sábado, 1 de janeiro de 2011

RITMO E POESIA

O professor e músico Lincoln F. Dantas passou um fim de semana em casa com o objetivo de dar entrevista ao nosso programa de sábado à tarde. Disse-lhe que, se realmente viesse, tentaríamos visitar dois poetas assisenses. Por volta das dez horas, chegamos à casa de Antônio Lázaro de Almeida Prado que, logo de início, presenteou seus livros e, por mais ou menos uma hora, jogou-nos uma torrente de informações a partir de minha provocação: poesia e música possuíam grandes afinidades e confluências?



Construindo seu discurso nos conceitos seculares e gradativos da filosofia, da sociologia, da teoria e da criação Literárias, da música e das artes, citando seus autores preferidos em francês, italiano, espanhol, inglês, grego e latim, Almeida Prado confirmava o ponto de debate que nos envolvera de madrugada quando retornávamos de Pedrinhas Paulista. A meu pedido, o poeta de corpo octogenário, mas de espírito adolescente, abriu as portas de sua biblioteca – que, por um cálculo rápido, imagino arregimentar em torno de setenta mil livros.



Saindo de sua residência, partimos à caça de José Benjamim de Lima. Tenho o mau hábito de chegar à casa dos outros sem avisar. Se não estão em casa, a ausência constitui convite de insistência que vez por outra pratico com tranqüilidade. Mas, se estão em casa, mesmo que atarefados, demonstram sua grandeza de espírito e nos acolhem, respondendo de supetão às nossas perguntas. José Benjamim de Lima também nos transmitiu grandes concepções com sua sensibilidade poética, respondendo à mesma pergunta: poesia e música possuíam grandes afinidades e confluências?



Segundo o cronista Rubem Alves, a memória guarda o que marca. Não interessa se é bom ou ruim, emocionante ou melancólico, feliz ou fatalista. Do músico Lincoln F. Dantas, ouvi sua admiração pela paciência e humildade de Almeida Prado, despejando-nos sua erudição e pela simplicidade e paixão literária de José Benjamim de Lima que deitou no chão, subiu em cadeiras, revirou estantes e desarrumou obras em busca de um livro que gostaria de emprestar ao meu convidado.



O livro perdido entre outros milhares foi providencial. Graças a esse livro fugido, o poeta emprestou “Ritmo e poesia”, de Cavalcanti Proença, alertando o músico dos cuidados necessários ao manuseio do raro exemplar.



Observei que nós, que amamos e respiramos Literatura, temos alguns comportamentos de grupo: adoramos remexer os livros, realocá-los de acordo com nossas necessidades, tratar de nossas preferências, compartilhar leituras interessantes. Em uma de suas entrevistas, o contista Charles Kiefer disse que lia vários livros ao mesmo tempo e o romancista Raimundo Carrero confessava que se sentava ao meio de sua biblioteca para namorar os títulos até escolher um deles e levá-lo ao altar da leitura.



Quando voltávamos a Maracaí, Lincoln relembrava das explanações de Antônio Lázaro de Almeida Prado e de José Benjamim de Lima. Acrescentei às suas impressões uma observação peculiar: quem realmente gostava de Literatura – como os dois poetas – jamais se cansava de propagá-la.



Ainda falamos muito sobre filosofia, poesia e música. Depois, observei que “Ritmo e poesia” dizia muito não apenas de poesia e música, mas principalmente de vida. Porque a vida, assim como a música e a poesia, entrelaça seu desejo de perpetuação. O entrelaçamento ocorre na transmissão sensível e peculiar dos trejeitos, marcada pela sensibilidade imperceptível. É como o filho que, assimilando os costumes paternos, imita-os inconscientemente, comprovando inserção ao grupo social.



Em sua residência, mostrou-me o músico os computadores usados no desempenho do ofício de especialista em Tecnologia da Informação. Da pilha de livros técnicos, sacou um, de Paul Arden, que aborda as questões relacionadas aos modos de vencer na vida. Aceitei o livro menos por interesse do que pela amabilidade do gesto que, simples e emotivo, sacramentava o habitus adquirido simbolizando assim, como um ano que se encerra e outro que se inicia, a redescoberta dos aprendizados cotidianos.





*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 31 de dezembro de 2010.

Nenhum comentário: