Deu
um grito, sacudiu-o no ar, tentou levantar-se correndo para pegar o telefone,
mas, na pressa, enrolou as pernas, tentou agarrar-se à parede, tomou um choque
ao bater violentamente o cotovelo no concreto frio, caiu sentada. Levantou-se novamente,
enxugou as lágrimas, verificou a respiração. Telefone: polícia, corpo de
bombeiros, mãe ou marido?
As
mãos tremiam a tal ponto que as teclas sensíveis do telefone digitavam o mesmo
número seis ou oito vezes sucessivamente. Bastava discar o número nove do
marido, o um dos bombeiros ou da polícia ou o primeiro da casa da mãe para que
os números nove ou um surgissem seis ou oito vezes seguidas.
Abriu
a geladeira, jarra de água ao chão. Copo de água do filtro. Jogou açúcar. Bebeu
tremendo e, depois de mais uma verificação na respiração da criança, conseguiu se
comunicar com o marido:
-
Bem...
-
Estou numa parada da polícia. Ligo depois, encerrou.
Pensou
em buscar auxílio materno. O telefone escapou da mão, caiu em cima da mesa,
quicou na cadeira e, mesmo agindo celeremente para evitar mais uma queda,
abriu-se no chão. Pegou a telinha, encaixou o teclado, ajustou a bateria. Por
que não ligava? Destrancou o portão da garagem. Rua vazia e pombos silenciosos
brincando na árvore da casa vizinha angustiaram-na. Sem alternativas, frio de
quase cinco graus, mal pensou em calçar sapato, colocar calças jeans, vestir
blusa de frio, meter as mãos nas luvas ou agasalhar o menino quando o pegou,
fechou a casa da maneira que deu e saiu a pé em busca de ajuda, telefone
esquecido no sofá.
Cruzou
a esquina, pegou a rua principal, dobrou a pracinha. Um taxi de cor vermelha
vinha em sua direção. Segurou o filho em um só braço para acenar com o outro. Sem
maiores atenções, o veículo virou dois quarteirões antes de alcançá-la. As
lágrimas molharam os cabelos da criança que, ainda aquela manhã, participara da
festa junina da escola, fantasiado de pai da noiva, forçando o noivo a assumir
suas obrigações. Dera-lhe dois beijos antes de se perder na piscina de bolas
coloridas, montada no pátio, especialmente para crianças com menos de cinco
anos. Gritara euforicamente depois de recusar-se a abandonar as brincadeiras no
último dia de aula.
Já
avançava rumo ao parque quando o marido despontou numa rua secundária. Correu o
quanto pode, parou diante do automóvel cujo motorista, surpreso e temeroso, acomodou
o menino no banco traseiro. Na primeira curva, os olhos coloridos e os cabelos
espalhados despertaram, mãozinha pousando sobre o ombro. Puxou o matreiro ao
banco da frente. Por que dormira tanto? O desenho do Pica-pau já acabara? Ainda
dava tempo de assistir “Carrossel”? Por que tanta fome? Por que estava sem
Pandareco, o cavalo de madeira presenteado pelo avô no dia anterior?
Já
na casa, a mãe narrava dramaticamente como abandonara a cozinha, entrara no
quarto, afastara cadeira e mesa, colocara-o no sofá, tentara telefonar para o marido
e o corpo de bombeiros, procurara desesperadamente algum vizinho e, sem
alternativas, buscara socorro.
Poucos
minutos depois, a prima apareceu e, mais uma vez, mesma ênfase e mesma emoção,
contou a história de como quase perdera o filho, repetida à mãe, à irmã, à
colega de trabalho, ao irmão, à vizinha que a vira despenteada e quase
descalça, ao cunhado que aparecera para entregar encomenda da sogra...
Certamente continuaria horas telefonando a Deus e ao mundo para compartilhar as
fortes emoções quando o marido, estrondando numa risada, deliciou-se com a
pergunta do filho, que acompanhava incredulamente o testemunho teatral da
genitora.
-
Pai, a mãe foi pra guerra?
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 10 de agosto de 2012.
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