Depois de juntar dinheiro, combinou com os irmãos de visitar uns parentes em Mato Grosso do Sul. Embora gostasse de dirigir, nunca se distanciara mais de cinqüenta quilômetros de casa.
Ou pela inexperiência, ou pela ansiedade de chegar ao destino e mostrar o carro recém-adquirido em dezenas de prestações, percorreu trezentos e setenta e sete quilômetros até fazer a primeira parada, forçada pelo desconforto estomacal de uma sobrinha que, sem se agüentar, exalou os primeiros odores.
O inconveniente nada acrescentou ao motorista. Rodando duzentos e cinqüenta quilômetros, parou apressadamente para outra sobrinha urinar. A saia branca saiu acinzentada do meio dos colonhões.
Gostou tanto de dirigir que, ao voltar, pediu as contas no banco e com o dinheiro da rescisão do contrato comprou um táxi e um caminhão.
- Quando eu não estiver dirigindo o caminhão, não fico parado. Vou lá e trabalho no táxi, disse para a esposa enquanto trocava de roupa para dormir.
Mais uma vez a ansiedade tomou conta dele. A primeira passageira que pediu para ser levada a Marília quase teve o braço decepado. Na pressa, arrancou sem nem prestar atenção se a cliente entrara.
Se a ansiedade e a felicidade se misturavam, o cuidado com o carro fazia-o franco demais. Numa ocasião, um rapaz pediu para levá-lo até Palmital. Ajudou a acomodar as duas pesadas caixas no porta-malas e guardou no banco traseiro uma televisão de vinte e nove polegadas. No banco do carona, o passageiro segurava um pequeno aquário comprado para a irmã de cinco anos.
Saíram da via urbana e pararam no primeiro posto de combustíveis onde, usando de sua maneira franca e direta, pediu o dinheiro da corrida para abastecer o veículo.
- Meu pai vai pagar quando chegarmos.
- Pagar lá? Perguntou surpreso. Negativo. E se chegar lá e teu pai não estiver? Eu que levo o prejuízo? Pode descer.
Sem cerimônias saltou do volante, retirou a televisão, as duas caixas do porta-malas e, diante da incredulidade do passageiro, disparou:
- Vai sair ou vou ter que te colocar para fora?
Numa outra situação, passava das onze da noite quando uma mulher bateu em sua porta pedindo para levar a ela e aos filhos a Londrina. A viagem ia bem até que depois de alguns quilômetros da entrada de Sertanópolis, abriu a bolsa e tirou cinco coxinhas de frango e de carne para dar às crianças.
- O quê? Comer no meu carro? Negativo! Pode descer.
Dessa vez os passageiros tiveram sorte. Colocou para fora a mulher e os filhos e esperou que terminassem de comer para, verificando minuciosamente roupas, sapatos, boca e mãos, permitir o retorno ao veículo. Limpos, poderiam entrar.
Outras diversas cenas do taxista poderiam ser enumeradas. Entretanto, deixamos espaço para uma situação como caminhoneiro.
Os pedágios espalhados pelo país, assalto aos motoristas, encolheram os preços dos fretes. Já que não poderia abrir mão nem do diesel nem da manutenção do veículo, optou por economizar nas refeições. Escolhia as lanchonetes em vez de restaurantes, optava por marmitas no lugar de refeições por quilo, preferia os produtos casados (comida com alguma bebida) aos preços individuais.
Fugindo do pedágio, entrou por uma estrada de terra entre duas cidades de Santa Catarina e, nos quarenta quilômetros do atalho, parou para jantar numa lanchonete. O trecho parecia bem movimentado, pois uma fila de ônibus, de caminhões e de carros de passeio transitava pelo pátio em busca de uma vaga.
O térreo destinava-se exclusivamente para bebidas e petiscos. O primeiro andar dispunha de ar-condicionado, de mesas sempre limpas e de cadeiras estofadas. Provavelmente por esses confortos não percebeu que o preço do cachorro-quente e da Coca-Cola compraria cinco marmitas.
Informado depois de ingeri-los, não se conformou: brigou, reclamou, bradou contra o que cobravam. Sem querer arrumar confusão, o gerente gritou que não precisava pagar. Deu-se por satisfeito, mas começou a correr desesperadamente ao chegar ao topo da escada. Ficara receoso de levar um tiro pelas costas por não pagar a conta.
Mais de vinte anos trafega pelas estradas do país. De carro ou de caminhão. Reclama dos pedágios, da estrada, do preço baixo do frete, dos impostos, das demoras nas cidades, da falta de reconhecimento por sua profissão, da polícia que vira e mexe enche-lhe a paciência, dos comerciantes que lhe dão calote, do calor excessivo, do frio de lascar. Mas, ele quer largar essa vida imprevisível?
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 26 de fevereiro de 2009.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Carnaval
Apenas quando se recuperou da ressaca das cinco caixas de cerveja, das garrafas de uisque e de um litro e meio de cachaça foi que perguntou à esposa por que ela não o chamara para pular o carnaval.
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Penalidades
Duas penalidades para as pessoas que moram em cidades pequenas e de interior: horário de verão e carnaval. Quando se mora no litoral ou próximo de uma cidade praieira, é fácil pegar um ônibus ou subir na moto e passar duas horas presenciando o romper das ondas no silêncio dos pássaros.
Pior do que o horário de verão, é o carnaval. Em vez de se divertirem, as pessoas trabalham normalmente e tiram a terça-feira gorda para passarem o dia trocando os canais da televisão.
Pior do que o horário de verão, é o carnaval. Em vez de se divertirem, as pessoas trabalham normalmente e tiram a terça-feira gorda para passarem o dia trocando os canais da televisão.
Quem poderia?
Quem poderia adivinhar que a mulher trajando uma capa de chuva numa noite quente pretendia parar o trânsito?
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Primeiros socorros
Um amigo com quem não falava há mais de quinze anos telefonou-me uma semana antes do feriado prolongado, convidando-me para passá-lo em sua casa de praia. Lucena, a praia da casa de meu amigo, ainda era desconhecida e seu acesso se dava por uma estrada de terra pela qual transitávamos ameaçadoramente. Para se ter uma idéia, precisei pedir para meus filhos, minha esposa e o cachorro caminharem cerca de três quilômetros até um ponto onde os esperava no carro.
A casa espaçosa e a trezentos metros do mar, rodeada de árvores nativas e de algumas jaulas onde meu amigo cuidava de animais que apareciam, expulsos de seus habitats por situações diversas, trazia uma grande sensação de sossego. O único desassossego na verdade provinha da bebida.
Começamos a nos distanciar depois que ele descobriu o álcool. Dia e noite, noite e dia, ele estava bebendo. Começou com a cerveja, depois partiu para o uísque, vinho, licor. Presenciei o café da manhã com pinga trazida do interior do Espírito Santo.
Ele parecia mudado. O feriado prolongado prometia.
Chegamos a sua casa na manhã de quinta-feira. Almoçamos, passeamos na praia, entramos no mar, jantamos e acendemos uma fogueira em volta da qual cantávamos músicas de serenata, acompanhados de um violão.
A sexta-feira transcorreu tranquilamente, porém o fato marcante sucedeu na tarde de sábado. Durante uma manobra irregular, meu filho deixou a prancha escapar. Ela deslizou direto para a cabeça do filho de outro convidado. Desesperados, entramos em casa correndo, querendo chamar o socorro, os bombeiros, a polícia, o exército, quem sabe a marinha?
Daí a avó do menino atingido, cuja cabeça regurgitava sangue de tonalidades diferentes para minhas vistas, disse que ninguém conseguiria descobrir aquele lugar isolado. Além do mais, naquele tempo ainda não existia telefone móvel e não havia um telefone fixo nas proximidades.
Diante do desespero geral, uma voz proclamou:
- Vamos prestar os primeiros socorros!
O pai do menino e eu nos levantamos, entramos na casa, vasculhamos a sala, a cozinha, os quartos, a lavanderia, o terraço e apenas na garagem, empilhadas, encontramos três grandes caixas de primeiro socorros.
Pegamos a primeira. Tivemos uma surpresa quando a abrimos. Diferentemente de outras caixas de primeiros socorros – aquela caixa media um metro de largura por sessenta centímetros de comprimento – não encontramos faixas, esparadrapos, tesouras, gaze, mercúrio, esterilizantes, pomadas ou comprimidos. Uma ao lado da outra, mais de vinte pequenas garrafas de cachaça.
O pai do menino e eu nos olhamos boquiabertos e voltamos à garagem em busca das caixas remanescentes. Nossa surpresa cresceu na medida em que as abríamos e constatávamos pequenas garrafas de vinho e de uísque.
Quando retornamos, meu amigo estancara o sangue com uma toalha azul. O menino voltara ao mar.
Questionado sobre o conteúdo das caixas de primeiros socorros, limitou-se a nos perguntar, sorrindo:
- Existem primeiros socorros mais importantes do que esses?
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 12 de fevereiro de 2009.
A casa espaçosa e a trezentos metros do mar, rodeada de árvores nativas e de algumas jaulas onde meu amigo cuidava de animais que apareciam, expulsos de seus habitats por situações diversas, trazia uma grande sensação de sossego. O único desassossego na verdade provinha da bebida.
Começamos a nos distanciar depois que ele descobriu o álcool. Dia e noite, noite e dia, ele estava bebendo. Começou com a cerveja, depois partiu para o uísque, vinho, licor. Presenciei o café da manhã com pinga trazida do interior do Espírito Santo.
Ele parecia mudado. O feriado prolongado prometia.
Chegamos a sua casa na manhã de quinta-feira. Almoçamos, passeamos na praia, entramos no mar, jantamos e acendemos uma fogueira em volta da qual cantávamos músicas de serenata, acompanhados de um violão.
A sexta-feira transcorreu tranquilamente, porém o fato marcante sucedeu na tarde de sábado. Durante uma manobra irregular, meu filho deixou a prancha escapar. Ela deslizou direto para a cabeça do filho de outro convidado. Desesperados, entramos em casa correndo, querendo chamar o socorro, os bombeiros, a polícia, o exército, quem sabe a marinha?
Daí a avó do menino atingido, cuja cabeça regurgitava sangue de tonalidades diferentes para minhas vistas, disse que ninguém conseguiria descobrir aquele lugar isolado. Além do mais, naquele tempo ainda não existia telefone móvel e não havia um telefone fixo nas proximidades.
Diante do desespero geral, uma voz proclamou:
- Vamos prestar os primeiros socorros!
O pai do menino e eu nos levantamos, entramos na casa, vasculhamos a sala, a cozinha, os quartos, a lavanderia, o terraço e apenas na garagem, empilhadas, encontramos três grandes caixas de primeiro socorros.
Pegamos a primeira. Tivemos uma surpresa quando a abrimos. Diferentemente de outras caixas de primeiros socorros – aquela caixa media um metro de largura por sessenta centímetros de comprimento – não encontramos faixas, esparadrapos, tesouras, gaze, mercúrio, esterilizantes, pomadas ou comprimidos. Uma ao lado da outra, mais de vinte pequenas garrafas de cachaça.
O pai do menino e eu nos olhamos boquiabertos e voltamos à garagem em busca das caixas remanescentes. Nossa surpresa cresceu na medida em que as abríamos e constatávamos pequenas garrafas de vinho e de uísque.
Quando retornamos, meu amigo estancara o sangue com uma toalha azul. O menino voltara ao mar.
Questionado sobre o conteúdo das caixas de primeiros socorros, limitou-se a nos perguntar, sorrindo:
- Existem primeiros socorros mais importantes do que esses?
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 12 de fevereiro de 2009.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Aniversários
Aniversários são sempre oportunidades inusitadas. Alguns gostam, outros detestam, uns terceiros são indeferentes às comemorações.
No caso de minha filha mais nova, Natália, que aparece sozinha com um sorriso engraçado e um dente torto numa das fotos ao lado, aniversário é um momento configurado pelo recebimento de congratulações e de presentes. Pelos presentes e pelas congratuações, saiu espalhando, desde a semana passada, que seu aniversário seria hoje. Provavelmente receba dezenas de presentes, de promessas ou de esquecimentos.
Ao completar nove anos, já começo a rever meus conceitos sobre ela. Daqui a pouco, dezenove anos chegarão como chegam quaisquer coisas.
No caso de minha filha mais nova, Natália, que aparece sozinha com um sorriso engraçado e um dente torto numa das fotos ao lado, aniversário é um momento configurado pelo recebimento de congratulações e de presentes. Pelos presentes e pelas congratuações, saiu espalhando, desde a semana passada, que seu aniversário seria hoje. Provavelmente receba dezenas de presentes, de promessas ou de esquecimentos.
Ao completar nove anos, já começo a rever meus conceitos sobre ela. Daqui a pouco, dezenove anos chegarão como chegam quaisquer coisas.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Quinze dias
Gostaria de pedir desculpas aos eventuais leitores do blog em razão dessa quinzena que permaneci afastado, dedicando-me exclusivamente à conclusão da dissertação de mestrado que precisava de uns arremates, mas que estava pronta algumas semanas atrás.
Protocolei a dissertação na sexta-feira, dia 30 de janeiro, na secretaria de pós-graduação da universidade e, naquela mesma sexta-feira, comecei a me preparar para viajar a Indaiatuba, cidade bem próxima de Campinas, para participar da festa de formatura de uma amiga muito querida.
A festa transcorreu tranquilamente. A viagem, tanto de ida quanto de volta, foi muito boa, principalmente porque fui de carona no carro do pai dessa minha amiga e, durante todo o trajeto, de ida e de volta, ele reclamava e eu retrucava.
Imagino que o momento mais engraçado do trajeto rodoviário tenha acontecido no momento que o velho enjoou de mascar chiclete e o jogou para fora do carro em movimento: não poderia acontecer outra coisa. O chiclete tomou o impulso necessário para, de encontro ao vento, se colar na lataria do carro vermelho adquirido recentemente e pelo qual o velho tem grande estima e indisfarçável ciúme.
Luciene - esse o nome da minha amiga - mora há mais ou menos seis anos em Indaiatuba. Durante o tempo em que morávamos aqui, ela parecia sempre meio indecisa, mas a vida numa cidade de porte médio ensinou algumas lições que certamente ficarão gravadas em sua memória e comporão sua personalidade sem, no entanto, destruir o que há de bom nessa menina destemida que, trabalhando à noite e sacrificando-se imensamente, concluiu o curso de inglês e, agora, o curso de bacharelado em química numa universidade de Sorocaba.
Poderia escrever milhares de coisas sobre a Luciene, mas acho que três palavras são suficientes: "Parabéns" e "Muito obrigado!"
Protocolei a dissertação na sexta-feira, dia 30 de janeiro, na secretaria de pós-graduação da universidade e, naquela mesma sexta-feira, comecei a me preparar para viajar a Indaiatuba, cidade bem próxima de Campinas, para participar da festa de formatura de uma amiga muito querida.
A festa transcorreu tranquilamente. A viagem, tanto de ida quanto de volta, foi muito boa, principalmente porque fui de carona no carro do pai dessa minha amiga e, durante todo o trajeto, de ida e de volta, ele reclamava e eu retrucava.
Imagino que o momento mais engraçado do trajeto rodoviário tenha acontecido no momento que o velho enjoou de mascar chiclete e o jogou para fora do carro em movimento: não poderia acontecer outra coisa. O chiclete tomou o impulso necessário para, de encontro ao vento, se colar na lataria do carro vermelho adquirido recentemente e pelo qual o velho tem grande estima e indisfarçável ciúme.
Luciene - esse o nome da minha amiga - mora há mais ou menos seis anos em Indaiatuba. Durante o tempo em que morávamos aqui, ela parecia sempre meio indecisa, mas a vida numa cidade de porte médio ensinou algumas lições que certamente ficarão gravadas em sua memória e comporão sua personalidade sem, no entanto, destruir o que há de bom nessa menina destemida que, trabalhando à noite e sacrificando-se imensamente, concluiu o curso de inglês e, agora, o curso de bacharelado em química numa universidade de Sorocaba.
Poderia escrever milhares de coisas sobre a Luciene, mas acho que três palavras são suficientes: "Parabéns" e "Muito obrigado!"
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