sexta-feira, 14 de setembro de 2012

COMPUTADOR


Chamou ao fim da tarde para mostrar-me o computador zero quilômetro comprado em dezessete suaves prestações sem juros, primeiro pagamento sessenta dias depois da compra. O técnico instalara a máquina. Apresentara-lhe os procedimentos de entrar nos sites de notícias, de esportes, de vinho, de pólo aquático, de companhias aéreas e de roteiros turísticos. Com o tempo, a curiosidade e a praticidade, descobriria novos endereços eletrônicos e perderia horas diárias na frente da tela, buscando informações esquecidas após minutos, desinteressando-se das atividades físicas eventualmente praticadas e largando no esquecimento as obrigações pessoais mais maçantes.

 

Sentou-se na cadeira da mesinha do computador, apontou-me um banco de cinco pernas – feito pelo filho mais velho numas aulas de marcenaria da escola técnica – e, sem receio, sorriso estampado e olhos provocativos, acionou o botão do estabilizador, apertou o da CPU, fixou os olhos no monitor. Sem sucesso, aguardamos dez ou quinze segundos. Calmamente, voltou a apertar o botão do estabilizador, o da CPU, fixou os olhos no monitor.

 

- Inferno! Gritou, levantando-se exasperadamente, dando a volta na mesinha, pesquisando os fios traseiros como se fosse capaz de detectar o problema. – Comprei essa máquina hoje. Hoje o rapazinho instalou, ligou, mostrou o funcionamento, deu-me algumas dicas. Bastou ele sair para, logo de cara, essa porcaria dar-me dores de cabeça. Mas, será possível?

 

Soltou cinco ou seis palavrões. Mais uma vez, iniciou o procedimento de apertar o botão do estabilizador e da CPU, olhando, angustiado e esperançoso, a reação do monitor. Nenhuma imagem, nenhuma manifestação, nenhuma letra.

 

- Também não pago nada. Fiz o negócio em dezessete prestações, sem juros, pagamento em sessenta dias. Quem disse que pago? Suspendeu a cadeira nova – comprada no conjunto com a mesinha – e a jogou de lado. Tentei acalmá-lo, contudo os olhos raivosos advertiram-me a distância necessária para manter-me inteiro.

 

Entrou furioso no quarto. Carnê das prestações. Pegou o telefone, trêmulo. Discou o número gratuito, explodiu de raiva, ameaçou o atendente. Do outro lado da linha, o rapaz solicitava a verificação de acoplamento dos fios entre o estabilizador e a CPU, entre a CPU e o monitor, entre o monitor e o estabilizador. Tentativas frustradas, xingamentos exasperados, técnico em quarenta e cinco minutos.

 

O técnico da empresa chegou aos trinta e três, período durante o qual sentamo-nos embaixo do abacateiro, conversamos sobre a ascensão do campeão fluminense, divergimos em torno das mudanças estruturais no trânsito urbano, recordamos os tempos em que praticávamos a travessia fluvial entre Presidente Epitácio e Bataguassu, demorando horas na água indomável...

 

Assim o técnico despontou ao portão, quis dizer poucas e boas ao menino de dezoito anos, entretanto percebeu, ainda em tempo, que ele não tinha culpa da loja adquirir computadores de péssima qualidade, provavelmente vindos da China. Amistoso, um copo de Coca-Cola ao rapaz que, sentindo-se acolhido, desculpou-se pela demora, alegando serviço no outro lado da cidade e pequeno incidente durante o trajeto: a caixa traseira da moto abrira-se, ferramentas espalhadas na rua, ninguém ferido.

 

Quando entramos, meu amigo começou a ladainha. Suspenderia o pagamento, devolveria a aparelhagem e, se já tivesse dado entrada, exigiria o dinheiro de volta. Como confiar numa máquina, primeira vez já falhava? Caso de vida ou morte, como ficaria? Perdera praticamente a tarde inteira. Desejava ainda aproveitar o início da noite para indicar-me endereços de sites interessantes, longamente pesquisados.

 

Atencioso e cortês, o técnico desculpou-se novamente pela demora e prontificou-se a, se necessário, levar reclamações diretamente ao gerente do consumidor. Deu um volta, olhou os fios.

 

- Já achou o problema? Indagou meu amigo, incrédulo.

 

O técnico pegou o fio, introduziu na tomada de energia, acionou o botão do estabilizador, apertou o da CPU e, magicamente, o monitor se acendeu.

 

 

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 14 de setembro de 2012.

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