Sempre atrelei-me às
manifestações científicas de maneira que jamais saía de casa – ao trabalho, às
férias, às viagens com a família – sem antes ouvir o noticiário na televisão ou
no rádio, ler jornal ou consultar sites específicos que informassem as
variações de temperatura. Três dias antes de viajar em julho para participar de
congresso de história em Porto Alegre, certifiquei-me de que, mesmo no inverno,
a capital gaúcha nos ofereceria clima ameno. Deixei em casa a tralha
desnecessária. Coloquei na bolsa calças jeans finas, camisas e camisetas, boné.
Cheguei a Porto
Alegre. O primeiro dia de calor agradável transformou-se num tormento sem
limites. Precisei comprar três blusas de frio, camisas de mangas compridas,
dois cobertores, pulôveres, calças de moletom e um pequeno aquecedor que me
levaram todo o dinheiro da semana, economizado para presentes para a mãe, a
esposa e a filha.
De volta ao interior
paulista, comentei minha aventura pouco heroica com minha mulher cujos olhos,
recriminando-me por não tê-la ouvido, disfarçaram risos de chacota. Em fins de
setembro, o escritório mandou-me a Foz do Iguaçu, famosa cidade através da qual
milhares de brasileiros compram supérfluos no Paraguai. Apesar dos primeiros
raios de primavera, a previsão do tempo indicava frio na casa dos quinze graus.
Sem dúvidas, enchi minhas malas de cobertores grossos, blusas de frio, camisas
de manga comprida e, como sabia que nos instalaríamos em apartamentos de
cozinhas privativas, separei café instantâneo, chocolate quente, chá.
Para minha surpresa –
e deleite da esposa que, à minha volta, já sorria estrondosamente – sofri com o
calor de quarenta e dois graus, asfalto exalando fervuras que aumentavam a
impressão de caminhar numa frigideira em fogo alto. Sem roupas menos calorentas
e com cartão de crédito estourado, oito dias usando calças pretas, camisas de
mangas compridas. Os ventiladores mantinham efeito mais estético do que
prático. O ar condicionado do hotel mal refrescava quem colocava a cara em
frente dele.
O próximo destino:
férias de natal e ano novo ou em Florianópolis ou no Rio de Janeiro. Consultei
atentamente os mapas e os sites cujos históricos declaravam o perigo em ambas as
capitais durante os meses de dezembro e janeiro quando habitualmente chuvas fortes
devastavam em grande escala. Alertei minha esposa e minha filha. As duas me
ignoraram: ou escolhia uma das cidades, ou minha esposa viajaria com os pais a
Florianópolis e minha filha, acompanhada dos amigos, ao Rio de Janeiro.
- Fico em casa. Daqui
não saio. Daqui ninguém me tira.
Entre 20 de dezembro
e três de janeiro, datas respectivas de partida e de retorno, fiquei desolado e
sem saber o que fazer. Não tinha com quem conversar à noite nem com quem brigar
durante o dia pelos sapatos espalhados, a louça mal lavada, a bagunça no
banheiro, o som alto ou os controles remotos quebrados. Por outro lado,
comunicávamo-nos diariamente e, a cada ligação telefônica, perguntava se estava
tudo bem, se avistavam indícios de nuvens carregadas. Diante da negativa, encerrávamos
a conversa e, mais uma vez, voltava ao computador para certificar-me das chuvas
que levariam inúmeros problemas aos catarinenses e fluminenses.
Dois dias antes do
ano novo, as águas tomaram conta de nossa cidade. Perdi o contato tanto com
minha filha quanto com minha esposa. Desembarcaram, na data planejada,
queimadas de praia. Perguntei como tinha sido a experiência de sobreviver às
tragédias, da falta de água, de dividir a pouca comida com pessoas estranhas,
convivendo em lugares insalubres e perigosos.
As duas se
entreolharam. Eu tinha visto desastres na televisão? Realmente nada observara,
mas imaginei tratar-se de questão de segurança nacional. Já me irritara ao
extremo com a situação quando uns vizinhos convidaram-nos para fim de semana no
balneário. Minha filha e minha esposa, cansadas da viagem e do sol de praia,
optaram por ficar em casa. Montei no carro. Voltaria no fim da tarde seguinte.
Tão queimado quanto elas. Previsão do tempo? Nunca mais.
Quando cheguei em
casa, as duas não continham os risos: uma hora e meia depois de minha saída,
temporal caíra, mantendo-se até a segunda-feira.
*Publicado originalmente
na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 25 de janeiro de 2013.
Um comentário:
Vicetônio, estudo com um antigo colega seu, professor Cleitom, que estudou na UNES com o senhor. Contara diversas histórias que passaram juntos. Rimos muito.
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