Anos atrás Sergio
Cabral, jornalista e, coincidentemente, pai do ex-governador do Rio de Janeiro,
tratava dos problemas iniciais de sua carreira na imprensa: instado a ajudar no
fechamento da edição, precisava de uma palavra com dezesseis letras. Nem uma a
mais, nem a menos.
Dezenas de cronistas
já escreveram sobre a folha em branco, a falta de ideia, a ausência de
estímulo, a inspiração cambaleante ou o texto imperfeito. Depois de quase seis
anos sem a crônica diária, desenvolvida inicialmente em Assis e, depois, em
Presidente Prudente, enveredando pelo doutorado e afogando-me nos oceanos de
processos do escritório, volto-me ao desafio de, em 2019, publicar uma crônica
semanal contendo, no máximo, dois mil e duzentos toques.
Obviamente não me
atreverei a, nos moldes de Cabral, escrever o número exato e perfeito de
caracteres propostos no título, mas depois de pouco mais de meia década dedicando-me
a escrita acadêmica – tese, artigos e resenhas científicas, relatórios – e à
jurídica – pareceres e peças – cria-se a impressão da perda de capacidade de decifrar
poeticamente o cotidiano.
Talvez seja essa a
finalidade do cronista: escrever sobre o cotidiano, resgatando, das situações
invisíveis, os sabores que os saberes nos ajudam a decifrar. Saberes e sabores
são conceitos emprestados de Barthes por Rubem Alves. Segundo o brasileiro,
filósofo e cronista de primeira grandeza, a vida alcança sua finalidade quando
sabemos vivê-la com sabor.
O automóvel é um
saber, mas tem importância quando nos traz um sabor: uma viagem às cidades
históricas de Minas ou do Rio, um socorro a quem precisa de hospital, o
pôr-do-sol acompanhando o longo trajeto de quem busca amor, o último passeio de
quem acredita na salvação médica. Quando se tem carro apenas pela propriedade,
temos um saber que nada tem de sabor. Já imaginou pagar 48 ou 60 parcelas do
financiamento, seguro, IPVA, manutenção (troca de óleo e de pneus, balanceamento
e alinhamento, lavagem, aplicação de cera, substituição de molas) para jamais cortar
o país de uma ponta a outra?
A vida é feita de
saberes. A vida é feita de sabores. Aprenderemos a saboreá-la em 2.200 toques
semanais durante o ano de 2019?
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