sábado, 2 de outubro de 2010

PROFESSOR DE FILOSOFIA


Para Júlio Cesar Gonçalves, filósofo e educador



O professor entrou atrasado depois de transitar por cinco dos doze prédios da instituição, procurar indicativos ou pontos de referência, pegar um livro de Nietzsche que caíra enquanto descia seis lances de escadas, comprar uma Coca-Cola, lembrar-se do cheque especial estourado, do filho que queria um intercâmbio, da filha que procurava um namorado, da mulher que reclamava que ele trabalhava muito, do ex-orientador exigindo produção científica, de um antigo amor do Paraná, do congresso em Florianópolis...



- Boa tarde. Sou o professor de filosofia. Hegel, Nietzsche e Russell são nossos objetos de estudo nos próximos cinco sábados. O tempo é pouco – disse, observando a sala repleta de homens e três mulheres, botas, calças jeans, camisas de flanela colorida e alguns usando fivela de cinto de causar inveja aos mais brilhantes profissionais de pratos da rainha da Inglaterra – mas faremos o possível para nos aprofundar no sistema filosófico desses três pensadores que são, do meu ponto de vista e de milhares de especialistas e leitores, os mais importantes da sociedade ocidental.



Retirou alguns papéis da bolsa e enquanto escrevia esquemas no quadro, ouviu um aluno falar baixinho ao outro:



- Não disse que valia a pena? Que tinha bons professores? Onde mais estudaria filosofia? Aqui tem café no bule.



O professor riu discretamente, concluindo as anotações, abrindo a lata de Coca-Cola e perguntando se tinham tido aula de filosofia em seus cursos de graduação. O silêncio o advertiu da cautela necessária e do esforço redobrado na transmissão dos conhecimentos. Se emaranhasse as complexidades dos três filósofos na primeira oportunidade, os alunos se amedrontariam.



- Pois bem, disse espontaneamente, gostaria de saber se alguém aqui já ouviu falar de Hegel. O silêncio bateu mais uma vez nos alunos que se entreolhavam, virando-se para os lados, para frente e para trás, em busca dos mais bem informados.



Como ninguém se manifestasse, o professor continuou:



- Hegel tem um importante papel na teoria do conhecimento, principalmente porque inspirou aquele que é considerado o filósofo mais famoso, cujas teorias causaram uma grande modificação no cenário político mundial de todo o século vinte. O nome dele? Karl Marx! Marx desempenhou um papel importante como grande teórico do Direito, da Filosofia, da Sociologia, da História, da Economia e, para alguns, da Literatura. Vocês já ouviram falar de Marx, não é?



- Claro, respondeu uma senhora sentada ao fim da fila do meio. Ou o senhor acha que não assisto ao Fantástico no domingo à noite?



- Perdão. Marx no Fantástico? No domingo à noite?



A senhora gorda fez pouco caso, falando com desprezo e ironia.



- Claro! Pelo visto, o senhor não assiste nada! E ainda se diz professor! Pois, todos os domingos à noite, eu assisto ao Marx fazendo o trabalho de conciliação nos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro. Por isso ele é tão importante para o Direito, a História e para a Sociologia, porque consegue fazer as pessoas se conciliarem...



Uma risada estourou. Um aluno de óculos de sol denunciou: a gorda confundia o filósofo Karl Marx com o apresentador do Fantástico Max Gehringer. A sala inteira caiu em gargalhadas. A aluna rechonchuda engolia a empáfia.



O professor de filosofia voltou a beber mais refrigerante, respirou fundo e discorreu sobre a vida do Nietzsche, filósofo que acrescentara uma maneira virulenta de filosofar na medida em que se tornou um iconoclasta e divergiu sobre as práticas e discursos no louvor cristão. Alguém ouvira falar de Nietzsche?



O silêncio e a troca de olhares cabisbaixos o levaram a pensar que a educação se encontrava numa situação muito difícil. Se, naquela faculdade de ponta, os alunos desconheciam Nietzsche, o que mais lhe faltava? Respirou fundo de novo, sentou-se um pouco e quando se arrependia de aceitar as aulas, um homem de botas empoeiradas, cinto marrom com grande fivela e camisa xadrez adentrou rasgando a sala e se desculpando pelo atraso.



- Boa tarde, disse o professor de filosofia. O senhor é aluno?



- Aluno? Sou professor. Disseram-me que a aula seria aqui, mas vejo que estou enganado, apesar de estar no prédio correto. De que o senhor dá aula?



- Filosofia, respondeu o professor.



- Quando me convidaram para lecionar aqui, me disseram que essa era uma das melhores faculdades do país, mas é a primeira vez na vida que vejo aula de filosofia em um curso de pós-graduação em veterinária.



- Veterinária? Indagou o filósofo, entre surpreso, aliviado e sorridente.



*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 1 de outubro de 2010.

Um comentário:

Luiz Eduardo L. Viana disse...

kkkkkkkkkk....ah professor...!!!
o senhor ta de zuação..!!!!!

menos mal neh....rsrs