Demitidos numa leva de cortes de gastos, dois bancários cansaram de procurar empregos em outras agências, gastaram o dinheiro em uma sorveteria, um restaurante, uma pizzaria e uma locadora de vídeos e, em meio às crises da maturidade, pensaram em assaltar bancos, mas recuaram diante da possibilidade de correrem riscos com armas de fogo. Quem conseguiria se livrar dos tiros dos agentes de segurança, experientes, treinados e jovens?
Após abandonarem a igreja no domingo, sentaram-se às mesas de um bar decadente nas proximidades da rodoviária e, presenciando as paradas de clientes em busca de atividades noturnas, riscavam, falavam, confabulavam e ensaiavam maneiras de sobreviver.
- Não temos sorte, falou o ex-bancário de bigodes crescentes. Já tentamos sorveteria, restaurante, pizzaria, locadora de vídeos. Não deram certo e ainda por cima gastamos quase todo o nosso dinheiro.
- Pelo menos, comíamos pizza e assistimos a vídeos todos os dias, riu-se e completou o copo.
O ex-bancário de bigodes crescentes fez uma cara de desaprovação, emitiu um estalido gutural. Queria soluções. Mais seis ou sete semanas. Onde pegaria dinheiro? A conversa se prolongou até alta noite quando o proprietário do bar, impaciente com os dois últimos clientes que insistiam em jogar conversa fora tomando, desde as nove e meia, apenas duas cervejas, bateu na mesa, recolheu as garrafas e esbravejou boa noite.
Alcançaram a calçada da rodoviária, chutaram umas latas de refrigerante e um monte de folhas molhadas pela água que escorria de um cano arrebentado. O bancário de bigodes olhou as damas da noite. Uma delas, entrando no carro, falou das condições do contrato trabalhista temporário. Sacou uma arma da bolsa preta tingida de tons marrons inexpressivos, enfiou-a na boca do motorista.
- Infeliz. Infeliz! O homem gritava enquanto seu carro desaparecia, burlando o sinal vermelho, passando rente ao meio-fio da esquina.
O bigodudo, testemunha da ação rápida, eficaz e satisfatória disparou:
- Vamos fazer isso!
- O que é isso? Está me estranhando?
- O que tem demais?
- Nunca desconfiei de nada, mas já que você está se manifestando, advirto que gosto, que amo, que adoro mulheres. Então...
- Deixe de ser idiota, cortou o bigodudo.
Os dois se entreolharam e os olhos travaram-se nos ruídos da comunicação. Explicação de quilômetro e meio.
- Já imaginou quanto dinheiro não vamos ganhar? O trabalho de um fim de semana vai nos valer cinco meses de salário, complementou o bigodudo, acenando para o amigo. Os dois sumiram por ruas diferentes e o bigodudo, contando displicentemente o resto de moedas guardadas no bolso traseiro da calça, entrou em casa cantarolando.
Dia seguinte, olhavam os carros. Listaram as grandes fortunas da agência em que trabalhavam e, por volta das duas da tarde, mais ou menos noventa nomes figuravam dos papéis rabiscados.
Em uma dessas páginas de internet, compraram os equipamentos necessários – e os equipamentos vinham com instruções desenhadas – para iniciar a vida automobilística. A primeira vítima seria um sócio de supermercado que morava numa chácara.
Passaram três fins de semana observando os movimentos e descobriram, contrastando as anotações, que a vítima saía antes das vinte e duas horas e voltava sempre depois das quatro, dormindo até meio-dia quando, buscando os jornais na caixa de correio, sentava na piscina bebendo qualquer coisa, comendo petiscos, lendo as notícias.
No quarto fim de semana, entraram na chácara. O bigodudo apressava-se enquanto o colega, receoso de cachorros ou de vigias armados, tremia o tempo inteiro, trocando os equipamentos de abertura do veículo. Primeiro, desativaram os alarmes cortando os fios externos do lado de baixo do banco do motorista. Depois, abriram o capô com uma chave especial e se certificaram de que os alarmes realmente estavam desativados. Em seguida, ainda na parte do motor, introduziram um pequeno ferro que desativou as travas de segurança da porta. Então, verificaram se não tinha nenhum outro dispositivo de segurança e, finalmente, o companheiro tremendo dos pés à cabeça, o bigodudo fez ligação direta. Sem despertar suspeitas, desfilaram pela estrada até a pista e de lá a um galpão abandonado.
Reviraram o carro, desmontaram as peças, procederam aos esquemas e diretrizes estipulados no manual. O carro estava pronto. Nem mesmo um perito afirmaria que se tratava de produto de roubo completamente modificado.
- Agora é só vender! O sorriso do bigodudo desapareceu, os olhos correram pela manual. Leu, virou as páginas, revirou, releu com mais atenção: - Onde diabos está o capítulo de venda, compradores, negociação de preços?
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 11 de junho de 2010.
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