O poeta Affonso Romano de Sant’Anna escreveu uma crônica magistral que, na voz perfeita do ator Paulo Autran, nos faz pensar na interação da Literatura com outras disciplinas, manifestações artísticas e teorias do conhecimento. “A mulher madura” só tem vida quando une texto de Affonso à voz de Autran.
Talvez a insistência de ouvir a interpretação da crônica me tenha feito perceber alguns pontos interessantes nas mulheres maduras. Mas, assim como uma aluna interrompeu Affonso em uma de suas aulas na PUC do Rio de Janeiro para perguntar se ela já chegara à maturidade, indago: o que é a mulher madura ou, pelo menos, o que é uma mulher madura? Ela se estabelece pela idade, pela experiência, pelo dinheiro, pela quantidade de viagens no mundo, pela profissão, pela inserção social? Ela se constrói pela capacidade de encantar discretamente ou pela sutileza de exalar o perfume antes mesmo de chegar? Uma mulher madura se constitui pela idade – 20, 30, 40 anos? – ou se forma na perspectiva de se tornar atraente, erótica e sensual durante as rotinas?
Diante dos questionamentos, melhor deixar os pensamentos voarem numa velocidade própria e achar não mais uma mulher madura, mas uma linda mulher em quem possamos concentrar nossas atenções, pensarmos em seu charme durante a noite, sonharmos com ela durante o dia e sentir seu cheiro musical aos fins da tarde.
Quando o fim da tarde coincide com sua chegada, a transformação do ambiente pressupõe experiência estética única, repetindo algumas das discussões filosóficas de Parmênides sobre realidade e aparência. A realidade se configura pelo sorriso daquela linda mulher enquanto a aparência – efêmera como todas as coisas gostosas – deveria se diluir, mas se mostra intacta e revigorante.
São nesses momentos que descobrimos se um homem está enfeitiçado. Os homens se alteram e se comportam de maneira inesperada. Querem simplesmente se aproximar da linda mulher, sentir o vôo de seus cabelos, o desejo de seu pescoço, os gritos dos olhos. O homem enfeitiçado quer uma linda mulher perto da visão, como se quer perto das mãos as teclas do piano, como se quer perto dos olhos os romances mais instigantes, como se quer perto dos ouvidos as notas de Ravel, como se quer perto do nariz as essências vitais, como se quer perto da pele o gosto da vida.
A busca do homem muitas vezes é útil. Útil porque permite que o amadurecimento das tentativas consubstancie as próximas tentativas numa vontade intensa da conquista da linda mulher que, para ser amada, precisa decidir-se por uma resposta à pergunta aristotélica: Que espécie de amor você quer? Se, mesmo assim, a dúvida persistir e a resposta se embaralhar, talvez seja hora de mergulhar em Epicuro e questionar a si mesma: busco a felicidade ou a formalidade?
Quem pensa que a filosofia não tem aplicações práticas e não serve para nada está certo. Rubem Alves e Affonso Romano de Sant’Anna já nos deram oportunidades de conhecer o “nada” por meio de suas crônicas. Talvez seja esse “nada” que permite à mulher – seja a madura de Affonso na voz de Autran, seja a que idealizamos no espetáculo do crepúsculo – a metamorfose de sua vida, da minha vida, das nossas vidas. Bem ou mal, chega o momento em que a mulher – assim como o homem – descobre que Epicuro estava predominantemente correto: a felicidade é muito mais importante do que a formalidade, a burocracia, os estigmas e as opiniões dos outros. É só observar, por exemplo, qual o destino dos personagens de Carlos Heitor Cony e de Lygia Fagundes Telles ao se guiarem pela opinião alheia.
Uma linda mulher – mesmo quando não temos o prazer de vislumbrá-la todos os dias – tem o poder de nos enfeitiçar e nos deixar hipnotizados com sua presença em nossas mentes. Talvez por isso os fins de tarde se apresentem tão fabulosos e aguardados, provavelmente na esperança de que entre esvoaçante, trajando mais um de seus belos vestidos que nos deixam extasiados, usando um corte de cabelo perfeito, um sorriso dramatúrgico, maquiagem jovial e palavras diferentes, compreensivas, sedutoras. Essa linda mulher decifra-se em pura ebulição nos tornando espectadores num primeiro momento, expectadores em uma segunda oportunidade e, ao final, fãs quase incondicionais. Quando finalmente caímos em seus cantos de sereia, esperamos angustiadamente os hálitos da construção de intermináveis suspiros, devaneios e desejos inomináveis.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 8 de outubro de 2010.
3 comentários:
Simples palavras que interpretam nossos sentimentos em relação a essas pessoas tão especiais em nossas vidas...!!!
Belo texto, adorei!!
Beijos, Daiane.
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