sábado, 7 de janeiro de 2012

COSMÉTICOS

O aumento da venda de cosméticos – e, conseqüentemente, a ampliação de pontos de venda e de vendedoras – é um dado que não pode ser ignorado nem nas estatísticas econômicas oficiais nem na rotina de milhões de brasileiros que tomam os transportes públicos. Outro dia peguei o ônibus de Presidente Prudente a Teodoro Sampaio a fim de resolver algumas pendências na fazenda pública quando, quase cochilando, pernas encostadas no banco da frente, vento morno entrando na fresta da janela, loira de metro e oitenta parou no corredor, reconheceu a passageira sentada ao meu lado:


- Maria! Quanto tempo! Faz o quê? Uns três anos que não nos vemos?


Maria respondeu que não se viam há mais de cinco anos. Última vez, casamento do Pedrinho. Desde então, os caminhos se distanciaram. A loira – em poucos minutos, resumiu sua vida de dois casamentos, noivado fracassado, perda da casa da família, dívida monstruosa no banco e falência do escritório de contabilidade em Rancharia – entrara no ramo de cosméticos.


Colocou a imensa bagagem sobre as pernas de Maria, abriu o zíper complicado da mala, tirou de dentro uns mecanismos que se desdobravam em mil e, a cada abertura, apresentavam ramificações do mesmo produto. Com paciência didática – típica dos melhores professores em busca do espírito fugitivo do aluno intempérie – iniciou a explanação ressaltando a qualidade de vida adquirida durante o século anterior: a diminuição da carga de trabalho e a conquista de ócios regulares permitiram ao homem moderno mais tempo para cuidar de si. Perder peso, preocupar-se com as medidas corporais, eliminar gordura e, uma vez conquistada a segurança física, priorizar a estética.


- É aí que eu entro, disse, sorridente, puxando alguns prospectos e estendendo-os não apenas a amiga, mas também a mim que, naquele momento, já tinha perdido o sono e, irritado, ouvia as promessas de beleza. – Pois, como eu estava dizendo, reforçou, depois de também distribuir os panfletos entre alguns passageiros em pé, a estética, a conservação da pele, o charme que jogamos sobre os homens e a elegância que esbanjamos por onde passamos constituem o principal produto da mulher de hoje. Quanto mais linda ficarmos, mais oportunidades de descobrirmos novos amores. Quanto mais belas permanecermos, menos desperdícios de tempo para resolvermos nossos problemas. As portas simplesmente se abrem.


Uma senhora que ainda não tinha sido aprovada no primeiro estágio mencionado pela loira – o estágio da segurança física – esticou o pescoço quando ela prometeu novos amores e quase caiu em cima da gente ao frisar a facilidade da abertura de novas portas. Confesso que, olhando a saliência em minha barriga, nas laterais, nas coxas e nos braços, passei a olhar mais atenciosamente os produtos. Já estava tão estimulado que pouco me impressionei com os preços. Um creme de aplicação noturna – espalhado entre as sobrancelhas e as pálpebras – custava oitenta reais. O matinal, noventa e três reais; o da tarde, cento e vinte e dois reais e trinta e oito centavos.


A mala ainda dispunha de cremes de costas, de costelas, de peito (peculiarmente produzidos para homens e para mulheres), de pescoço, de orelhas, de olhos, de mãos, de dedos, de unhas, de espaços entre um dedo e outro, de testa, de nádegas (com promessas de enrijecer as flácidas e embelezar as já firmes), de cotovelos, de lábios, de nariz, de pés... Para cada parte do corpo, pelo menos mais três desdobramentos de produtos. Para os pés, existiam cremes para a hora do almoço, do café da tarde, para uso com tênis, sapatos de couro, sandálias abertas, sandálias fechadas, alpercatas, chinelas de dedo, sapatilhas...


Eu mesmo me convencera a adquirir uns cinco produtos e entregar quinhentos reais parcelados em setenta vezes no cartão de crédito – é, ela tinha máquina portátil de cartão de crédito – quando um homem de chapéu de boiadeiro fulminou as pretensões dos futuros ex-clientes:


- Com essa dinheirama, eu aconselharia cirurgia plástica! Para que reformar se pode reconstruir?


*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 6 de janeiro de 2012.

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