Confesso a facilidade de criticar romances, novelas, contos, crônicas, teatro (restringindo-me apenas ao texto), ensaios. Também confesso que, embora existam centenas de livros teóricos e pragmáticos lecionando as técnicas de análise de poemas, leio poesia menos com uma função mecânica do que com um desejo passional, emotivo, sentimental, espiritual e inexplicável. Poesia é como a paixão: bateu, valeu. Não tem explicação. Você já viu alguém apaixonando explicando o amor de maneira racional?
Por essa razão, desconheço os motivos que desde sempre me levaram à paixão por Manuel Bandeira e Augusto dos Anjos e, mais recentemente, Carlos Drummond de Andrade e Antônio Lázaro de Almeida Prado.
Mais ou menos um metro e sessenta de altura, óculos graves cravados em faces morenas sobre as quais cabelos puxados para trás aliam-se à voz firme e erudita de professor universitário. Doutor e Livre Docente em língua e Literatura italianas pela Universidade de São Paulo (USP), Almeida Prado abandonou a capital paulista e cidades de grande porte para se instalar em Assis, batizada por ele Cidade Fraternal, na qual ajudou a fundar e consolidar o campus da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho e de onde saíram brilhantes nomes de nossa Literatura, entre eles, além de Almeida Prado, os críticos literários Antônio Cândido e Antônio Soares Amora.
Embora a geração acadêmica atual ganhe prêmios e reconhecimento – destacando-se Luiz Antônio de Assis Brasil, Deonísio da Silva, Cristovão Tezza e Milton Hatoum –, Almeida Prado pertence à época em que teoria e prática literárias apresentavam-se dissociadas ao grande público, daí que conhecemos poucos bons detentores das teorias e metodologias que conseguiram elaborar obras criativas, inteligentes, inteligíveis e interessantes como temos visto recentemente.
Rompendo o estigma da inaplicabilidade de teorias à prática criativa, Almeida Prado passeou pelos campos da crítica, da análise e da criação literárias, dos ensaios, da compreensão historiográfica.
Dedicou-se, como ainda vem se dedicando, à crítica literária em revistas e jornais gerais e especializados, elegendo a honestidade intelectual e a franqueza teórica como norteadores de seu trabalho. Como analista literário, produziu dezenas de artigos científicos e participou de congressos, seminários, simpósios, mesas-redondas e bancas de mestrado e doutorado.
Publicou livros de ensaios nas décadas de 1960/1970 que tratavam da obra de literatos italianos: Salvatore Quasímodo e Cesare Pavese. Versado em línguas, traduziu filósofos e intelectuais, entre eles Giambattista Vico e Giuseppe Ungaretti.
Percorrendo os difíceis, cáusticos e desafiadores percursos da história, a quatro mãos com Maria Silvia Moreli escreveu “Assis – passado, presente e futuro”, livro com rico e diversificado acervo iconográfico que detalha a trajetória da cidade fundada pelo capitão Assis e internacionalmente reconhecida pelo campus da Universidade Estadual Paulista.
Apesar do amplo trabalho acadêmico e teórico desenvolvido em mais de cinco décadas, Almeida Prado realça sua habilidade literária na criação, manifestada harmoniosa e maduramente nas poesias.
Por ocasião das comemorações dos cem anos de Assis (SP), arregimentou sua produção artística em “Ciclo das chamas” (Ateliê Editorial, 2005) e, anos mais tarde, nos versos de “Lúcido Sonho” (Olavo Brás, 2008), em que grande parte dos títulos poderia facilmente ser reunida numa temática particular: o amor pela esposa Themis.
Os grandes escritores buscam a forma perfeita, a frase única, o verso singular e contundente. A bibliografia de Carlos Drummond de Andrade seria anódina sem “Anúncio classificado”. Manuel Bandeira pouco se destacaria sem “Poemeto erótico”. Augusto dos Anjos se distanciaria do ápice caso não tivesse concebido “Versos íntimos” e “Psicologia de um vencido”. E Almeida Prado?
Almeida Prado conquista e mantém um lugar privilegiado na poesia brasileira não apenas por sua densidade poética exalada em todo o seu trabalho, mas principalmente na elaboração de um poema. Se pudesse escolher um poema que pudesse demonstrar toda sua magnitude, “Desafio orquestral” indubitavelmente seria eleita a poesia cujos últimos versos ressoam oniricamente: “Que eu faço versos/ mas sem espinhos,/ com partituras/ pros passarinhos...”
O leitor desatento e pouco poético se perguntará o que tem de tão especial nesses versos. O primeiro ponto reside na distinção entre a poesia como instrumento inerente à humanização e a árdua lembrança de épicos intermináveis. O segundo ponto, o ponto mais brilhante, fica por conta da criação de partituras. Partituras não para compositores, amantes da música ou instrumentistas. Partituras para passarinhos correrem os olhos e traçarem a harmonia e a melodia de seu canto. Desde quando passarinhos precisam de partituras? Desde quando a poesia se banhou de tanta beleza em tão poucos versos?
*Publicado originalmente na Série Especial Dez Escritores Contemporâneos do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 11 de dezembro de 2009.
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