sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

VELHINHOS



Estava na fila do banco, um só caixa funcionando, 22 pessoas à frente, 18 que chegaram depois de mim. O sol forte inviabilizava o funcionamento adequado dos condicionadores de ar. Alguns pais trouxeram filhos barulhentos. Após a saída do funcionário de escritório de contabilidade que levara duas bolsas repletas de boletos, senhora de cabelos brancos, metro e cinquenta e cinco, sapatos pretos lustrosos e vestido de cor clara, venceu os dois lances de degraus, ultrapassou um por um os integrantes da interminável fila, postou-se ao lado do caixa, abriu a bolsa: três calhamaços, dinheiro e cheques.


A boa educação – e, se a boa educação não bastasse, a lei já daria jeito de sermos educados – nos ensina que as pessoas mais velhas preponderam sobre as demais. Ônibus lotado? Os mais jovens devem ceder lugares aos mais velhos. Banco, farmácia, supermercado, casas lotéricas ou correios, cinema ou teatro, na falta de caixas específicos, as pessoas da “melhor idade” têm direito ao atendimento preferencial.


Concordo plenamente com essa regra de bons modos, mas os quarenta e sete minutos que a senhorinha – ou, como diria a filha da mulher impaciente, a “velhinha tão bonitinha, tão lindinha e tão pequeninha” – ocupou no único caixa se não fomentaram o aumento de minha pressão certamente contribuíram para meu coração bater mais apressado e minha respiração chegar aos limites de sua capacidade.


A senhorinha já guardava os últimos papéis quando, como em filme de terror, um senhor de cabelos brancos, de porte atlético e de camisas listradas, ultrapassou elegantemente a fila, mostrou a carteira de identidade – da qual, de longe, se viam as letras em vermelho que informavam seus mais de sessenta e cinco anos – e, sacando a carteira, retirou boletos, dinheiro e cheques. Os pagamentos deste senhor foram rápidos: em menos de dez minutos guardava novamente a papelada. Saía sorridente, cumprimentando os homens, reverenciando as mulheres e contando piadas às crianças.


Já me animava – sete clientes tinham sido atendidos – quando óculos escuros, capacete nas mãos, jaqueta preta e botas de couro atravessaram a fila. Um cliente à iminência de atendimento protestou, mas o motoqueiro – de cabelos cor de caju e, pela estatura, freqüentador assíduo de academias de musculação – puxou documento do bolso de trás da calça e o mostrou ao indignado que, assim como eu, penava naquela situação. Carteira de identidade: 76 anos. Preferência sobre todos os outros.


Seis pessoas à minha frente desistiram de esperar depois de constatarem que, além de pagar as contas, o homem precisaria explicar detalhadamente os tipos de depósitos e transferências a serem feitos: uns identificados com nomes, outros com vários números de CPF, outros, por fim, com sequências infindáveis dispostas em códigos de barras que não conseguiam ser lidos pelo aparelho ótico. Como se não bastasse, o motoqueiro distraía o caixa (mulher de cabelos pretos, vestido vermelho e esmaltes de tom azul claro) perguntando se solteira, se gostava de sair aos fins de semana, de fazer trilhas, de churrasco, de andar de moto, de conhecer novos lugares e pessoas...


Finalmente consegui pagar meus dois papéis. Se pudesse, teria ido a outra agência ou casa lotérica. Contudo, os documentos exigiam especificamente o pagamento naquele banco. Depois de sair do escritório, passei em casa, troquei de roupa, fui ao clube. Comprei Coca-Cola. Na piscina mais afastada, jogo de pólo aquático disputado por duas equipes: uma de “jovens” e outra da “melhor idade”.


Quando me aproximei, a senhorinha, o homem de camisa listrada e o motoqueiro integravam o time da “melhor idade”: nadavam de um lado a outro, driblavam adolescentes, cansavam jovens, arquitetavam jogadas bem elaboradas.


Placar: oito a um. Para a “melhor idade”. A bola saiu da piscina. Devolvi-a aos atletas. A senhorinha de cabelos brancos convidou-me para integrar o time: desfalque de dois jogadores. Diante de minha recusa, gritou enfurecida:


- Não vai jogar? Parece velho, pô!

*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) 18 de janeiro de 2013.

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