segunda-feira, 14 de março de 2011

QUANDO QUEBREI A CARA

Quando iniciei a docência no ensino superior, atribuíram-me aulas de Sociologia e de Filosofia. Afastei-me das aulas de História, área em que concluíra mestrado, mas continuei pensando numa maneira de facilitar a leitura de textos das ciências humanas e sociais. Esbocei projeto de extensão universitária: uma oficina de criação literária que indicaria o caminho da escrita clara, objetiva e coesa aos alunos e, em segundo momento, aos interessados da comunidade.



O projeto naufragou. Com ele, o desejo de apresentar escritores contemporâneos que seriam lidos, analisados, criticados e reescritos pelos eventuais alunos. Joguei os rabiscos na gaveta sem esperanças de retomá-los até que, recebendo as aulas de Filosofia e de Sociologia no curso de Pedagogia em Presidente Epitácio (SP), acrescentei nova atividade: seminários.



As alunas escolheriam um dos títulos. Empreenderiam leitura superficial (posteriormente complementada de maneira mais profunda por mim), análise sociológica, reflexão filosófica, impressões pessoais. Os autores: Luiz Antônio de Assis Brasil, Moacyr Scliar, Cyro dos Anjos, Autran Dourado, Josué Guimarães e Sergio Faraco. Dezesseis romances resgatavam minha paixão de trabalhar com Literatura, aplicando conceitos sociológicos e temas filosóficos discutidos nas aulas.



Os romancistas selecionados escrevem fluentemente. Guardam o máximo de significado na economia das frases. A opção pelos títulos considera a qualidade literária – comprovada por teses e prêmios –, o preço acessível, a diagramação, o convite gráfico, a disponibilidade nas redes de livrarias virtuais e o cuidado de possuir, no máximo, duzentas páginas. Cautelas indispensáveis na tentativa de convencer as alunas a efetivamente lerem os enredos.



A possibilidade de resumos na internet tirou-me o sono. Preparei-me com unhas, dentes, falas e fúrias para desmontar as expositoras com argüições violentas. Entretanto, as argüições violentas cederam lugar ao espanto: as meninas não apenas leram os livros duas ou três vezes, mas também recorreram a filmes e críticas literárias, comprovando pormenorizadamente a análise sociológica (grupos sociais, processos de aproximação, de distanciamento e de isolamento, Fato Social, Papéis Sociais) e a reflexão filosófica (felicidade de Epicuro, questionamentos socráticos, idéias platônicas, aquisição aristotélica da virtude, interpretações de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino, niilismo de Nietzsche).



Compartilhei minhas intenções malignas e reconheci-lhes a capacidade: uma felicidade indescritível me invadiu quando, nas comemorações festivas de encerramento do semestre, confessei que – ainda bem! – quebrara a cara em meus objetivos perversos.





*Publicado originalmente na Revista CONHECIMENTO PRÁTICO LITERATURA, edição 35, março/2011.

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