

Entretanto, deduzo que o vereador não quisesse manifestar intolerância, mas desequilíbrio. Vida agitada, problemas diários, cobranças de todos os lados nos fazem perder o equilíbrio. Assim, desequilibrado subira à tribuna. Desequilibrado protagonizara gestos dignos de pena.

O que é mais importante: a boa ação ou quem pratica a boa ação? A obra ou o criador? Afinal, o texto bíblico não recomenda que a mão esquerda não saiba para quem a direita fez o benefício? Por que o vereador deveria aparecer na foto? Até onde imagine, as fotos da doação dos computadores assim como o nome da entidade que recebeu os aparelhos são muito mais importantes do que o nome do vereador!

Sinceramente espero que a atitude do vereador não tenha sido uma manifestação de intolerância, mas um momento de desequilíbrio pelo qual qualquer um pode passar.

Se foi realmente um momento de desequilíbrio, cabe ao vereador, como sabiamente apontou o filósofo Márcio A. da Silva no artigo “Indignação”, pedir desculpas publicamente não apenas ao “Jornal de Assis” – símbolo de Democracia –, mas principalmente ao fotógrafo Ricardo Amaro que, desempenhando correta e competentemente seu ofício, sofreu uma agressão desnecessária.

Pedir desculpas não é sinônimo de fraqueza. Pedir desculpas significa reconhecer os excessos cometidos indevidamente, praticar a serenidade e mostrar que, apesar de nossos problemas, temos humildade para promover o diálogo, base da humanidade.

Procure em seu partido nomes como Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Plínio de Arruda Sampaio e Hélio Bicudo, que lutaram pelas liberdades (entre elas a de imprensa), pelo respeito à pessoa humana, pela Democracia e pela pluralidade. Inspire-se neles!

Se julgar que só trato do passado, asseguro que nomes atuais, entre eles o Senador Eduardo Suplicy e o Ministro da Justiça Tarso Genro, também lutam pelos mesmos ideais dos intelectuais do parágrafo anterior.

Se o vereador pedir desculpas publicamente tanto ao “Jornal de Assis” quanto ao fotógrafo, com quem me solidarizo plenamente, demonstra o reconhecimento do excesso cometido e se reconcilia com o espírito democrático.

Se a recusa tiver mais força, persistindo no erro lamentável, só se pode encarar essa atitude como um ato de intolerância. Se todos os que doaram e receberam as doações são iguais, por que o vereador deveria sair em destaque na foto se ele não é melhor nem pior do que ninguém, mas igual a todos os outros?

Por fim, o comportamento inadequado em usar da tribuna da Câmara de Vereadores de Assis para brigar por um interesse pessoal (que em nada altera, atinge ou interfere na coletividade) leva-me à pergunta: O discurso do vereador constituiria ou não uma manifestação de caráter absolutamente eleitoreiro?


*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 11 de novembro de 2008.

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