sábado, 31 de julho de 2010

MUSEU

Converso sobre os avanços tecnológicos. Adolescente de quinze anos pergunta se as tecnologias provocaram mudanças nos hábitos da população.



- Claro que sim, afirmo convictamente.



Então enumero de memória, sem ordem lógica e sem critérios, situações ou objetos que perderam espaço no cotidiano ou que tiveram seu alcance limitado.



Quando alguém não entendia uma informação, uma anedota ou uma ironia dizia: - Não caiu a ficha! Ficha era um objeto metálico arredondado utilizado para telefonar. Quem desejava uma ligação local usava uma ficha cinza; quem pretendia se comunicar com lugares distantes como Santa Rita (PB) ou Santa Maria (RS) precisava adquirir as prateadas cuja inscrição DDD logo se destacava. Depois apareceram os cartões: mais práticos, mais discretos, mais leves.



Caros, poucas pessoas tinham aparelhos telefônicos em casa de modo que ou se valiam da simpatia do vizinho para telefonar ou procuravam telefones públicos escondidos e distantes. Telefone celular? Só em filme de ficção científica.



Os professores recorriam a um mimeógrafo para providenciar provas e materiais pedagógicos. Meu pai lecionava matemática numa escola estadual. Presenciei professoras se desdobrando para conseguir cópias de qualidade a partir de mudanças em um tonner repleto de álcool. Máquina de datilografia: equipamento indispensável na secretaria. Habilidade – e um possível diploma – ajudava na procura de emprego.



Quando desejávamos assistir a algum filme, alugávamos uma fita VHS que deveria ser rebobinada antes da devolução. Se a fita engalhava, levávamos o aparelho para limpar os cabeçotes.



Quem queria guardar recordações para mostrar aos filhos e aos netos precisava comprar uma (caríssima) câmera fotográfica. Recursos especiais para excluir uma tatuagem, uma folha de alface entre os dentes ou uma barriguinha indesejada nas fotos? Uma filmadora ou qualquer aparelho que armazenasse imagens em movimento apenas em “De volta pro futuro”, com direção de Steven Spielberg.



Acrescento que recentemente estive em Porto Alegre conversando com dois grandes nomes da Literatura Brasileira: Luiz Antônio de Assis Brasil e Moacyr Scliar. Por curiosidade, indaguei como faziam no tempo em que não existia computador. Scliar informou que, depois do texto pronto, as intervenções aconteciam da seguinte maneira: escrevia a parte que precisava, recortava e colava em cima da folha, mais tarde alterada na editora. Assis Brasil listou os sacrifícios, mas levou na boa a nostalgia do barulho datilográfico.



Ainda em relação ao computador, quem imaginaria que uma espécie de aparelho de televisão poderia ser transportado para qualquer lugar do mundo e por meio dele poder-se-ia conversar com russos, dinamarqueses, argentinos e africanos ao mesmo tempo e, com uma clicada na tela, sem necessidade de saber russo, dinamarquês, espanhol ou inglês? Quem imaginaria que um aparelho desses acessaria contas bancárias, faria compras, reservaria lugares em hotéis e aviões, mandaria recados, receberia cobranças, transmitiria imagens de anônimos que, em horas, poderiam se tornar celebridades?



Para uma geração que nasceu vendo o controle remoto como acessório de luxo, se encantar com televisões que mais parecem um quadro, abrigando ao mesmo tempo rádio e filmes armazenados aos milhares, parece algo inimaginável. Basta pensarmos no prazer da música proporcionada por CD (Compact Disc) mas que, em nossa época, nem tão distante assim, obtinha-se apenas em discos de vinil chiados que aumentavam ou diminuíam o tom da voz ou de fitas K7 que embaralhavam o ritmo.



Por fim, falei das facilidades de viajar. No início – e também em meados – da década de 1990, o avião simbolizava status para as pessoas que tinham dinheiro. Hoje? Qualquer um, parcelando em dez ou quinze vezes, sai para Porto Alegre, João Pessoa ou Rio de Janeiro sem grandes dores de cabeça e economiza muito mais passando dias em Montevidéu ou Buenos Aires do que transitando em território nacional – quem diria que qualquer um viajaria para o exterior e lucraria com isso?



O adolescente me interrompeu: - Não seria interessante fazer um museu com essas coisas velhas? Em algumas palavras descobri-me uma “coisa velha”. Pensei em uma resposta, mas preferi silenciar. Talvez ela – a resposta – soasse mais um clichê sem intensidade e perdido no tempo, como a fabulosa voz de Frank Sinatra repetindo-se insensivelmente presa num disco de vinil por uma agulha insistente.



*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 30 de julho de 2010.

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