sábado, 26 de novembro de 2011

SONHOS E ILUSÕES

Pelo menos uma vez na vida ouviremos ou falaremos sobre sonhos e ilusões. Alguém menospreza o interesse pela Literatura e nos alerta: - Por que você não para de sonhar e vai procurar alguma coisa mais séria como advogar, fazer imposto de renda, negociar na bolsa de valores ou no mercado de imóveis? Vez por outra, alertamos que não se precisa de tanto dinheiro para viver e que, já que se tem dinheiro de sobra, por que não viajar o mundo, trocar experiências, amadurecer idéias, planejar sonhos?


Sonhos são sempre bem-vindos em todos os lugares, em todas as situações, em todas as idades. O menino sem dinheiro que gostaria de uma bola de futebol é um sonhador. O pai que deseja que os filhos ganhem excelentes salários é um sonhador. O jovem que acredita na justiça é um sonhador. A namorada que defende a fidelidade do namorado é uma sonhadora. Sonhadores também são os que vislumbram as mensagens que tremeluzem na rotina, os que desejam a transformação social, os que acreditam na salvação do mundo ou os que mantêm a fé na libertação do homem.


Os sonhos são sempre bons. As ilusões são os percalços dos sonhos. O sonho impulsiona a vida; a ilusão nos joga ao ridículo. O sonho fortalece a maturidade; a ilusão facilita o desequilíbrio. O sonho constrói caminhos diferentes, desconhecidos, mas seguros; a ilusão apresenta uma estrada pavimentada e, ao mesmo tempo, repleta de segredos que podem nos custar a vida.


Concluir a graduação de filosofia é um sonho. Imaginar-se um pensador indispensável é ilusão. Formar-se médico é um sonho – sonho de boa parte das pessoas que não gostam de estudar e se preocupam mais com status e oníricos benefícios financeiros do que com a saúde alheia. Autodenominar-se cientista é uma ilusão. Entrar numa sala de aula na condição de professor é um sonho; atribuir-se a qualidade de Educador sem nenhum esforço teórico ou prático é uma ilusão.


Precisamos manter intermitente a possibilidade de sonhar. Jamais poderemos barrar os sonhos, por mais mirabolantes e incríveis, mas necessitamos impedir que os sonhos se convertam em ilusão. Se o sonho se disfarça em ilusão, assumimos a falta de maturidade, de perspectivas e de capacidade de enfrentar desafios.


O casamento duradouro é um sonho – que atinge os devaneios de quem se aventura no convívio a dois – mas achar que se tem um poder especial de dar um jeitinho para evitar a deterioração dos laços é uma ilusão. O sonho é forte se preparadas estratégias que vão minimizar os impactos inevitáveis. A freqüência e a qualidade sexual diminuem depois do quinto ano. Acreditar que, com você, unicamente com você, a relação será diferente é uma ilusão; apostar suas fichas no amor, na ternura e no diálogo, criando e reforçando os sentimentos de cooperação é um sonho.


O tratamento com os filhos também pode desembocar em sonhos e ilusões. Desejar um filho saudável, culto e feliz é um sonho. Acreditar que atravessaremos pacificamente a adolescência – sem violência, sem gritos, sem frustrações, sem alterações nos nervos, sem choros, sem contrariedades – é uma ilusão. O sonho consiste no domínio das rajadas que virão contra nós. Perseverar, esperar, acreditar, fomentar a paciência e adquirir conhecimentos para essa nova situação é sonho. Tratar os filhos de onze ou treze anos – que ensaiam os primeiros passos na seara adulta – da mesma maneira de quando tinham seis ou oito anos é ilusão.


Os sonhos permitiram a descoberta da vacina contra a gripe, incentivaram as pesquisas contra a tuberculose e a pneumonia e, um dia, talvez em breve, permitirão que milhões livrem-se da Aids e do câncer. Os sonhos permitiram a um gago, feio e sem curso superior ocupar o lugar de maior escritor brasileiro de todos os tempos. Os sonhos, só em sonhos, um alemãozinho surdo e medonho ganharia lugar de destaque na história da música clássica universal.


Sonhos e ilusões, ilusões e sonhos. Sonhamos com beijos apaixonados, o resgate de sentimentos, a compreensão dos pais ou a compaixão dos filhos, a tranqüilidade da aposentadoria ou o reconhecimento profissional. Sonhamos com um dia de sol nas férias, chocolates nos intervalos das refeições, Coca-Cola gelada esperando depois do treino, dinheiro na conta. Sonhamos com o estado imutável de felicidade, a viagem no fim de ano, um olhar de desejo. Nos iludimos com tantas coisas. Com que você se ilude?

*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 25 de novembro de 2011.

sábado, 19 de novembro de 2011

NÃO É BOM EU EXISTIR?

Três anos atrás larguei as experiências culinárias para me dedicar às atividades menos nobres: escrever, ler, dormir, arrumar livros, fazer caminhadas. Até que, no último fim de semana, procurei revistas de frangos e de arroz que eu comprava a preços módicos em bancas de jornal.


As receitas pareciam muito fáceis. Escolhi três tipos de arroz de forno dos quais elegi dois: um para o sábado, outro para o domingo. Minha namorada questionou-me: por que, depois de tanto tempo, voltara a cozinhar? Amaciava o terreno para notícias bombásticas? Minha filha Natália escarneceu a iniciativa, mas, no dia seguinte, por volta das dez e meia, azucrinou-me até desligar o computador. Já preparara metade dos ingredientes quando entrei na cozinha: desfiara o frango, cortara as azeitonas obviamente excluindo os caroços, picara os tomates, ralara o queijo, separara a noz moscada.


Derretíamos a manteiga e acrescentávamos alguns produtos na elaboração do molho:


- Não é bom eu existir? Se eu não existisse, você teria de picar, lavar a louça, desfiar o frango.


Disse-lhe que era sempre bom ela existir. Nunca quis ter filhos – Natália, minha filha de onze anos, sabe que não sou seu pai biológico – entretanto tive a sorte de encontrar uma filha perfeita que é Natália. Perfeita? É a versão feminina do tempo verbal: mais do que perfeita!


Perfeita porque assistimos juntos aos filmes de terror, de suspense, de desenhos, de comédia e de romances. Perfeita porque dá trabalho à sua mãe que, nos momentos de nervosismo enfrentados no diálogo com a adolescente, chora, se desespera, entretanto sente-se indiscutivelmente feliz de tê-la alojado por nove meses. Perfeita porque aprendeu a mentir tão bem quanto eu: nem completou doze anos e enrola a avó materna com histórias mirabolantes. Perfeita por perdoar minhas irritações quando, por motivos estúpidos, explodo em iras, berros e pressas, especialmente nas viagens. Perfeita porque sai na cacetada comigo para disputar o controle remoto: eu, querendo assistir ao “Pânico na TV”; ela, “Silvio Santos”.


Quando sua mãe faz brigadeiros, precisa dividir a bandeja em partes iguais: metade minha, metade dela. E, até nisso, é perfeita: mesmo me enfrentando para que eu não a roube, abre mão de sua quantidade. Também é perfeita porque faz companhia à minha mãe nas viagens a São Paulo, João Pessoa ou Vitória. Perfeita, ainda não sabe responder à minha pergunta: “Por que te amo tanto?” Talvez, no dia em que souber me responder, deixe de ser perfeita, pois terá se transformado numa mulher. Adulta, descobrirá o mundo dos conceitos, dos preconceitos, dos esquecimentos e das lembranças. Daí para frente, nem brigadeiros, nem confrontos pelo controle da televisão, nem filmes, nem viagens criarão mágicas. As mágicas criadas devem ser criadas agora! As amizades estabelecidas precisam ser fortalecidas agora! As cumplicidades sonhadas precisam de compartilhamento agora!


Amizades e cumplicidades são conceitos aterrorizantes. Lembro-me de sua mãe confidenciando a paixão por um pirralho da escola. Fiz o discurso de padrasto moderno. À hora de dormir, revirei-me na cama a noite inteira angustiado por saber que minha filha está se apaixonando. Nietzsche propaga a idéia do eterno retorno. Ressalta que se o universo tivesse alguma finalidade, essa finalidade já teria sido alcançada. Ele não está errado. Outros pais, mesmo considerados modernos, certamente descabelam-se pensando nesses últimos momentos que ficam guardados nas lembranças, na memória, no coração.


Não sei se continuaremos pai e filha por muitos anos. Ela pode escolher outro pai e concluir que é muito melhor do que eu. Outro pai certamente possuirá qualidades ilimitadas, paciência e responsabilidades, virtudes que não tenho. Uma coisa é certa: décadas podem transcorrer, ela pode escolher outro pai ou morarmos em lugares distantes. Aconteça o que acontecer, lembre-se que estarei diariamente recitando Shakespeare, reforçando que barreiras de pedra não podem deter o amor.


Se é bom você existir? Não é bom! É formidável, fascinante e único. Talvez Deus quisesse mostrar-me o lado divino da criação. Ele escreveu em seu bloco de notas: você vai ser pai de Natália, mesmo que por pouco tempo.

*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 18 de novembro de 2011.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

ESCRITOR LANÇA LIVRO EM ASSIS (SP)

O Educador e Escritor Márcio Alexandre da Silva lançará a novela “Pode morrer de tanto amor?” na sexta-feira, 25 de novembro, a partir das 20h, no salão paroquial da Igreja Nossa Senhora de Fátima.
A obra, que marca a estréia do autor no mundo literário, aborda as nuances de felicidade, as angústias provocadas pelo amor e o redimensionamento da esperança.
Marcio Alexandre da Silva, que é professor de filosofia da rede estadual de ensino de São Paulo e palestrante, tem vasta e intensa colaboração nos principais veículos de comunicação de Assis, Presidente Prudente, Bauru, Marília e Ourinhos, destacando-se por suas críticas e reflexões filosóficas sobre as atividades cotidianas.
Além de performances artísticas, o evento contará com a participação do crítico literário vicentônio silva que explanará brevemente sobre os temas pontuais da obra. Exemplares do livro serão comercializados no local.

O QUÊ?
Lançamento do livro “Pode morrer de tanto amor?”
Autor: Márcio Alexandre da Silva

ONDE?
Salão Paroquial da Igreja Nossa Senhora de Fátima
Rua Nivaldo Neres Gusmão – 96
Vila Prudenciana
Assis/SP.


Quando?
Sexta-feira – 25 de novembro

HORÁRIO
20 horas

ENTRADA FRANCA

Laerte Gomes
Assessor de Imprensa
laertegomes05@bol.com.br

sábado, 12 de novembro de 2011

ALIANÇA DE COMPROMISSO


Entrei apressadamente no correio para despachar alguns documentos a serem enviados antes das dezesseis horas. Segundo o grande aviso afixado, dezesseis horas o limite para entrega de correspondências que subiriam no caminhão naquele dia. A funcionária indagou se as mandaria de forma simples, registrada ou por sedex. Se possível, incluiria a correspondência na categoria de cartas sociais – aquela espécie de carta para a qual desembolsamos um centavo na sua viagem país afora. Continuou verificando as taxas no computador. Meus olhos pousaram sobre as mãos pequenas e, na direita, aliança de prata quase embaçada simbolizava o compromisso.


O sistema ainda lento e a falta de proximidade com a funcionária levaram-me ao silêncio, mas em minhas fabulações reconstruía a cena dos argumentos para o uso da aliança de compromisso. A aliança de compromisso tem duas finalidades práticas: medo e propriedade. Quando a mulher possui charme natural ou artificial, elegância peculiar ou dotes pessoais capazes de inspirar poetas de porta de bar, o namorado, com medo de sua desvantagem, lasca-lhe uma aliança para que os outros interessados eventualmente recuem em suas ofensivas. Nem sempre o resultado é garantido. Antes se iludir do que perder o sono. Já a segunda alternativa acontece quando o homem, desejando demonstrar sua força de macho e de mandatário, mete uma aliança de prata na namorada a fim de demarcar belicamente sua “propriedade”.


Em muitos casos, as mulheres são convencidas a aceitarem as alianças como símbolo de propriedade do namorado e, nem por isso, nem pela informação de que integram os domínios de posse de alguém, se acham injustiçadas ou se revoltam. Na declaração de imposto de renda, o namorado especifica os bens adquiridos no ano anterior: uma casa, uma moto, uma bicicleta, uma esteira, uma adega de leilão de produtos apreendidos pela Polícia Federal e vendidos legalmente para beneficiar instituições de caridade, cinco vacas, doze éguas e uma namorada, sendo esta última o bem mais barato, mais prático de manter e mais fácil de substituir.


A resposta da namorada a um elogio é a melhor maneira de constatar se a aliança repousa no dedo por questões de medo ou de propriedade. Se eventualmente reconhecer o cheiro suave da mulher numa tarde quente, adorar suas roupas ou informá-la de que de sua franja emanam eflúvios eróticos, preste atenção na resposta. Se ela disser que “meu namorado também acha”, não tenha dúvida, você está diante da propriedade de alguém. Cuide-se! Na primeira oportunidade, tomando conhecimento de sua ação, o “dono” pode reclamar na justiça não apenas direitos sobre as vacas, as éguas ou as galinhas, mas igualmente da “namorada”.


Algumas namoradas são mais espertas. Conheço três mulheres perspicazes que, até hoje, manipulam parceiros com tamanha perícia que os respectivos patetas defendem as idéias delas, como se fossem deles, com unhas e dentes. O detalhe mais interessante talvez seja a infidelidade. Enquanto os três patetas defendem com unhas e dentes as namoradas, propagando idéias delas como se fossem suas, elas simplesmente flanam, dançam e se envolvem com exemplares masculinos muito mais interessantes.


-Vinte e três reais e noventa centavos.


Despertei de meu devaneio, puxei cinco cédulas de cinco reais da carteira, frisei bem as faces da atendente sem definir se ela se enquadrava no domínio dos namorados “medrosos” ou no dos “proprietários”. Os trejeitos tão desencontrados denunciavam que a aliança de compromisso escondia os desejos de mulher mal amada, descartada sistematicamente pelo parceiro.


Olhares mais apurados denunciam as insatisfações: se você – que é mulher, mas não se sente uma – foi trocada pelo jogo de futebol na televisão ou com os amigos, pelo churrasco ou pela cerveja no bar, a demonstração entre a inteligência e a estupidez está na sua reação.


O compromisso entre duas pessoas não se estabelece em alianças, documentos de casamento ou atestados de união estável. O compromisso entre duas pessoas acontece de várias formas. Já descobriu uma delas?


*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 11 de novembro de 2011.

sábado, 5 de novembro de 2011

PORTAS ABERTAS

Passei alguns dias em Ouro Preto (MG) e, na ida e vinda das ruas, das pessoas e dos horários, essa casa me chamou a atenção:






Fica próxima de uma das igrejas mais visitadas da antiga capital mineira. Não é nem grande, nem imponente, nem vale rios de dinheiro, nem abrigou grandes homens da história brasileira em busca da Literatura perfeita ou da independência do país.


Durante a caminhada da manhã de domingo em que os céus exalavam os perfumes de nuvens carregadas de tempestades atrás das montanhas de ferro, a casa, janelas escancaradas e porta entreaberta, sussurrava:


- O que você está esperando para ser feliz? A porta já não está aberta?


Algumas vezes, ignoramos as coisas/casas aparentemente sem valor e não nos damos conta de que a porta já estava aberta, mas esquecemos de entrar.


Bom fim de semana.

BIBLIOTECAS

A ida à biblioteca pública – ou, quem sabe, com muita sorte, privada? – deveria se tornar evento simpático, distante da solenidade que exterioriza o tédio, a aversão e o descontentamento. Na falta de bibliotecárias competentes e graduadas em boas instituições de ensino superior, jogam entre os amontoados de livros pessoas de todas as qualidades, mas duas espécies se sobressaem: as mal-amadas e as que detestam ler.

Cada biblioteca deveria se dividir em quatro ou cinco espaços destinados aos leitores específicos. Por exemplo, na biblioteca das crianças, grade de atividades, de festejos, de músicas, de vídeos, de brincadeiras e de brinquedos. Mesa repleta de doces, refrigerantes e salgadinhos. Frutas, legumes, verduras, sucos e assemelhados naturais seriam obrigação dos pais que, além do trabalho de desentupir os pimpolhos dessas bobagens, se incumbiriam de enchê-los de computador ou televisão, fomentando a vida sedentária. Afixaria placa bem colorida à porta com a seguinte informação em letras grandes: ENTRE SEM FAZER SILÊNCIO! Poderíamos entrar gritando, batendo palmas, pulando, tocando instrumentos, sambando nas mesas, afastando cadeiras...

Os adolescentes e jovens compartilhariam o mesmo espaço. Adolescentes gostam de conviver no ambiente dos que consideram uma meta a se atingir e os jovens, especialmente os imaturos, sempre gostam de servir de modelo para alguém, contando experiências ou inventando situações que demonstrem ou comprovem sua superioridade. Para eles, ambiente com música, dezenas de filmes, de revistas de moda, de fofoca e de interesses específicos como viagens, depoimentos de vitoriosos que enriqueceram da noite para o dia desenvolvendo jogos de informática, de maneira de melhorar a atividade sexual ou de conquistar com mais eficácia, mais economia e mais rapidez. Uma mesa de jogos de salão poderia ser instalada justamente no meio do prédio de modo que, numa folheada entre um Moacyr Scliar e um Marquês de Sade, possam aproveitar o tempo acertando a bola no gol adversário, manipulando cansativamente os homenzinhos quase imóveis, divididos em dois grupos de cores opostas.

Os universitários formam grupo especial entre os jovens. Uma biblioteca se constituiria para facilitar a vida desse agrupamento de estudantes que se consideram superiores. Para eles, seguindo a sugestão de um discente de matemática que confessou a fuga da biblioteca por não encontrar nada de interessante lá, as atendentes precisariam trajar-se inspiradoramente: espartilhos e chicotes. Poucos se importariam no sofrimento corporal e, uma conclusão é pacífica, seriam apontados nas ruas como estudiosos, leitores ou pesquisadores pelas marcas expostas.

Os adultos – formados ou em formação – procurassem sugestões de acordo com seus interesses pragmáticos, entretanto os integrantes da melhor idade mereceriam ambiente peculiar. Pensei muito nas opções de cadeiras de balanço, de recantos silenciosos regados a músicas clássicas, especialmente aquelas vinculadas à venda de botijões de gás, de ambientes angelicais. Um senhor – senhor? Claro que não! Um espirituoso, ele me corrigiria – de oitenta e três anos perguntou-me se gostaria de criar ambiente aprazível ou cemitério. Boquiaberto, arregalei os olhos sem dizer palavra.

Segundo esse leitor, a idéia perfeita de biblioteca para a melhor idade consistiria num amplo espaço de baile, churrascos, músicas dançantes, dezenas de espécies de bebidas – das mais fracas a que derrubariam o  degustador com apenas um dedo do líquido fatal – oportunidades fáceis de quatro horas diárias de trabalho para os interessados e, sem dúvida, viagens mensais aos lugares mais desejados. Leriam Neruda para embarcar a Santiago; Borges, Arlt e Cortázar, Buenos Aires; Carlos Fuentes, México; José Lins do Rego, Rinaldo de Fernandes ou José Américo de Almeida, Paraíba; Caio Fernando Abreu, João Gilberto Noll ou Valesca de Assis, Rio Grande do Sul; Jorge Amado ou Castro Alves, Bahia. Deonísio da Silva ou Edla Van Steen, Santa Catarina. Precisaria enumerar os escritores que nasceram ou se fixaram no Rio de Janeiro?

Leitores iniciantes, profissionais ou em potencial? Temos aos milhões. Precisamos nos dedicar a montar bibliotecas para acomodá-los.


*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 4 de novembro de 2011.