Engana-se quem pensa que a qualidade de um livro se relaciona diretamente ao tamanho ou à fama de um editora, à rede de distribuição ou aos milhões de exemplares vendidos. A qualidade de uma obra se liga ao desempenho do escritor na condução e composição dos elementos de criação e de análise literárias (enredo, personagem, tempo, espaço, narrador, linguagem).
Tanto é assim que grandes nomes – entre eles, Dalton Trevisan, Autran Dourado, Moacyr Scliar e Cristovão Tezza – iniciaram suas carreiras literárias patrocinando seus lançamentos e assumindo os óbvios riscos do mercado e da crítica.
Alguns escritores conseguiram entrar no catálogo de grandes, médias e pequenas editoras, porém outros optaram pela aventura indescritível de patrocinarem seus lançamentos, exercendo um duplo ofício de criador artístico e de empresário de um ramo com grandes dificuldades. Esse é o caso do escritor santa-ritense Reginaldo Antônio de Oliveira que, com uma obra voltada ao ensaio, ao relato autobiográfico e aos romances, tem se apresentado e se consolidado como um grande das letras do estado de José Lins do Rego, Augusto dos Anjos e Celso Furtado.
Seguindo uma linha que transforma o romance numa espécie de fábula moral, Reginaldo Antônio de Oliveira busca na discussão entre ética, moral e bons costumes o combustível necessário para levar adiante as digressões e devaneios das relações humanas conturbadas que, na prática, constituem exemplo de fato social.
Em “A vida escandalosa de Ruth”, o foco narrativo se desloca ao narrador onisciente que segue o trajeto, os pensamentos e as ações dos personagens da trama, iniciada no conturbado nascimento da protagonista. A vida difícil da menina a leva a se prostituir, aos amantes, aos prazeres sexuais e financeiros, a tentar retomar à normalidade cotidiana e, em seguida, a ser aclamada grande dama da sociedade.
Ruth tem um destino traçado para se comportar como uma mulher mediana: casar, ter filhos, levar umas pancadas do marido e se submeter aos ditames do estigma e do machismo. Entretanto, rebelando-se contra as amarras da escravidão psicológica, observa o sexo como instrumento necessário para a ascensão e manutenção de status social.
O narrador então discorre sobre os tempos em que ela se dedicava ao bordel instalado num dos pontos mais visitados da Paraíba, seguindo linearmente o abandono do local para se dedicar ao marido e posteriormente o retorno estupendo à mesma profissão. Badalada, clientes de outras cidades e homens ricos de outros estados procuram-na pela fama que se estabeleceu na região.
Depois de novamente sair do bordel e de estabelecer uma vida regrada com um proprietário de terras – geralmente alcunhado coronel no âmbito rural – Ruth presencia o declínio financeiro da família constituída e se perde em suplícios e humilhações.
Valendo-se de uma linguagem pouco trabalhada, em minha concepção um defeito grave, os clichês presentes em todo o texto empobrecem sua força semântica que poderia desencadear reflexões reais sobre a vida das mulheres em grupos machistas em pleno século XXI. Se, por um lado, a linguagem é um problema que necessitaria de solução nos trabalhos vindouros, por outro, a denúncia social e a construção da fábula moderna sobressaem maduramente.
A prostituição aparece como patologia que precisa ser vencida e as mulheres que a praticam são, segundo a percepção do narrador (não confundir narrador com autor), uma excrescência urbana. Pensar dessa maneira desfaz os anseios de igualdade entre gêneros e da liberdade, características gritantes da sociedade contemporânea ocidental. Contudo, utilizar o enredo como denúncia dos abusos sofridos pelas meretrizes, profissionais indispensáveis desde sempre, representa o exame atencioso das condições femininas e da segurança no exercício de suas escolhas.
Além dessa observação, uma leitura diferente também pode se estabelecer como fabulação, mais ou menos determinando, em grande extensão, uma moral ao fim da história, evidenciada por clichês como “o crime não compensa”, “dizes com quem andas e te direi quem és” ou adágios que exaltem as virtudes superficiais ditadas pelas convenções dos grupos dominantes.
Apesar dos problemas enumerados (principalmente o da linguagem aparentemente pouco esmerilada), o trabalho de Reginaldo Antônio de Oliveira merece destaque pela sensibilidade descritiva ricamente cultivada no desenho das mazelas, das escolhas e das eventuais punições do destino sobre os que escolhem caminhos adversos dos trâmites considerados morais.
*Publicado originalmente na Série Especial Dez Escritores Contemporâneos do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 27 de novembro de 2009.
Vicentônio Regis do Nascimento Silva (www.vicentonio.blogspot.com) é tradutor e crítico literário.
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