domingo, 26 de dezembro de 2010

PRESENTE DE NATAL

Para Vitalino e Lourdes



Geralmente aos fins de semana o neto aparecia no sítio dos avós paternos que, felizes como apenas os avós são, preparavam bolos açucarados, gelatinas coloridas, milhos cozidos, frango com arroz, guloseimas, sucos de graviola, de laranja, de melancia e de manga. Apesar de todo o arsenal alimentício, o menino gostava de andar a cavalo com o avô, de recolher os animais ao galinheiro, de espalhar a comida aos porcos, de preencher o pote de sal dos cavalos, de ajudar a avó a cuidar da tartaruga e de auxiliar o pai a procurar os coelhos escondidos atrás de árvores mágicas.



A chegada do natal transtornou a cabeça de Arthur: o pai sugeriu uma bicicleta, a mãe idealizou um carrinho de bateria, o avô materno prometeu uma pá de plástico, a avó materna desejou um cachorrinho de pelúcia, o avô paterno propôs tênis coloridos que todos os garotos de sua idade estavam usando e a avó paterna disse, em segredo, que escolhesse o que quisesse. O menino perdia-se nas propostas, mas ficou surpreso ao ouvir pai, mãe, avô e avó planejando arremessar Janjão ao fogo.



Janjão era um leitão de sete meses que nascera depois da Páscoa e estava sendo mais alimentado do que os outros porcos desde o São João. Arthur dava-lhe comida três vezes por dia: às oito e meia, ao meio-dia e às cinco horas. Janjão comia tudo, engolia bons litros de água e, quando não estava metido na lama, passeava sorridente dentro da cerca. Torcia o rabo, mexia o focinho, dava pulinhos, corria, caía, rolava. Aos poucos, Arthur tomou afeição pelo porco. Como os pais e os avós queriam comê-lo?



Precisava salvá-lo! Mas, como? Ficou atento às conversas natalinas. Na quinta-feira, escutou o pai telefonando para o avô e marcando a degola para o dia seguinte. Na sexta-feira pela manhã, pai e filho entravam no sítio antes do nascer do Sol. O pai calçou o par de botinas, montou no cavalo e saiu para ajudar o avô a deslocar doze vacas para o pasto vizinho.



Assim que pai e avô desapareceram na estrada, Arthur entrou no chiqueiro, pisoteou o resto da comida, meteu-se na lama e puxou Janjão pelas pernas, mas o porco, bem alimentado e gordo, não saiu do lugar. Arthur tentou, sem sucesso, puxar as pernas traseiras. Embora escandaloso, Janjão ficou em silêncio, talvez compreendendo a sinceridade de suas intenções. Arthur tentou empurrá-lo nas costas, no focinho, de ponta-cabeça, porém Janjão continuava imóvel.



Um relampejo brilhou na memória de Arthur: lembrou-se do avô que, sem conseguir carregar uma melancia muito grande, saiu rolando a fruta até chegar em casa. Rolando Janjão morro acima, escondeu-se com ele atrás de uma árvore.



O pai e o avô deram por falta de Arthur ao voltarem. A avó, pensara que o menino tivesse ido com o marido e o filho, entrou em prantos. Em poucos minutos, os três gritavam, remexiam no estábulo, reviravam materiais de plantio, olhavam embaixo do trator, ao lado da caixa d’água, no sótão, dentro dos carros.



Quando estavam do outro lado, Arthur, que espreitava de longe, rolou Janjão às pressas, entrou pela cozinha, atravessou a sala, abriu a porta do quarto e o meteu embaixo da coberta azul. Pegou água e verduras, socou-se também embaixo da coberta. O disfarce provavelmente se manteria por longo tempo se, por volta das seis da tarde, o pai não tivesse escutado grunhidos, entrasse desesperado no quarto e encontrasse o filho.



Quando os tios, os primos, os amigos, os conhecidos, os vizinhos da cidade e do campo apareceram por volta das nove horas, estranharam o porco no meio da mesa: olhos de cereja, orelhas de ovo cozido, patas de cenoura, boca de banana, nariz de beterraba, barriga e costas de maionese, rabo de batatinhas, cabeça de melão...





***





Arthur é um garoto de carne, osso e travessuras. Filho da brilhante Daniele e do formidável Ronaldo Costa. Daqui a quinze, trinta ou quarenta anos, espero que, se você tiver lido esta história, tenha a mesma satisfação que eu tenho hoje: saber que minhas avós – Laura e Isaura – são indispensáveis na minha vida feliz.





*Publicado originalmente na coluna Ficções, no caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 24 de dezembro de 2010.

Um comentário:

Daniele disse...

Obrigada pela crônica, mas agradeço principalmente pela amizade.

Muito sucesso em 2011!!!