Saltava aleatoriamente os olhos pelos títulos quando, atravessando cinco expositores dos mais vendidos, uma senhora, a quem conheço de vista, disparou:
- Todas as mulheres merecem rosas. Concorda comigo?
- Todas as mulheres merecem rosas, repeti. Algumas, as pétalas; o resto, os espinhos.
Grunhiu, ameaçou-me guarda-chuvadas, decretou-me “engraçadinho” e, antes de qualquer atitude mais enérgica e dolorida, saí apressadamente da livraria. Quando repito essa passagem, as mulheres mudam de humor. Por razões desconhecidas, boa parte delas se joga no grupo das que merecem os espinhos.
Empenhei alguns fins de tarde pensando no motivo que as levava a se incomodarem com minha afirmação e não tive grandes dificuldades em entender, nas entrelinhas das respostas, que se sentem mal-amadas, usadas, rejeitadas, humilhadas, postas de lado. O marido, o namorado, o parceiro ou quebra-galho possui mil e uma prioridades. Ela, a mulher, é sempre a última. Relendo Rubem Alves e suas considerações pelos ipês, jardins e jardineiros, deduzi que mulheres são como rosas. Rosas não possuem vontade, não se expressam nem se manifestam. Quem faz uma rosa desabrochar e alcançar suas potencialidades não é a rosa, mas o jardineiro que a tem sob seus cuidados.
O jardineiro escolhe a melhor terra, retira as pedras e os demais empecilhos do solo, cava o buraco adequado – em profundidade e em largura, joga a água dentro dos padrões necessários para que a rosa não dependa de sua mão nem morra antes da vitalidade, protege-a durante sol excessivo ou chuva arrasadora, ataque de ventos ou das formigas.
Alunos são como flores. Mulheres são como rosas. Se obtiverem bons jardineiros, alunos e mulheres serão moldados à imagem da estética apurada e à semelhança do mais alto grau de sabedoria, de compaixão e de sensibilidade. Alunos e mulheres poderão ser moldados a ponto de perceberem que a realidade coletiva imposta ao mundo contemporâneo alicerça-se essencialmente nos símbolos. Quando alunos e mulheres descobrirem que um pássaro em vôo não é apenas um pássaro, entretanto um espírito que se recusa à destruição, ao cárcere e ao sofrimento, certificar-se-ão que professores e parceiros cultivaram flores e rosas aptas a construir e a destruir: a construir a solidariedade, o amor, a compreensão, o incentivo e o universal; a destruir o egoísmo, a mesquinhez, o sofrimento, a angústia e o isolamento.
Alunos não são flores. Mulheres não são rosas. Ao contrário das flores e das rosas que dependem do jardineiro para alcançar a vida plena, alunos e mulheres são responsáveis pelos seus atos na medida em que, diferentemente de flores e rosas, possuem a capacidade da reflexão, da ação, da contestação e, principalmente, da mudança.
Flores e rosas não reclamam do corte ácido. Alunos e mulheres podem refletir sobre os atos de professores e parceiros. Após a reflexão, dispõem da possibilidade de agir, concordando ou discordando. Se discordarem, cabe-lhes contestar e mudar o professor estúpido ou o marido grosseiro.
Flores e rosas precisam de jardineiros. Alunos e mulheres também. O fracasso do jardineiro de flores e rosas manifesta-se nos exemplares murchos. Pouco nos importamos com jardins entristecidos ou abandonados. O deslize do jardineiro de alunos e mulheres exibe-se nas ações cotidianas a que estamos submetidos: alunos humilhados, massacrados, desestimulados ou incompreendidos podem assaltar nossas casas ou estraçalhar nossas vidas; mulheres mal amadas são encontradas aos milhares. Um ônibus, uma escola, um supermercado, cinema ou feira livre para identificá-las com grande facilidade: reclamam, anulam-se, fecham-se para a vida, o prazer e as oportunidades que não batem, mas estrondam as portas de seus castelos de insignificância.
Flores e rosas não podem trocar seus jardineiros. São destinadas ao sucesso ou à desgraça de acordo com a sorte. Alunos e mulheres podem trocar seus jardineiros: basta praticarem a reflexão, a ação, a contestação, a mudança.
Mulheres não são rosas, mas concordo com a interlocutora da livraria ao defender que todas as mulheres merecem rosas. Algumas, banho de pétalas; outras, cama de espinhos.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 24 de fevereiro de 2012.