Um
amigo de longa data – mais ou menos setenta anos de idade – convidou-me para
três dias das férias numa dessas lindas e pouco habitadas praias paulistas. Relutei
dezenas e dezenas de vezes. Disse-me que poderia caminhar na orla ao fim da
tarde, fazer churrasco o dia inteiro, encher a cara de Coca-Cola, água de coco,
sucos de laranja e derivados, ler os jornais numa rede improvisada com vistas
ao mar, ouvir o barulho das ondas ao dormir e aproveitar o café da manhã que
ele preparava diariamente para as netas.
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Aqui, pode escrever na sua agenda e memorizar, não falta mulher. São sete!
Não
são todos os dias que um amigo, ainda por cima avô moderno e liberal, me dava
uma indireta daquelas de modo que, na tentativa de descobrir mais detalhes da
casa na praia lotada de mulheres, indaguei quem mais estaria lá. Gostava de
privacidade e lugares turbulentos ou infestados de barulho tiravam-me o humor.
Diante da resposta – que ele, as netas e uma namorada que encontrara num jogo
de tênis no clube local – não pensei duas vezes, arrumei minha bolsa de viagem,
joguei dentro algumas roupas, separei calção de banho, boné, protetor solar.
Na
rodoviária, o atendente informou-me que as últimas passagens daquele dia tinham
sido vendidas horas antes de modo que, se comprasse agora, poderia viajar a São
Paulo às dezoito horas do dia seguinte. Ainda restava-me uma alternativa: um
ônibus da mesma empresa partiria de Assis com itinerário ininterrupto para
Santos. Por sorte, um conhecido a quem não via há bastante tempo, levaria os
dois filhos a Assis. Ofereceu-me carona desde que arcasse com as despesas – de
ida e de volta – do pedágio. Perguntei por que pagar a volta se apenas iria.
Ele riu. Constatei a idiotice de meu questionamento.
O
ônibus saiu pontualmente levando três assentos vazios o que facilitou meu sono
por quase duas horas e meia quando, parando quinze minutos num desses postos de
combustíveis na estrada deserta para os esfomeados ou necessitados de banheiro,
uma senhora discorreu sobre as perspectivas de entrar no mar pela primeira vez.
Praticamente nunca saíra do Mato Grosso do Sul, com exceção de algumas viagens
às fazendas do patrão no Paraná. Sentia-se realizada de – quase no fim da vida,
como ela mesma frisou – conhecer uma das maravilhas de Deus. Falou dos cinco
filhos, oito netos, das noras que adorava, dos genros que detestava, do marido
que, depois de aposentado, dormia o dia inteiro no sofá, da criação de galinha
caipira, do carro comprado num estacionamento de Campo Grande que, de tantos e
variados problemas, sugara-lhes as economias de anos nos consertos
freqüentes...
Desci
em Santos, despedi-me da simpática senhora e cumprimentei a irmã do amigo às
mãos de quem os filhos se prenderam, extasiados pela balbúrdia urbana. Entrei em
novo ônibus. Mais uma hora. À plataforma, Coca-Cola de dois litros e dois copos
descartáveis. Sentamo-nos na praia, Sol ainda frio, as maravilhosas turistas
caminhando, correndo ou tomando banhos de mar. Delicadamente, perguntei das
netas. Dormiriam até às dez e meia. Tinham se recolhido provavelmente às três
da manhã.
Meu
amigo passaria parte da noite nos braços da namorada recentemente descoberta,
voltaria cansado, lançar-se-ia na cama, caminho livre para mim. Nunca fora tão
fácil um lobo vestir-se em pele de cordeiro. Sete mulheres para quinze dias! Quinze
dias com sete mulheres! O que mais poderia desejar?
Poderia
desejar que meus sonhos se transformassem em realidade. Meu amigo não mentiu em
nenhum momento! Depois de terem ido dormir às três da madrugada, sete netas acordaram
depois das onze horas. Por que tinham ido dormir às três da manhã? Assistiam ao
filme do “Bob Esponja”. Sete netas de seis a nove anos de idade. Quinze dias
ajudando meu amigo a cuidar das sete netas? Os mais precavidos nunca fecham
negócio antes de lerem, relerem e questionaram os contratos. Da próxima vez que
receber convite milagroso de praia, quero detalhes dos detalhes dos detalhes.
Nunca mais recebo cavalo sem antes examinar os dentes.
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 17 de fevereiro de
2012.
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