A ida à biblioteca pública – ou, quem sabe, com muita sorte, privada? – deveria se tornar evento simpático, distante da solenidade que exterioriza o tédio, a aversão e o descontentamento. Na falta de bibliotecárias competentes e graduadas em boas instituições de ensino superior, jogam entre os amontoados de livros pessoas de todas as qualidades, mas duas espécies se sobressaem: as mal-amadas e as que detestam ler.
Cada biblioteca deveria se dividir em quatro ou cinco espaços destinados aos leitores específicos. Por exemplo, na biblioteca das crianças, grade de atividades, de festejos, de músicas, de vídeos, de brincadeiras e de brinquedos. Mesa repleta de doces, refrigerantes e salgadinhos. Frutas, legumes, verduras, sucos e assemelhados naturais seriam obrigação dos pais que, além do trabalho de desentupir os pimpolhos dessas bobagens, se incumbiriam de enchê-los de computador ou televisão, fomentando a vida sedentária. Afixaria placa bem colorida à porta com a seguinte informação em letras grandes: ENTRE SEM FAZER SILÊNCIO! Poderíamos entrar gritando, batendo palmas, pulando, tocando instrumentos, sambando nas mesas, afastando cadeiras...
Os adolescentes e jovens compartilhariam o mesmo espaço. Adolescentes gostam de conviver no ambiente dos que consideram uma meta a se atingir e os jovens, especialmente os imaturos, sempre gostam de servir de modelo para alguém, contando experiências ou inventando situações que demonstrem ou comprovem sua superioridade. Para eles, ambiente com música, dezenas de filmes, de revistas de moda, de fofoca e de interesses específicos como viagens, depoimentos de vitoriosos que enriqueceram da noite para o dia desenvolvendo jogos de informática, de maneira de melhorar a atividade sexual ou de conquistar com mais eficácia, mais economia e mais rapidez. Uma mesa de jogos de salão poderia ser instalada justamente no meio do prédio de modo que, numa folheada entre um Moacyr Scliar e um Marquês de Sade, possam aproveitar o tempo acertando a bola no gol adversário, manipulando cansativamente os homenzinhos quase imóveis, divididos em dois grupos de cores opostas.
Os universitários formam grupo especial entre os jovens. Uma biblioteca se constituiria para facilitar a vida desse agrupamento de estudantes que se consideram superiores. Para eles, seguindo a sugestão de um discente de matemática que confessou a fuga da biblioteca por não encontrar nada de interessante lá, as atendentes precisariam trajar-se inspiradoramente: espartilhos e chicotes. Poucos se importariam no sofrimento corporal e, uma conclusão é pacífica, seriam apontados nas ruas como estudiosos, leitores ou pesquisadores pelas marcas expostas.
Os adultos – formados ou em formação – procurassem sugestões de acordo com seus interesses pragmáticos, entretanto os integrantes da melhor idade mereceriam ambiente peculiar. Pensei muito nas opções de cadeiras de balanço, de recantos silenciosos regados a músicas clássicas, especialmente aquelas vinculadas à venda de botijões de gás, de ambientes angelicais. Um senhor – senhor? Claro que não! Um espirituoso, ele me corrigiria – de oitenta e três anos perguntou-me se gostaria de criar ambiente aprazível ou cemitério. Boquiaberto, arregalei os olhos sem dizer palavra.
Segundo esse leitor, a idéia perfeita de biblioteca para a melhor idade consistiria num amplo espaço de baile, churrascos, músicas dançantes, dezenas de espécies de bebidas – das mais fracas a que derrubariam o degustador com apenas um dedo do líquido fatal – oportunidades fáceis de quatro horas diárias de trabalho para os interessados e, sem dúvida, viagens mensais aos lugares mais desejados. Leriam Neruda para embarcar a Santiago; Borges, Arlt e Cortázar, Buenos Aires; Carlos Fuentes, México; José Lins do Rego, Rinaldo de Fernandes ou José Américo de Almeida, Paraíba; Caio Fernando Abreu, João Gilberto Noll ou Valesca de Assis, Rio Grande do Sul; Jorge Amado ou Castro Alves, Bahia. Deonísio da Silva ou Edla Van Steen, Santa Catarina. Precisaria enumerar os escritores que nasceram ou se fixaram no Rio de Janeiro?
Leitores iniciantes, profissionais ou em potencial? Temos aos milhões. Precisamos nos dedicar a montar bibliotecas para acomodá-los.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 4 de novembro de 2011.
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