sábado, 12 de fevereiro de 2011

BORDA DA MATA

Um amigo mudou-se para Minas Gerais. Meses depois, reapareceu para cuidar da saúde dos olhos e, aproveitando o passeio, comprou um veículo. Precisava andar quase mil quilômetros para isso?



Por volta das três e meia um caminhão parou em frente da casa da avó dele. O motorista pediu ajuda. Imaginei que não se tratasse nem de carro – porque não caberia no caminhão – nem de bicicleta – porque não precisaria de mais de um homem para desembarcá-la. Quando colocamos o embrulho no chão e retiramos o papel, uma charrete – pintada de azul, branco e amarelo, dois assentos e fitas coloridas – se exibiu majestosa.



Para que uma charrete? Planejava abrir uma distribuidora de leite? Gastaria uma boa soma de dinheiro para transportá-la a Minas Gerais? Sonhava em trabalhar em alguma chácara, sítio ou fazenda?



- Vou atrás de mulher.



Gargalhei até as lágrimas surgirem. Já soubera de notícias de amigos que compraram automóveis para conquistar garotas. Os menos favorecidos adquiriam motos. Um caso de um colega de terceiro ano de ensino médio assaltou-me a lembrança: o único que convencera uma vizinha a tomar sorvete montada no cano da bicicleta. Mas, charrete?



- Charrete é o mais cobiçado transporte em Borda da Mata aos fins de semana.



Apesar da seriedade da voz, minha credulidade teimava em aceitar o fato. Desde quando uma charrete provocaria o interesse de mulheres? Busquei uma garrafa de Coca-Cola de dois litros e meio. Um novo caminhão parou. O ajudante do motorista abriu o baú, descarregou duas caixas potentes de som, pediu a assinatura em três vias, entregou uma e arremessou-se na boléia, perguntando do trajeto para a cidade vizinha.



Meu amigo, que é engenheiro têxtil, mas possui grande habilidade na manutenção elétrica, apareceu carregando uma pequena maleta de ferramentas de onde sacou chaves de fenda, alicates e martelo. Em pouco mais de vinte minutos, as caixas estavam afixadas. Fazendo voz de locutor, gritei:



- Pamonha! Pamonha de Piracicaba! Pamonha!



- Você ainda vai pedir para dar uma volta na minha charrete. E, por mais que você peça, não vou te deixar subir nela!



- Se eu subir na charrete, você pode me internar. Ou melhor, disse-lhe gravemente, se eu subir na charrete, eu te pago cem reais. Mas, se eu não subir, você me paga cem reais.



Apertamos as mãos, selamos o acordo. Cinco dias depois chegávamos à mineira, simpática e aconchegante Borda da Mata. Ao fim da tarde de sábado, meu amigo indicou o ponto de encontro das charretes. Escolhi uma mesa de bar em volta da praça central. Olhei o relógio algumas vezes. O dono do boteco me perguntou se esperava alguém. Estava curioso sobre o procedimento de flertes. Comentei a aquisição incomum de um conhecido que morava na cidade.



- Tenha calma, moço. Aqui, somos um povo ordeiro. Os meninos começam o passeio depois da missa.



O fim da missa coincidiu com o volume dos sons dos veículos arrastados por cavalos bem cuidados e acostumados às algazarras da noite. Vinte minutos depois, meu amigo surgiu. Uma morena de cabelos lisos jogou-se em seus braços. Mais a frente, outra ao pé do ouvido, alguns beijos. Antes de chegar ao bar onde comia petiscos, oito mulheres tinham passado pelo assento do carona.



Fiquei o resto da noite olhando impassível a movimentação das rodas puxadas por cavalos de todas as raças, todas as cores, todos os tamanhos e todas as tendências de beleza aristocrática ou plebéia. Alguns proprietários seguiam o espírito dos pobres animais, enchendo mais o peito ou desviando os olhares quando dos enfrentamentos em busca das garotas que, ora empolgadas, ora irresistíveis, ostentavam a vontade de desfilar sentadas permanentemente num daqueles carros alegóricos.



A claridade antecipou o Sol. Meu amigo ofereceu carona. Recusei. Cobrei-lhe os cem reais. Não tinha ganhado a aposta? Não tinha ficado sem passear na sua charrete? Cem reais são sempre cem reais! Peguei o dinheiro satisfeito, meti-o no bolso direito, acelerei o passo e, quando entrei no quarto para dormir, meus pensamentos flutuavam e uma preocupação assaltava-me: onde compraria uma charrete mais colorida e caixas de som mais potentes?





*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 11 de fevereiro de 2011.

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