Orgulhosa e falante, a mãe terminou de despejar café nas xícaras do casal que a visitava:
- Meu filho! Vem aqui.
Mostraria aos primos – na verdade, ela, a prima, e ele, marido da prima – que o filho, aluno modelo do primeiro semestre letivo de famosa escola particular, estudava a valer. Interrompera os estudos na terceira série do então curso primário, a mãe queria o filho desfilando de anel grande e vistoso de doutor (poderia ser de médico, de engenheiro ou de entendido da computação, menos de advogado).
- Ele é uma beleza, afirmava, sorrindo orgulhosamente. Vai primo, pode fazer qualquer pergunta que ele responde. Responde na lata. Nem precisa estudar antes.
O marido da prima constrangeu-se pela insistência da mulher que acabava de conhecer, porém por cortesia, perguntou de quais matérias mais gostava. Preferia geografia e Literatura. Embora simpatizasse com física, escrevera alguns poemas na adolescência e lia regularmente romances e crônicas. Viajara a alguns estados e aos países vizinhos de modo que, por conhecimento menos teórico do que prático, iniciou a sabatina:
- Qual a capital do Brasil?
- Brasília, respondeu de pronto o moleque.
- Paraíba?
- João Pessoa.
- Acre?
- Rio Branco.
- Maranhão?
- São Luis.
O marido da prima se empolgava, pensou em questões sobre eras geológicas e camadas terrestres, marítimas e aéreas, mas aprofundou-se nas capitais dos países latino-americanos.
- Qual a capital da Argentina? Disparou, sorridente.
- Caracas.
- Uruguai?
- Surinama.
- Chile?
- Ouro Preto.
A mãe abraçava-o, empurrando-lhe duas coxinhas goela abaixo a título de prêmio pelas respostas rascantes. O menino poderia estar nervoso a ponto de trocar nomes de capitais e confundir uma cidade brasileira com a capital chilena. Mudou para Literatura. Perguntas simples, respostas simples.
- Quem escreveu “A luneta mágica”?
- Machado de Assis.
- “Grande Sertão: veredas”?
- José Lins do Rego.
- “Eu e outras poesias”?
- Guilhermino Cesar.
- “Concerto Campestre” e “O pintor de retratos”?
- Castro Alves.
Voltou a premiá-lo com duas coxinhas e o liberou para brincar na rua, mas antes de atravessar a cozinha, o marido da prima quis indagar novamente.
- Em sua opinião, quem é o maior poeta da Literatura brasileira? Entende? Da Literatura brasileira!
Aquiesceu afirmativamente. Aluno modelo do primeiro semestre letivo de uma das mais tradicionais escolas particulares. Responderia facilmente. Voltando o corpo para dentro de casa:
- Fernando Pessoa.
- Eu não disse que ele era um gênio? Um gênio precoce.
Ao fim do café o marido da prima fez questão de tomar nota do nome e do endereço da escola. Esquivar-se-ia das proximidades do educandário para evitar o contágio de inteligência tão grande.
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis –SP) de 29 de outubro de 2009.
2 comentários:
kkkk,este filho realmente é um "genio"
Nos indique o endereço para não sermos contaminados.
Beijos
Adoro suas crônicas!!!!!
Humm,
Luis Antonio de Assis Brasil, Guimarães Rosa, Joaquim m. de Macedo.... ficariam decepcionados em conhecer com o aluno "modelo"
Abraço
Postar um comentário