Fernando Pessoa escreveu que todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor senão fossem ridículas. Quem se atém à superficialidade do primeiro verso acredita que a mensagem encerra-se nesse argumento: cartas de amor são ridículas. O escritor inteligente entra com metade dos esforços na criação literária posteriormente completada por cada leitor que relembrará as declarações mandadas ou recebidas e sentenciará: as cartas de amor são ridículas.
O poeta não desqualifica as cartas de amor ou o sentimento expresso nelas, mas denuncia o leitor ridículo que, com o tempo, as experiências e as frustrações, abandona as perspectivas amorosas para se meter num universo seco, racional, monocromático. As cartas de amor não são ridículas. Ridículas são as pessoas que lêem as cartas de amor.
Se perguntarmos às mulheres o que acham do homem que, parando-as à fila do banco, do correio ou do supermercado, confessa que as considera as mais elegantes, as mais charmosas e as mais lindas das últimas semanas, a maioria dessas mulheres – independente de 18, 30, 45 ou 63 anos – vai se sentir lisonjeada, enaltecida, revigorada, contente por despertar a atenção do desconhecido.
Quantos homens cavalheirescamente pararam você nos últimos dias à fila da farmácia ou do posto de combustíveis para confessar a admiração pela beleza, elegância ou charme? Quantos disseram que o conjunto de roupas – nunca confunda roupas caras com roupas de bom gosto – elevava você à mais elegante do ambiente? Quantos elogiaram o cabelo e o perfume discreto que dão o tom da melodia? Poucos são os homens “ridículos” que reconhecem conjunto estético que extasia inexoravelmente.
Qualquer mulher, de qualquer idade, de qualquer religião ou de qualquer condição sócio-econômica se sentirá deslumbrada ao receber elogios. São ridículas essas mulheres? Ridículos são os homens que se esqueceram de admirar o belo e se concentraram exclusivamente no comestível. Ridículos são os que deixam de comprar flores para adquirir panelas, batedeiras ou ferros de passar. Ridículos são os que se envergonham de recusar o futebol, a cerveja com os amigos, a conversa fora de hora que atravessa a noite ou o churrasco de fim de semana inteiro, entretanto não refletem ao abandonar as namoradas em casa. Ridículos são os que compram carros para desfilarem nas avenidas e encherem os olhos alheios, mas se esquecem do sorvete da filha, do cachorro-quente do filho, do caderno, da caneta ou do livro da esposa que estuda à noite.
Tive um amigo – mais ou menos metro e setenta, oitenta quilos, calvo, barrigudo – que recebia a visita de uma ex-namorada de tempos em tempos. Ela, a ex-namorada, casara três vezes, namorara uns dez rapazes. Perguntei se ela vinha pegar dinheiro. Ele respondeu-me que o patrimônio dela resultava vinte vezes o que ele tinha. O que ela via nele? Meu amigo não era ator de cinema, modelo de desejo ou símbolo erótico. Durante o almoço, perguntei para a ex-namorada. Numa frase resumida: “São os únicos braços nos quais me sinto completamente mulher”.
Relendo esses versos que poucos têm a felicidade de compreender, o poeta deseja nos fazer enxergar que ridículas são as pessoas que deixaram de sonhar, de amar, de desejar e, ao presenciarem cenas, atitudes ou cartas de amor, transferem às cenas, atitudes e cartas de amor a frustração de perderem o carinho, a ternura e o amor. As pessoas sem sonhos e amargas consideram as atitudes alheias quase sempre ridículas, mas não se dão conta de que elas é que são ridículas. As cartas de amor – assim como os elogios às mulheres ou o reconhecimento aos homens – jamais mudam. Somos nós que mudamos e perdemos as capacidades de amar e, quando perdemos essas capacidades, respaldamos amargamente que somos pessoas ridículas. Ridículas são as que, lendo as cartas de amor, acham ridículas as formas e os conteúdos dessas missivas. Afinal, pessoas mal amadas nunca se definem ridículas, mas sérias, céticas e impassíveis. Espero que você, que eventualmente me leu, me ache ridículo e se ache ridículo. Do contrário, seremos mais duas dos milhares de pessoas mal-amadas que julgam os outros ridículos.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 28 de outubro de 2011.