sábado, 27 de novembro de 2010

CONTOS DO JAPIM

Logo na orelha, o autor nos oferece a explicação de “Contos do Japim”, apontando a escolha do título em homenagem ao pássaro, preto com detalhes amarelados, que imita outras aves. O japim – transposto comparativamente à dupla qualidade de autor e de narrador – oferece o mapeamento de suas influências literárias, destacando o amálgama entre estilos diferentes que se complementam, seguem a mesma tradição ou antagonizam.



“Contos do Japim” aborda temas como morte, status, movimento e permanência, polissemia dos objetos sociais.



Uma dessas primeiras constatações transcorre em “O crime de batina”, cujo enredo – sobre a morte de um padre promíscuo que mantinha relações sexuais com travestis e prostituas – concentra-se em temas como a busca da felicidade e do hedonismo, transitando pelo desespero humano. O padre confunde felicidade e hedonismo. O desejo intricado o faz praticar o hedonismo na sua acepção mais ampla, manter sentimentos amorosos e integrar classificados eróticos. No entanto, a ausência de discernimento compromete a percepção na medida em que, na prática hedonista, distancia-se do conceito epicurista de felicidade.



O crime do título inicialmente nos remete ao assassinato do padre. Contudo, o trabalho de dois policiais – um investigador mais novo e um investigador mais velho – junta as peças de um desenho esboçado em informações esparsas e alinha pistas enigmáticas de fé, religião, luxúria, dúvidas, arrependimentos e remorsos: o padre assassinara a prostituta com quem mantinha uma espécie de fidelidade sexual e a quem engravidara. O motivo da morte não se resume à gravidez, mas à descoberta da infecção de Aids, provavelmente transmitida ao embrião. Embora ambos os policiais dediquem-se ao caso, a resposta ao mistério surge da persistência intelectual do investigador mais novo que, num trabalho pouco dedutivo e mais voltado à sorte, observada nos sonhos que esclarecem pontos controversos do diário do clérigo, espelha as artimanhas de Maigret, famoso detetive de Georges Simenon.



“Trilogia” exige mais habilidade do leitor: intertextualidade e contextualização são imprescindíveis. O enredo aflui para três personagens, homens dispersos em tempos diferentes, mas reunidos pela busca de esclarecimento de uma dicotomia: Coliseu e Cristianismo. Jogado à arena do Coliseu como condenação ao fato de se declarar cristão e de se opor à abjuração religiosa, Benedict, o primeiro personagem, reconhece, durante o entrevero a caminho da morte, um senador que resgatou sua família anos antes e dele recebe instruções sobre um artifício para escapar da fera devoradora de homens. Quando se encontra frente a frente com o verdugo, ajoelha-se e reza.



Se Benedict vive diretamente a ação, José, o segundo personagem, combatente da Segunda Guerra Mundial, registra as impressões do conflito em uma espécie de diário, encontrado tempos depois. O interessante na relação desses dois personagens – separados por mais de mil anos – reside na ambiência tanto da antiguidade quanto da contemporaneidade: beligerância, medo, imediatismo. José relembra parte das cenas protagonizadas por Benedict deixando nas entrelinhas uma probabilidade de ser o próprio Benedict. Por fim, o jornalista Heitor viaja para entrevistar uma professora brasileira que leciona na Itália, espaço onde transcorrem os enredos, obviamente em tempos diferentes. Heitor gosta de Literatura e encanta-se com o quadro de dois cristãos, fugitivos do Coliseu.



A intertextualidade e a contextualização, mencionadas anteriormente, são indispensáveis para compreender “Trilogia”, uma elaborada produção que dialoga com o sonhador José, personagem bíblico, vendido pelos irmãos, admirado pelo Faraó e profeta das sete grandes pragas do Egito. A ação de Benedict, o sonho de José (que, como o personagem bíblico, se sobressai pelo dom onírico) e a rememoração de Heitor precisam da contextualização do receptor como, cabe acrescentar, praticou Moacyr Scliar em mais de um de seus trabalhos.



Além de “O crime de batina” e “Trilogia”, “Contos do Japim” agrupa mais seis textos que, em razão do curto espaço, podem e devem ser analisados pelos leitores. Os próximos trabalhos de Ramon Barbosa Franco serão acompanhados em tentativas de se estabelecer alguns parâmetros Literários, consolidações e mudanças ou manutenções estilísticas.



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Contos do Japim

Ramon Barbosa Franco – Carlini e Caniato Editorial – 88 p. – R$ 23,90







*Publicado originalmente na coluna Ficções, no caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 26 de novembro de 2010.

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