Pelo menos uma vez na vida ouviremos ou falaremos sobre sonhos e ilusões. Alguém menospreza o interesse pela Literatura e nos alerta: - Por que você não para de sonhar e vai procurar alguma coisa mais séria como advogar, fazer imposto de renda, negociar na bolsa de valores ou no mercado de imóveis? Vez por outra, alertamos que não se precisa de tanto dinheiro para viver e que, já que se tem dinheiro de sobra, por que não viajar o mundo, trocar experiências, amadurecer idéias, planejar sonhos?
Sonhos são sempre bem-vindos em todos os lugares, em todas as situações, em todas as idades. O menino sem dinheiro que gostaria de uma bola de futebol é um sonhador. O pai que deseja que os filhos ganhem excelentes salários é um sonhador. O jovem que acredita na justiça é um sonhador. A namorada que defende a fidelidade do namorado é uma sonhadora. Sonhadores também são os que vislumbram as mensagens que tremeluzem na rotina, os que desejam a transformação social, os que acreditam na salvação do mundo ou os que mantêm a fé na libertação do homem.
Os sonhos são sempre bons. As ilusões são os percalços dos sonhos. O sonho impulsiona a vida; a ilusão nos joga ao ridículo. O sonho fortalece a maturidade; a ilusão facilita o desequilíbrio. O sonho constrói caminhos diferentes, desconhecidos, mas seguros; a ilusão apresenta uma estrada pavimentada e, ao mesmo tempo, repleta de segredos que podem nos custar a vida.
Concluir a graduação de filosofia é um sonho. Imaginar-se um pensador indispensável é ilusão. Formar-se médico é um sonho – sonho de boa parte das pessoas que não gostam de estudar e se preocupam mais com status e oníricos benefícios financeiros do que com a saúde alheia. Autodenominar-se cientista é uma ilusão. Entrar numa sala de aula na condição de professor é um sonho; atribuir-se a qualidade de Educador sem nenhum esforço teórico ou prático é uma ilusão.
Precisamos manter intermitente a possibilidade de sonhar. Jamais poderemos barrar os sonhos, por mais mirabolantes e incríveis, mas necessitamos impedir que os sonhos se convertam em ilusão. Se o sonho se disfarça em ilusão, assumimos a falta de maturidade, de perspectivas e de capacidade de enfrentar desafios.
O casamento duradouro é um sonho – que atinge os devaneios de quem se aventura no convívio a dois – mas achar que se tem um poder especial de dar um jeitinho para evitar a deterioração dos laços é uma ilusão. O sonho é forte se preparadas estratégias que vão minimizar os impactos inevitáveis. A freqüência e a qualidade sexual diminuem depois do quinto ano. Acreditar que, com você, unicamente com você, a relação será diferente é uma ilusão; apostar suas fichas no amor, na ternura e no diálogo, criando e reforçando os sentimentos de cooperação é um sonho.
O tratamento com os filhos também pode desembocar em sonhos e ilusões. Desejar um filho saudável, culto e feliz é um sonho. Acreditar que atravessaremos pacificamente a adolescência – sem violência, sem gritos, sem frustrações, sem alterações nos nervos, sem choros, sem contrariedades – é uma ilusão. O sonho consiste no domínio das rajadas que virão contra nós. Perseverar, esperar, acreditar, fomentar a paciência e adquirir conhecimentos para essa nova situação é sonho. Tratar os filhos de onze ou treze anos – que ensaiam os primeiros passos na seara adulta – da mesma maneira de quando tinham seis ou oito anos é ilusão.
Os sonhos permitiram a descoberta da vacina contra a gripe, incentivaram as pesquisas contra a tuberculose e a pneumonia e, um dia, talvez em breve, permitirão que milhões livrem-se da Aids e do câncer. Os sonhos permitiram a um gago, feio e sem curso superior ocupar o lugar de maior escritor brasileiro de todos os tempos. Os sonhos, só em sonhos, um alemãozinho surdo e medonho ganharia lugar de destaque na história da música clássica universal.
Sonhos e ilusões, ilusões e sonhos. Sonhamos com beijos apaixonados, o resgate de sentimentos, a compreensão dos pais ou a compaixão dos filhos, a tranqüilidade da aposentadoria ou o reconhecimento profissional. Sonhamos com um dia de sol nas férias, chocolates nos intervalos das refeições, Coca-Cola gelada esperando depois do treino, dinheiro na conta. Sonhamos com o estado imutável de felicidade, a viagem no fim de ano, um olhar de desejo. Nos iludimos com tantas coisas. Com que você se ilude?
*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 25 de novembro de 2011.