sábado, 30 de abril de 2011

MORALISTA

Os amigos da melhor idade reuniam-se ao fim da tarde para, sentados na praça de alimentação do shopping, apreciar as nuances da estética feminina que transitavam entre as mesas. O dono da loja de sucos – os amigos não fumavam nem ingeriam bebidas alcoólicas – mandou confeccionar uma placa de reserva. Produzida em um distinto vidro de cores chamativas, impedia, desde os primeiros minutos de funcionamento do centro comercial, qualquer cliente na mesa que, em menos de duas horas, rendia bons dividendos.



Os primeiros chegavam por volta das cinco e meia. A turma completava-se às cinco e quarenta e cinco e às sete e meia da noite todos rachavam a conta e saíam correndo para chegar em casa, tomar banho e jantar antes da novela das nove.



Alguns dias o movimento engrossava a qualidade da beleza de modo que não era preciso muito esforço para que acertassem voto unânime numa loira ou numa morena. Em outros dias, principalmente os de fim de mês em que todo mundo se desespera pelo próximo salário, contavam-se as mulheres nos dedos de uma só mão.



Os métodos de avaliação inicialmente dividiam-se em dois: aprovadas e reprovadas. Com o tempo, o sistema se aperfeiçoou, passou a conceitos (péssimo, ruim, mal, razoável, bom, excelente e ótimo) e culminou em médias. Uma candidata desavisada precisava atingir média oito e meio se quisesse passar no teste. O certo mesmo é que, apesar dos esforços, das análises e da procura, a mais bem avaliada atingira nota oito e setenta e cinco.



Não existiam mulheres que conseguissem pelo menos nove? Claro que sim! Mas, onde se escondiam?



O esconderijo – de pelo menos uma delas – se encerrou num fim de tarde de quarta-feira quando um belo exemplar, inspirado e perfeitamente elaborado pela mão divina, cruzou o corredor de acesso às lojas de produtos eletrônicos. Pelos cálculos superficiais, entre 22 e 25 anos, loira natural, um metro e setenta, pernas bem torneadas e bumbum empinado – freqüentava academia. A conversa parava, os olhos se enfileiravam e possivelmente alguém ouviria um suspiro apaixonado caso se postasse aos lados da mesa.



De uns tempos para cá, Jorge chegava atrasado aos encontros e, apesar de ouvir reiteradamente os elogios sobre a nova sensação, ainda não tivera o privilégio de analisar a tal loira. Por mais que se esforçasse para estacionar e subir correndo os degraus, perdia o desejo da vida dos companheiros por questão de minutos.



Na última sexta-feira de abril decidiu que chegaria pontualmente às cinco horas. Fizesse chuva ou sol, acidentes ou tempestades, encontros religiosos ou manifestações contra o aumento das passagens de ônibus ou dos impostos municipais ou dos pedágios que infestavam as rodovias, Jorge se sentaria à mesa privativa do grupo e esperaria a Deusa Loira que os companheiros insistiam em batizar de a mais linda das mulheres de Presidente Prudente.



Emprestou o carro para a filha, a quem dava carona para o trabalho. Dinheiro para a esposa: farmácia, padaria, loja de frutas. Fechou a janela da cozinha, trocou a água do cachorro. Ainda pensou em mudar de calças, mas preferiria caminhar com elas e jogá-las no cesto de roupas sujas na volta do grande encontro com a Deusa Loira, que causava tantas euforias e tantos elogios.



Acomodou-se às quatro horas e quarenta e oito minutos. Suco e vitamina: laranja e abacate. Quando terminava a vitamina, dois amigos aproximaram-se e iniciaram o discurso de deslumbramento.



- Hoje, sim, dizia um deles, vais ver o que é uma mulher de verdade! Que mulher! Eu juro que vendia meus dois sítios para fugir com ela mundo afora!



- Se vendesses os dois sítios, eu me livrava da casa, pedia divórcio no dia seguinte e a levava para meu apartamento – pequeno, é verdade, mas é meu – de Buenos Aires. Que mulher de bom gosto não adoraria viver na Argentina? A capital mais européia das Américas?



Os amigos apareceram aos poucos e, às cinco e meia, os comentários desapareceram. Suspiros, olhos arregalados, bocas abertas: a Deusa Loira flutuava. Jorge abriu um sorriso e virou-se para apreciar o monumento: a filha desfilava um vestido de tons discretos, realçando as costas e as pernas. Levantou-se de um pulo e deu socos na mesa:



- Pilantras! Picaretas! Pedófilos! Bandidos!





*Publicado originalmente na coluna Ficções, no caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 29 de abril de 2011.

Um comentário:

cinthia disse...

kkkkkkkkkkkkkkkk...

Por essa eu não esperava! Aushaushuahsuhas...

Muito booom. Valeu noite!