O teólogo Leonardo Boff toma emprestada a fábula da águia e da galinha, transcrevendo-a em “O despertar da águia”, para tratar das possibilidades de transformação a que estamos submetidos. De acordo com a fábula, um homem encontra uma águia e passa a criá-la entre galinhas. Depois de adulta, insiste diversas vezes para que alce vôo, enfrente desafios. Porém, a águia teima em se desligar do papel aprendido no galinheiro. As frustrações são abandonadas quando, do alto de uma montanha, o homem insiste novamente e testemunha a ave rasgando as nuvens.
Para alguns leitores do teólogo, a metáfora da águia e da galinha representa uma simbolização da auto-ajuda. Essa possível interpretação pode ser deixada de lado se pensarmos no inatismo que, teoricamente, somos capazes de desenvolver. De acordo com essa teoria, possuiríamos algumas características que facilitariam o desenvolvimento de algumas habilidades. Isso justificaria por que algumas pessoas que nunca tocaram violão ou piano começam a estudar os instrumentos e saem entoando músicas diversas ou por que alguém que nunca gostou de estudar rapidamente adquire conhecimentos matemáticos, filosóficos ou epistemológicos.
Assim como a águia de Boff, o conhecimento armazena-se dentro das pessoas, esperando a oportunidade adequada para se manifestar. Alguns o conseguem por sorte. Acordam um dia e pronto: são engenheiros. Outros, conseguem por esforço: estudam anos a fio as estruturas, os esquemas de física, alguns episódios de química e de biologia, as nuances geográficas e, mesmo assim, mesmo se dedicando intensamente, conseguem operar no grau médio de satisfação.
Por um sentimento que não conseguimos manifestar, experimentamos alguns bloqueios para escrever. Se é difícil escrever uma redação escolar ou acadêmica, um relatório ou uma monografia de conclusão de curso ou de especialização, não seria totalmente impossível compor uma obra literária de qualidade? Certamente não é a resposta adequada se considerarmos que a águia, mesmo vivendo entre galinhas, conseguiu se livrar de suas limitações para lançar vôo sobre o desconhecido.
Da mesma forma que a águia abandonou sua condição de galinha – visão de pouco alcance – para efetivamente se transformar em águia – em espírito e em ação, qualquer um pode escrever numa perspectiva literária.
Alguns terão uma inclinação natural, se optarmos pelo inatismo e pela fábula da águia e da galinha, mas certamente todos nós disporemos de mecanismos eficientes para aprender a criar enredos, personagens, ambientes e desfechos regulares que, dependendo da sorte e do mercado editorial, serão consagrados. Tudo se resume a duas palavras: leitura e prática. O que estamos esperando para começar a ler mais e escrever mais? Quando teremos nossos primeiros romancistas, cronistas, poetas, contistas, dramaturgos e ensaístas discutindo teorias, acertando planos de expansão literária e encontrando, entre nós mesmos, trabalhos literários de qualidade?
*Publicado originalmente no Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de cinco de março de 2009.
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