Você já pensou na influência que as frases, os jargões, os brocardos e os adágios têm em nossas vidas? Já ouviu falar que alguém dorme “à beça” ou que pensa que está na “casa da mãe Joana”? Que “a bom entendedor, meia-palavra basta”, que “a emenda saiu pior do que o soneto” ou que “a imprensa é o quarto poder”? Você nunca comprou alguma coisa porque estava “a preço de banana” ou escutou alguém dizer que “a ocasião faz o ladrão”?
“A voz do povo é a voz de Deus”, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, “ao Deus dará” e “bateu as botas” já entraram algum dia em seus ouvidos ou saíram de sua boca? Você já “caiu na gandaia” ou voltou para casa de “mãos abanando”? Detesta aquelas pessoas que “comem mortadela e arrotam peru”, dão uma de “João-sem-braço”, ficam de “conversa mole para boi dormir” ou querem empurrar-lhe produtos que “custam os olhos da cara”?
Essas e outras explicações podem ser encontradas em “A vida íntima das frases” que sai pela Novo Século em trabalho gráfico atrativo, interessante, de bom gosto. No livro, Deonísio da Silva, Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo, professor emérito da Universidade Federal de São Carlos e escritor premiado nacional e internacionalmente, reuniu pequenos textos que se assemelham a verbetes. É mais ou menos uma enciclopédia a que recorremos para entender de maneira mais detalhada sobre um assunto.
Apesar da escrita fluente, as pesquisas enfrentam alguns problemas de ordem historiográfica e de concepção literária. O verbete “a pressa é inimiga da perfeição” informa que sua origem são os comentários de Rui Barbosa à rapidez com que o Código Civil Brasileiro foi elaborado por volta de 1900 e que o mencionado livro de leis trouxe “em sua versão final preciosas anotações do mestre”. As discussões em torno da vaidade intelectual ou de interesses políticos nas intervenções de Rui Barbosa sempre aparecerão como pano de fundo dos estudos historiográficos que se fizerem sobre ele. Estudiosos como Antônio Candido e Alfredo Bosi discordam da inteligência brilhante do jurista. Segundo alguns, sua inteligência ultrapassava os limites dos oceanos, mas não mergulhava além dos calcanhares. Além disso, não se ressalta que o jurista convidado para redigir o mencionado Código Civil foi Clóvis Bevilaqua, um dos mais brilhantes intelectuais da Geração de 1870.
A discussão historiográfica da análise de algumas frases também pode ser encontrada em “deixo a vida para entrar na História” em que, esclarecendo a frase de Getúlio Vargas antes do suicídio, afirma que durante seu governo ocorreu a “maior industrialização do Brasil”. Ocorreu?
Os dados historiográficos ainda podem passar batidos porque Deonísio da Silva é professor de Literatura que, com brilhantismo, conseguiu se desvencilhar da teoria estéril e produzir uma obra diversificada e de fôlego, mas um rompante de intolerância interpretativa nos chama a atenção em “a terra lhe seja leve” em que, pormenorizando a origem da frase, ressalta de maneira intolerante as provas da traição de Capitu, personagem de Machado de Assis.
Em primeiro lugar, deve-se destacar que a liberdade de interpretação é ampla e não está atrelada aos desejos ou às leituras de grupos ou de pessoas. Se lembrarmos das entrevistas e dos textos de Antônio Candido e de Wilson Martins, a Literatura não pode ser tratada como ciência, mas como uma teoria, enriquecida pela hermenêutica algumas vezes antagônica e beligerante. Acreditar na traição de Capitu é tão possível como apresentar indícios de sua fidelidade.
Em segundo lugar, não se pode tratar de provas de traição ou de fidelidade quando temos, na verdade, uma gama complexa de indícios que, infelizmente, não constituem provas de atitudes, de fatos ou de iniciativas e alçam certeiramente Machado de Assis ao maior escritor brasileiro de todos os tempos, segundo palavras de Antônio Candido, tão mencionado aqui.
Afora os detalhes, “A vida íntima das frases” é um daqueles livros que sempre nos fazem – profissionais e curiosos – entender um pouco da constituição lingüística e social. Se possível, devem constar da prateleira em destaque – assim como os demais livros do autor – para que os eventuais visitantes da biblioteca particular ou da sala de visitas descubram-no entre outras obras e disparem: “dize-me o que comes e eu te direi quem és”.
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A vida íntima das frases
Deonísio da Silva – Novo Século – 120 p. – R$ 34,90
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 3 de setembro de 2009.
Essa crítica literária também pode ser conferida AQUI
Um comentário:
Cada vez que visito estas páginas e leio os atigos aqui apresentados percebo que devo ficar atento permantemente para não esquecer de ler tudo o que for divulgado. Sempre aprendo, tanto enriquecendo meu vocabulário quanto ampliando meus conhecimentos.
Obrigado por essas oportunidades
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