Jogava conversa fora com o matemático Roberto Cavali. Disse que julgava uma perda de vida o tempo que gastei estudando matemática no ensino médio e no ensino fundamental. Acrescentei que não apenas a matemática, mas também a química, a física, a biologia, a educação artística e a educação física pareciam matérias irrelevantes no contexto a que me dediquei e, para alfinetar um pouco mais, ressaltei que ganharia mais se tivesse me concentrado apenas em História, Literatura, Filosofia e Sociologia.
Roberto Cavali discordou veementemente, enumerando dezenas de exemplos em que a matemática se mostrava importante. Divergi mais uma vez, ele defendeu a donzela como pode e, quando vimos, estávamos cara a cara, cada um segurando uma cadeira. Preparávamos para entrar em batalha corporal quando alguns professores, nos afastando e alegando a irrelevância do debate, nos separaram.
Obviamente saí da discussão consciente de que meus argumentos ganharam. Boa parte dos profissionais repudiaria a disciplina dos números. Voltei tranqüilo para casa, li até parte da madrugada, tomei banho, dormi e acordei com o ânimo serenado. Algumas contas repousavam sobre a mesa do computador, peguei o dinheiro e disparei para o banco cuja porta central estava praticamente emperrada com a fila enorme que se formava dentro da agência, espalhava-se pelo pronto-atendimento e estendia-se pela rua.
No fim da fila, puxei o jornal para ler as últimas notícias de política. Li também alguma coisa sobre televisão, Literatura, Teatro, cozinha mineira, economia de energia no hospital, construção de uma biblioteca em bairro de periferia, ampliação do acervo de computadores numa empresa de prestação de serviços. Entrávamos na área de pronto-atendimento. Circulava os olhos pela parte de esportes cujo fim da leitura coincidiu com a passagem pela porta-giratória e a entrada definitiva na agência cuja fila, ainda quilométrica, me deixou em pânico.
Uma mulher de aparentes quarenta anos segurava uma sacola cheia de papéis e, pensando em provar a mim mesmo o argumento da véspera, disparei:
- A senhora acha que matemática serve para alguma coisa?
Revirou os olhos, retirou uma pancada de papéis da sacola:
- Se matemática servisse para alguma coisa, eu não estaria enfrentando esse inferno para resolver um problema do cartão de crédito.
Voltou a colocar os papéis dentro da sacola e contou que no fim do ano passado, antes do natal, a atendente de operadora telefonara oferecendo um cartão de crédito que não cobrava anuidades e dava sessenta dias para pagar a primeira parcela das compras. O cartão chegou três dias depois com limite de cinco mil reais. O marido a advertiu que o usasse moderadamente, preocupando-se em manter as parcelas dentro do orçamento doméstico.
Fez uma conta simples: se comprasse produtos com parcelas mensais de até cinqüenta reais, conseguiria atender aos desejos consumistas. Comprou três pares de sapato em vinte parcelas de vinte reais. Depois, três vestidos, duas calças, um espartilho, duas camisetas e um batom por trinta e seis parcelas de vinte e cinco reais. Em seguida, um guarda-roupa e uma casa por vinte parcelas de quarenta reais. E, finalizando, um micro-ondas por setenta e duas parcelas de sessenta reais.
Pagou a parcela mínima a que o cartão dava direito e, manteve a tradição por seis meses consecutivos quando o filho, que trabalhava em Curitiba e aparecera para um fim de semana, constatou que a mãe já devia mais de nove mil reais apenas de juros.
A conversa estava tão boa que, quando percebemos, estávamos à boca do caixa. Antes de nos separarmos, concordamos mais uma vez que a matemática não serve para nada, contudo por mera razão de princípios cosmopolitas, comprei uma calculadora simples e uma calculadora científica e, no próximo mês, entro em curso noturno de matemática financeira. Continuo batendo o pé que a matemática não serve para nada e mando minha convicção ao matemático Roberto Cavali, mas sempre é bom saber certinho como funciona esse negócio de juros simples, juros compostos, correção monetária, juros de mora e cláusula penal. Afinal, por que trocar uma dívida certa de oitocentos reais por uma aventura futura de nove mil?
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 13 de agosto de 2010.
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