sexta-feira, 5 de outubro de 2012

FIDELIDADE IMPERIAL

- Pois, acredite. Sei de que estou falando. Ele a está traindo. Sim, senhora. Como dois e dois são quatro. Eu os vi juntos. Com esses olhos que um dia – ainda vai demorar a chegar esse dia – a terra há de comer.

A amiga de cento e vinte e dois quilos enfatizava a traição do marido da elegante, refinada e suave esposa: pele clara, cabelos curtos – entre pretos e castanhos – cortados na medida certa, portadora de inigualável sorriso imperial. Mesmo diante das peripécias extra-conjugais, o sorriso imperial mantinha-se inalterado e a voz tremulava entre a incredulidade e a convicção de que a amiga, por mais amiga que fosse, ensaiava intriga entre ela e o esposo.

O marido – rapaz de sorriso extasiante, bronzeado semanalmente em Cabo Frio, cabelos arrastadas para trás e quase formando um topete, roupas dos últimos suspiros da moda – negava reiteradamente as acusações absurdas.

A esposa de sorriso imperial lembrava-se de duas ocasiões em que desmascarara as intrigas. Na primeira delas, ex-colega de igreja a convencera a flagrar suposto encontro do marido com sirigaita no estacionamento de Shopping Center. Às seis e meia da tarde, montou campana na praça de alimentação. O marido e a mulher de seios fartos e roupas apertadas comeram, beberam, sorriram, manusearam seus respectivos telefones celulares e, ao fim, ele sacou nota de cinqüenta reais, puxou a cadeira da moça, deu-lhe o braço. Saíram pelo lado esquerdo e, quando estavam no estacionamento, provavelmente se dirigindo ao motel, a esposa de sorriso imperial os abordou.

- Oi, meu amor. Que felicidade te encontrar aqui! O marido desceu do carro. Vamos deixar a esposa do chefe no escritório e de lá seguimos para casa.

Como ela poderia imaginar que um cavalheiro do porte do marido criasse más intenções com a mulher do chefe? Em casa, pediu-lhe mil e uma desculpas.

Na segunda ocasião, a amiga de cento e vinte e dois quilos insinuou a freqüência a lugares aonde homens solteiros e maridos sem-vergonhas se reuniam nas noites de terça-feira. Às 22h35, entrou na casa meio às escuras numa das últimas ruas da cidade. Fingindo revólver dentro da bolsa – não passava de um pedaço de madeira achado na rua – entrou no quarto trinta e oito. Sentado numa cadeira, ruiva sem roupas em sua frente.

- Oi, meu amor. Pequeno exemplar do Novo Testamento no bolso da camisa. Vamos, juntos, converter essa alma arrependida?

Mais uma vez, quando chegaram à casa, encheram-se de remorsos os lindos e fotogênicos olhos que davam um toque de delicadeza às faces simpáticas. O marido – espírito evoluído e benevolente – perdoou o erro, mas a advertiu que, da próxima vez, não existiria compreensão.

Talvez por esse motivo, enchia-se de cuidados ao ouvir as denúncias que, garantia a amiga, mostrariam o quão calhorda era o marido. Naquela noite, marcara encontro com a amante. Sim, ele tinha amante. Não um caso eventual, mas uma amante de anos com quem se enroscava quando ela viajava à casa da mãe. Realmente, o marido estimulava-a sempre a viajar. Até comprava presentinhos para a sogra.

Às vinte e uma horas e trinta e um minutos, informadas por funcionário do motel que embolsara duzentos reais pela colaboração, estacaram, pelo corredor de serviço, à porta da suíte onde o marido e a suposta amante travavam sórdidos diálogos. A esposa – sorriso imperial intacto – tremia um pouco. A amiga de cento e vinte e dois quilos orientava-a: chave na fechadura, destrancar, entrar arrebentando, sem dar oportunidade do casal de facínoras – de onde ela tirara essa palavra? – se vestir. Contaram juntas:

- Um, dois, três. Já!

Quando entraram, quarto silencioso, barulho de água. Saíram pela direita e, na piscina, o marido arrastava uma mulher.

- Pois é, disse ele à esposa e à amiga dela. Eu vim salvá-la. Uma suicida.

- Salvá-la sem roupas? Indagou a amiga da esposa.

- Tirei os sapatos, as calças, a camisa – presente da minha sogra querida – antes de cair na piscina. Ainda bem que consegui salvá-la.

Do outro lado, a mulher de um metro e oitenta e dois de puras curvas vestia-se.

A esposa de sorriso imperial – sorrindo ainda mais imperialmente – disparou contra a amiga:

- Como você teve coragem de inventar mentiras contra um homem tão bom? Homem que arrisca a própria vida para salvar a do próximo?

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 5 de outubro de 2012.

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