quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ALUNO MODELO

Orgulhosa e falante, a mãe terminou de despejar café nas xícaras do casal que a visitava:

- Meu filho! Vem aqui.

Mostraria aos primos – na verdade, ela, a prima, e ele, marido da prima – que o filho, aluno modelo do primeiro semestre letivo de famosa escola particular, estudava a valer. Interrompera os estudos na terceira série do então curso primário, a mãe queria o filho desfilando de anel grande e vistoso de doutor (poderia ser de médico, de engenheiro ou de entendido da computação, menos de advogado).

- Ele é uma beleza, afirmava, sorrindo orgulhosamente. Vai primo, pode fazer qualquer pergunta que ele responde. Responde na lata. Nem precisa estudar antes.

O marido da prima constrangeu-se pela insistência da mulher que acabava de conhecer, porém por cortesia, perguntou de quais matérias mais gostava. Preferia geografia e Literatura. Embora simpatizasse com física, escrevera alguns poemas na adolescência e lia regularmente romances e crônicas. Viajara a alguns estados e aos países vizinhos de modo que, por conhecimento menos teórico do que prático, iniciou a sabatina:

- Qual a capital do Brasil?

- Brasília, respondeu de pronto o moleque.

- Paraíba?

- João Pessoa.

- Acre?

- Rio Branco.


- Maranhão?

- São Luis.

O marido da prima se empolgava, pensou em questões sobre eras geológicas e camadas terrestres, marítimas e aéreas, mas aprofundou-se nas capitais dos países latino-americanos.

- Qual a capital da Argentina? Disparou, sorridente.

- Caracas.

- Uruguai?

- Surinama.

- Chile?

- Ouro Preto.

A mãe abraçava-o, empurrando-lhe duas coxinhas goela abaixo a título de prêmio pelas respostas rascantes. O menino poderia estar nervoso a ponto de trocar nomes de capitais e confundir uma cidade brasileira com a capital chilena. Mudou para Literatura. Perguntas simples, respostas simples.

- Quem escreveu “A luneta mágica”?

- Machado de Assis.

- “Grande Sertão: veredas”?

- José Lins do Rego.

- “Eu e outras poesias”?

- Guilhermino Cesar.

- “Concerto Campestre” e “O pintor de retratos”?

- Castro Alves.

Voltou a premiá-lo com duas coxinhas e o liberou para brincar na rua, mas antes de atravessar a cozinha, o marido da prima quis indagar novamente.

- Em sua opinião, quem é o maior poeta da Literatura brasileira? Entende? Da Literatura brasileira!

Aquiesceu afirmativamente. Aluno modelo do primeiro semestre letivo de uma das mais tradicionais escolas particulares. Responderia facilmente. Voltando o corpo para dentro de casa:

- Fernando Pessoa.

- Eu não disse que ele era um gênio? Um gênio precoce.

Ao fim do café o marido da prima fez questão de tomar nota do nome e do endereço da escola. Esquivar-se-ia das proximidades do educandário para evitar o contágio de inteligência tão grande.

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis –SP) de 29 de outubro de 2009.

2 comentários:

Anônimo disse...

kkkk,este filho realmente é um "genio"
Nos indique o endereço para não sermos contaminados.
Beijos
Adoro suas crônicas!!!!!

Anônimo disse...

Humm,
Luis Antonio de Assis Brasil, Guimarães Rosa, Joaquim m. de Macedo.... ficariam decepcionados em conhecer com o aluno "modelo"
Abraço