sexta-feira, 28 de setembro de 2012

PROCURA-SE AMANTE

Parodiando “Anúncio Classificado”, de Carlos Drummond de Andrade

Procura-se amante versada nas artes da paixão desenfreada, cabelos pretos, lisos, compridos e sedosos, medindo entre um metro e meio e um metro e sessenta, sotaque carregado, goste de Literatura – especialmente crônicas e poesias, simpática aos fins de semana assistindo a comédia, romance, suspense, terror e documentários, domine as técnicas culinárias de modo a satisfatoriamente executar filé de frango à pamergiana, panqueca e bolo de chocolate – cobertura de chocolate e recheio de chocolate – sem perder o bom gosto de gelar a Coca-Cola, escolher o vinho e preparar pão de queijo com café.

Filhos, filhas, um filho ou uma filha, ex-marido, ex-namorados e ex-amantes são pressupostos: demonstram que, se nada aprendeu na Literatura, na Filosofia, na História ou nas seções de psicanálise, certamente absorveu experiências. Quem sofreu desilusões amorosas e casou por falta de opção conquista elogios: (des)aprendeu a felicidade de maneira menos apropriada, porém eficaz.

Em tempos modernos, recomenda-se independência financeira. Na condição de professor de abstrações e espantos, oferece-se paixão e diálogo. Amante é – como qualquer solteira, casada, viúva, divorciada ou enrolada – uma mulher. Mulher precisa falar. Lembrem-se, homens do mundo, a mulher/amante atinge orgasmo pelos discursos. Cortem seus discursos intermináveis e arruinarão todo o desejo feminino. Como nem todo homem ouve a amante, a disposição em ouvi-la é um atrativo.

Preferencialmente deve morar em distância nunca inferior a trinta quilômetros. Quanto mais longe, mais saudade. Quanto mais saudade, mais vontade de ver. Quanto mais vontade de ver, mais inteligência em aproveitar o tempo com assuntos e ações interessantes.

Liberalidade é fundamental. O tempo ensina que as conservadoras brasileiras não são as mais hipócritas, porém as mais dedicadas à farsa e ao engano. Procura-se amante liberal. Se pintar conservadora, grandes chances de subir ao pódio.

Não se procura amante desenhada nas curvas geometricamente desejadas pela metade dos homens, entretanto precisará de ginástica, caminhada e bicicleta. Se possível, duzentos metros rasos sem enfartar ou apresentar sinais de desgaste no meio do percurso. Os exercícios físicos regularmente praticados não estão ligados apenas à saúde. São requisitos para outra paixão: viagens!

Procura-se amante que aprecie viajar, mas sem frescuras, reclamações, azucrinações. Que curta seguir de carro, de moto, de avião, de barco, de ônibus e, se preciso – sempre será preciso! – arrisque-se em caminhadas longas, sem reclamar do hotel barato de beira de estrada, sem azucrinar pela comida sem sabor dos restaurantecos de esquina ou encharcada de óleos de botecos instalados embaixo de viadutos de capitais, sem se importar por amassados, orifícios ou manchas na roupa identificadas no passeio. Que aprenda que mais importante do que a roupa, o hotel, a comida ou o meio de transporte são o lugar a visitar e a pessoa que, ao nosso lado, torna um morno copo de água mineral sem gás em líquido incomparável.

Sem cobranças, sem telefonar diariamente, sem enviar dezenas de mensagens pelo e-mail, sem teatrinhos, sem perseguições, sem agressividade e, principalmente, sem disparates estarrecedores. Procura-se amante que saiba que a saudade não nasce de asfixias, mas de liberdades: se gostamos, voltamos sem convite.

Procura-se amante que, sabendo da já mencionada condição financeira de professor de abstrações e espantos, tenha consciência que precisará dividir as contas de restaurantes, de hotéis, de livrarias, de cinemas, de teatros, de cafeterias, de passagens, enfim, de praticamente tudo. Sozinho, não se paga nada.

O anúncio não é dos mais convidativos – nem financeira nem socialmente – não sendo destinado à massa de carentes, mas à elite do refinamento feminino que compreendeu que elegante mesmo é curtir a vida.

Quem atingiu maturidade, refinamento e elegância, aguarda-se contato urgente. Negócio de ocasião. Início imediato!

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 28 de setembro de 2012.

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