Os restaurantes
considerados de elite – berços da fineza e do bom gosto – despertam-me
curiosidade. Recentemente entrei num deles no cruzamento da Avenida Rui Barbosa
com a Clóvis Bevilaqua a convite de conhecido que, sabendo de minha ojeriza aos
gastos excessivos, comprometeu-se a pagar o que pedisse. Via das dúvidas,
precavido nos casos de comida, estacionei numa barraquinha e pedi dois
cachorros-quentes e uma lata de Coca-Cola ao fim dos quais retomei a Rui
Barbosa até parar dois quarteirões acima onde, disfarçado atrás do muro, o
flanelinha ofereceu serviços de fiscalização.
Busquei meu conhecido
entre as mesas. Identifiquei-o de costas à rua. Conversava com dois casais e uma
mulher, pelos ombros largos e pela desenvoltura das pernas, atleta de
exercícios regulares. Sentei-me ao lado. Num rompante de entusiasmo – já bebera
quatro ou cinco copos de vinho, apresentou-me os dois casais: o grisalho,
capitão aposentado da polícia acompanhado da esposa; o calvo, professor de
universidade pública do Paraná passeando na cidade com a namorada. A garota de
ombros largos e pernas desenvoltas, irmã dele.
Conversavam a
respeito das últimas crises políticas. O capitão defendendo aplicação de penas
severas aos infratores da lei e o professor, contrapondo-se à opinião do
militar, propondo oportunidades reais aos excluídos pelo mundo capitalista
selvagem. A conversa continuaria noite adentro se meu conhecido não tivesse
perguntado o posicionamento de ambos sobre o campeonato brasileiro de futebol e
a aparente hostilidade se transformasse em simpatia pelo fato de ambos – embora
não residissem no Rio de Janeiro – torcerem fanaticamente pelo time imortalizado
por José Lins do Rego em suas crônicas.
Quando sentei-me, o
capitão informara que já tinham feito o pedido. Dali a meia hora, ensopado cujo
nome, difícil de pronunciar e impossível de entender, assemelhava-se à saudação
nazista. O cheiro deu-me náuseas. Condenei em pensamentos os cachorros-quentes
e a Coca-Cola, prováveis responsáveis pelo mal estar. Constatando meu
desconforto, uma garçonete abriu a janela.
O garçom distribuiu
de maneira proporcional o ensopado, recusado imediatamente por mim que, sem
grande esforço, contentava-me com o copo de água mineral sem gás. O capitão e o
professor – desconfiados do petisco – optaram por leves colheradas contrariando
as esposas e a irmã de meu conhecido que encheram seus pratos. Em poucos
minutos, não apenas as três mulheres, mas também o capitão, o professor e meu
conhecido deliciavam-se pela segunda vez, elogiando excessivamente a iguaria
estrangeira perfeitamente elaborada e cuidadosamente cozinhada num restaurante
de interior.
- Você não sabe o que
está perdendo, sentenciou o capitão, mastigando maravilhadamente os pequenos
pedaços de carne.
- Além do Flamengo,
acrescentou o professor, concordo com o oficial: você não sabe o que está
perdendo. Se soubesse, já teria entrado em crise de consciência.
Meu conhecido correu à
travessa ao meio da mesa, encheu o prato, sugando o caldinho vermelho. As
esposas do capitão e do professor – até então silenciosas e comportadas – também
se alvoroçaram de maneira que, ao se aproximar, a irmã de meu conhecido nada
mais encontrou. Todos razoavelmente satisfeitos e oito garrafas de vinho
esgotadas. Aguardamos numa sala aconchegante onde poltronas confortáveis
dividiam espaços com cardápios de quarenta e sete espécies de café. Retomamos a
conversa e, sem me manifestar exageradamente, bebi duas xícaras de Caramelo
Latte ao fim das quais o gerente, ajustando a gravata e vislumbrando o corte do
cabelo no reflexo do vidro da porta, apareceu com a conta.
- Adoramos a comida
de hoje, mas não entendemos o nome. Poderia traduzi-lo? Meu amigo indagou,
puxando o cartão de crédito, pegando do chão e do braço do sofá algumas moedas
caídas da carteira.
- Claramente,
respondeu o gerente. Os senhores comeram testículos e intestinos de boi
banhados ao molho rosé.
Preciso acrescentar
que fiquei sozinho na sala de café? Jantar fino realmente não é para mim.
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 4 de janeiro de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário