O Homem descobre que pode dar-se sem limites a
tudo o que faz. (Pierre Teilhard de Chardin)
Meu
irmão – quatro anos mais novo do que eu – casou-se no início de setembro numa
Basílica. A imponência, a modernidade e a suntuosidade do lado externo
contrastam com a simplicidade e o aspecto antigo do interior. Apesar das
intervenções dos últimos vinte anos, um toque de outros tempos se manteve na
constituição de beleza.
Vinte
e quatro horas antes da cerimônia, os familiares de São Paulo – cujo trajeto de
carro leva em média cinco horas e meia – meteram-se numa aventura que culminou
na troca de bateria de um dos automóveis, acionamento do seguro, espera do
guincho, vinda de taxis, procura de oficina, localização de malas...
Qualidades
dos contratos em cartório civil: rapidez, eficiência e praticidade. Saímos
todos do cartório direto para a churrascaria. Da churrascaria ao hotel – que
ficava em outra cidade – iniciamos o primeiro transporte coletivo. Eu, no carro
com minha namorada e mais três passageiros. Meu pai e minha mãe, carona com
amigo de meu irmão. O sogro de meu irmão carregando mais quatro passageiros,
malas e bolsas de viagem.
Quando
chegamos à cidade, o resto da tarde procurando van para transportá-los à noite.
Fui deixar minha namorada em Paraguaçu Paulista. Depois, passear em Pedrinhas
Paulista com Bernardino, Otávio e Tiago. Na volta, banho, lanche e retorno a
Assis onde, à porta da igreja, minha namorada e minha filha já nos esperavam.
O
padre levou menos de uma hora para pronunciar o novo estado civil. Em seguida, os
convidados saíram ao salão de festas tais quais tigres atrás de gazelas
selvagens. Sem van – o motorista comprometera-se apenas a trazer os parentes –
levei os primos, primas, maridos e esposas da igreja ao salão de festas em
quatro ou cinco viagens.
Entrei
finalmente no salão. Minha namorada e minha filha sentadas à esquerda do palco,
acompanhadas de casal desenvolto com quem geralmente se firma amizade nessas
situações. Antes de servirem o jantar, dois telões se abriram: um filme das
pessoas que integraram as vidas de solteiros dos recém-casados. As imagens de
nossa família surgiram, comecei a chorar. Disseram a minha mãe que me acharam
sério demais durante o casamento. Geralmente, grito, berro, esculhambo, dou
risadas em tons altos, ridicularizo a todos e a mim. Justamente entre as fotos,
dona Laura almoçando, faca numa mão, olhar seco. Meu irmão, sorriso aberto, abraçado
a ela.
Dona
Laura é minha avó materna. Faleceu em primeiro de fevereiro de 2005. O Concurso
de Crônicas de abrangência nacional, cuja Comissão Organizadora presido, leva o
nome dela. Chorei ininterruptamente assim que vi a foto de Dona Laura. Meu
irmão mais novo, o neto preferido. Aquele a quem chamamos de “queridinho da vovó”.
Para ele, os melhores pedaços de carne, as mais saborosas porções de arroz e
feijão, chocolate, goiabada, Coca-Cola, salgadinhos, queijo, presunto... Para
ele, compreensão eterna, paciência inesgotável, simpatia permanente. Se alguém deveria
presenciar o enlace, deveria ser dona Laura. Alguém que colaborou
definitivamente na vida dele – e de todos nós – contudo não teve tempo de
chegar. Alguém que não ficou pelo caminho, mas que fez o caminho.
Dias
atrás, concluí que Natal é mais ou menos como o casamento do meu irmão: existem
pessoas que estão ali pelo amor; outras, pela comida; outras, para aparecer nas
fotos; outras, de bicão; outras, pela amizade. Mais importantes do que as presentes
são as que, quaisquer que sejam os motivos, não tiveram a oportunidade de
comparecer. O casamento me fez refletir: antes de comemorar, agradecer a quem
se lançou na lama para evitar que nos sujássemos, a quem jejuou para nos livrar
da fome, a quem secou a garganta para nos oferecer água, a quem fantasiou as
próprias dores para nos fazer acreditar em nossos sonhos, a quem chorou para
que sorríssemos. A meu irmão, esplêndido casamento. A minha avó Laura, muito
obrigado! A você, que eventualmente leu essas linhas, Feliz Natal!
*Publicado
originalmente na coluna Ficções, do
caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 23 de dezembro de
2011.
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