Rômulo gostava do tio, mas não poderia excluí-lo das traquinagens. Pintara de branco as costas do paletó do pai, tirara o freio da bicicleta do irmão, enchera de ratos de esgoto o carro da mãe, passara cola na cadeira da professora, jogara o gato na máquina de lavar, transformara em confetes as contas de água, de luz e de telefone, acrescentara detergente ao refrigerante do namorado da irmã, infestara de baratas o sofá da vizinha e danificara o varal de uma amiga da mãe. Até a avó Rosângela, lindos cabelos loiros em franja, acordara com os pés repletos de sapos!
O tio conhecia bem o sobrinho e, antes de beber, de comer, de vestir ou de usar, verificava criteriosamente objetos, roupas, acessórios, ferramentas ou alimentos. Se soltasse um peixe elétrico na piscina? Sem chances. Um cachorro do mato na biblioteca? O tio o expulsaria aos chutes. Um balde de água na porta, óleo no chão de madeira, pregos pequenos na poltrona favorita, alarme de incêndio quando estivesse no banheiro?
O tio abandonara o creme e o aparelho de barbear em cima da mesa para atender o carteiro que, pacientemente, marcava um “x” nos lugares em que o destinatário deveria assinar. Rômulo lembrou-se que o tio sempre usava “Leite de rosas” após a barba.
Quando entrou na cozinha, a avó Rosângela teve a impressão de sentir a fragrância de “Leite de rosas” e estranhou que a garrafa de pimenta malagueta, comprada na véspera numa promoção do supermercado, estivesse vazia.
*Publicado originalmente na Folha de Londrina (Londrina – PR) de 26 de maio de 2010.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
terça-feira, 25 de maio de 2010
CRÍTICA SOCIAL E LITERATURA
De meados do século 20 em diante, a discussão dos rumos da Literatura ocupou não apenas acadêmicos, mas também estudiosos, leitores e intelectuais: a Literatura deveria desempenhar um papel voltado estritamente ao refinamento estético (sustentando o que alguns denominavam de atuação conservadora) ou às denúncias sociais (flanando na corrente esquerdista)?
Estados Unidos e União Soviética simbolizavam as potências antagônicas em disputa pela hegemonia política. Os países latino-americanos que aderiram aos golpes militares como retórica de manutenção da ordem, do desenvolvimento e do progresso receberam apoio expresso ou velado dos Estados Unidos. A União Soviética defendia seus interesses subsidiando ações de treinamento ideológico, político e militar.
O tempo se encarregou de desmascarar a estrutura defendida pelo capitalismo e pelos americanos. A União Soviética deu seus últimos suspiros e agonizou no início dos anos 1990. Os países que continuaram socialistas ou comunistas ou entraram em colapso (como alguns europeus), ou consolidaram ditaduras (nos evidentes casos de Venezuela, Cuba, China e Coréia do Norte).
O antagonismo entre socialismo e capitalismo se tornou questão especulativa uma vez que este se sobrepôs àquele, exigindo mudanças rápidas nos meios de produção e na distribuição de renda em grandes potências como Rússia e China.
Boa parte dos socialistas do século 21 – perdida pela falta de antagonismos, maniqueísmos, dicotomias – rumou à inexplicável incapacidade de compreensão contemporânea. No entanto, observando o ambiente instaurado, outros continuaram acreditando no socialismo simbolizado em tentativas de modificações realizadas pela sociedade – e também pelo Estado – dentro do liberalismo. Advogado e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro defende essa perspectiva em dos capítulos de “O mundo real” (L&PM, 2008, 136 p.)
As discussões teóricas são benéficas na medida em que acrescentam valores sólidos às mudanças sociais, mas se perdem antes de chegarem ao grande público. Para tratá-las de maneira abrangente, a arte da palavra se constitui em meio sutil e elegante. Entre os grandes escritores contemporâneos dotados de sutileza e elegância, o uruguaio Eduardo Galeano.
Eduardo Galeano recebeu diversos prêmios literários e jornalísticos, publicou vários livros no Brasil e no exterior, captou com delicadeza as nuances do cotidiano e desenvolveu um texto límpido e cheio de estilo – comparado, no Brasil, ao do jornalista Mino Carta.
A questão, em suma, se concentra na capacidade com que desenlaça os problemas da rotina. Mestre da escrita curta, Galeano usa a crônica – gênero bastante difundido e reconhecido entre nós – para transmitir mensagens profundas. São reflexões sobre assuntos que vão da culinária ao esporte, da beleza à fome, da inteligência ao modo rústico de vida.
Em BOCAS DO TEMPO, relançado em formato de bolso, sobressaem animais, educação, morte, casamento, relevância da água, do mar, do vinho, das confusões e peculiaridades entre ciência e religião, de Literatura, de livro, de respeito à pluralidade de culturas deixando para o fim, assim como numa fábula, o desfecho moral, marcado por uma mensagem implícita.
Galeano transfere beleza aos tópicos socialistas pela singular possibilidade de conscientização pela palavra. Quando, por exemplo, trata do vinho, recorda-se de uma taberna cujos proprietários marcavam na parede as dívidas dos consumidores. Uma vez por ano, a taberna era pintada, as contas esquecidas, a vida comemorada e os novos clientes batizados “com um pequeno toque de vinho na testa”. (p. 95) A mensagem: estamos em busca da vida plena ou de cobranças que girarão a máquina capitalista?
Em “O professor”, a concorrência e o individualismo – características do sistema liberal – são atacados suavemente no relato de um concurso literário promovido por uma escola a que fora convidado para composição do júri. Os três julgadores leram os trabalhos e proclamaram os resultados: “O concurso foi vencido por todos, e para cada premiado houve uma ovação, uma chuva de serpentina e uma medalhinha doada pelo joalheiro do bairro”. (p. 61) Existiria maneira mais suave de transmitir práticas socialistas?
Em tempos em que não se é nem socialista nem capitalista, nem de esquerda nem de direita, nem com Marx nem contra Marx, Eduardo Galeano reafirma sua importância no cenário literário mundial por meio de críticas sociais enveredadas sutil e elegantemente em criações literárias.
***
BOCAS DO TEMPO (edição de bolso)
Eduardo Galeano – LPM – 352 p. – R$ 22,00
***
Em tempo: a página da editora L&PM (www.lpm.com.br) traz um histórico de vídeos com os principais nomes da Literatura brasileira. Entre eles, o documentário esmerado sobre vida e obra do romancista Luiz Antônio de Assis Brasil e entrevistas com Moacyr Scliar, Sergio Faraco, Affonso Romano de Sant’Anna, Marina Colasanti, Luis Augusto Fischer e, claro, Eduardo Galeano.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 21 de maio de 2010.
Estados Unidos e União Soviética simbolizavam as potências antagônicas em disputa pela hegemonia política. Os países latino-americanos que aderiram aos golpes militares como retórica de manutenção da ordem, do desenvolvimento e do progresso receberam apoio expresso ou velado dos Estados Unidos. A União Soviética defendia seus interesses subsidiando ações de treinamento ideológico, político e militar.
O tempo se encarregou de desmascarar a estrutura defendida pelo capitalismo e pelos americanos. A União Soviética deu seus últimos suspiros e agonizou no início dos anos 1990. Os países que continuaram socialistas ou comunistas ou entraram em colapso (como alguns europeus), ou consolidaram ditaduras (nos evidentes casos de Venezuela, Cuba, China e Coréia do Norte).
O antagonismo entre socialismo e capitalismo se tornou questão especulativa uma vez que este se sobrepôs àquele, exigindo mudanças rápidas nos meios de produção e na distribuição de renda em grandes potências como Rússia e China.
Boa parte dos socialistas do século 21 – perdida pela falta de antagonismos, maniqueísmos, dicotomias – rumou à inexplicável incapacidade de compreensão contemporânea. No entanto, observando o ambiente instaurado, outros continuaram acreditando no socialismo simbolizado em tentativas de modificações realizadas pela sociedade – e também pelo Estado – dentro do liberalismo. Advogado e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro defende essa perspectiva em dos capítulos de “O mundo real” (L&PM, 2008, 136 p.)
As discussões teóricas são benéficas na medida em que acrescentam valores sólidos às mudanças sociais, mas se perdem antes de chegarem ao grande público. Para tratá-las de maneira abrangente, a arte da palavra se constitui em meio sutil e elegante. Entre os grandes escritores contemporâneos dotados de sutileza e elegância, o uruguaio Eduardo Galeano.
Eduardo Galeano recebeu diversos prêmios literários e jornalísticos, publicou vários livros no Brasil e no exterior, captou com delicadeza as nuances do cotidiano e desenvolveu um texto límpido e cheio de estilo – comparado, no Brasil, ao do jornalista Mino Carta.
A questão, em suma, se concentra na capacidade com que desenlaça os problemas da rotina. Mestre da escrita curta, Galeano usa a crônica – gênero bastante difundido e reconhecido entre nós – para transmitir mensagens profundas. São reflexões sobre assuntos que vão da culinária ao esporte, da beleza à fome, da inteligência ao modo rústico de vida.
Em BOCAS DO TEMPO, relançado em formato de bolso, sobressaem animais, educação, morte, casamento, relevância da água, do mar, do vinho, das confusões e peculiaridades entre ciência e religião, de Literatura, de livro, de respeito à pluralidade de culturas deixando para o fim, assim como numa fábula, o desfecho moral, marcado por uma mensagem implícita.
Galeano transfere beleza aos tópicos socialistas pela singular possibilidade de conscientização pela palavra. Quando, por exemplo, trata do vinho, recorda-se de uma taberna cujos proprietários marcavam na parede as dívidas dos consumidores. Uma vez por ano, a taberna era pintada, as contas esquecidas, a vida comemorada e os novos clientes batizados “com um pequeno toque de vinho na testa”. (p. 95) A mensagem: estamos em busca da vida plena ou de cobranças que girarão a máquina capitalista?
Em “O professor”, a concorrência e o individualismo – características do sistema liberal – são atacados suavemente no relato de um concurso literário promovido por uma escola a que fora convidado para composição do júri. Os três julgadores leram os trabalhos e proclamaram os resultados: “O concurso foi vencido por todos, e para cada premiado houve uma ovação, uma chuva de serpentina e uma medalhinha doada pelo joalheiro do bairro”. (p. 61) Existiria maneira mais suave de transmitir práticas socialistas?
Em tempos em que não se é nem socialista nem capitalista, nem de esquerda nem de direita, nem com Marx nem contra Marx, Eduardo Galeano reafirma sua importância no cenário literário mundial por meio de críticas sociais enveredadas sutil e elegantemente em criações literárias.
***
BOCAS DO TEMPO (edição de bolso)
Eduardo Galeano – LPM – 352 p. – R$ 22,00
***
Em tempo: a página da editora L&PM (www.lpm.com.br) traz um histórico de vídeos com os principais nomes da Literatura brasileira. Entre eles, o documentário esmerado sobre vida e obra do romancista Luiz Antônio de Assis Brasil e entrevistas com Moacyr Scliar, Sergio Faraco, Affonso Romano de Sant’Anna, Marina Colasanti, Luis Augusto Fischer e, claro, Eduardo Galeano.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 21 de maio de 2010.
terça-feira, 18 de maio de 2010
FLORIANÓPOLIS
As regras do sorteio eram claras: os consumidores que adquirissem produtos acima de cinqüenta reais concorreriam a uma viagem a Florianópolis com direito a acompanhante. Deveriam preencher os cupons, depositá-los nas urnas e, eventualmente sorteados, retirar o prêmio na Associação Comercial.
Cinco cupons. Quatro no nome da esposa e um no seu. Sabia do azar que o rondava em prêmios, concursos, eleições. Lembrava de uma vez em que preenchera perto de quinhentos cupons numa loja cuja premiação contemplaria os ganhadores com uma moto para o primeiro lugar e vale-compra para segundo, terceiro, quarto e quinto.
Acostumado aos maus presságios, ouviu desinteressadamente a telefonista comunicando do prêmio que deveria ser retirado na manhã de quinta-feira. Dormiu regularmente e, ao acordar, comentou com a esposa da ligação da noite anterior. Ligação ou sonho?
A esposa sintonizou na rádio, jogou água na chaleira e enquanto esperava o ponto ideal para acrescentar o café – o café deveria ser adicionado antes das primeiras borbulhas se firmarem – ouviu o locutor informando o nome do ganhador.
- Vamos para Florianópolis. Nós vamos para Florianópolis! Nós vamos.
O marido conversou com uma atendente, pediu dispensa do trabalho, fez as fotos de praxe. Falou ao chefe dele e ao da esposa: uma semana de férias conjuntas para gozar o prêmio. O filho mais velho tomaria conta da casa e a mais nova enviada para a casa do tio.
À noite, pegou o talão de cheques guardado ao fundo da gaveta do guarda-roupas parcelado em dezoito vezes numa dessas grandes redes de vendas de móveis, eletrônicos, eletrodomésticos, congêneres e impensáveis, fiscalizou as sete folhas usadas nos últimos dois anos e arriscou: entraria no cheque especial. Se nunca tinham deixado Presidente Prudente, aquela viagem deveria ser memorável! E por que não seria?
Pegou os mil e quinhentos reais do cheque especial, comprou alguns produtos, maiôs e calções (não deixaria que os olhassem como coitados de apenas uma roupa de banho), chapéu de palha, bronzeadores para a esposa e protetores para ele, três óculos escuros, algumas bermudas e camisetas havaianas, câmera fotográfica, guia turístico da famosa ilha de Santa Catarina. Listou restaurantes nos quais escolheria os pratos mais caros, os cinemas nos quais assistiria aos filmes com as pernas penduradas nas poltronas da frente, os teatros em que se esborracharia de chorar com as óperas.
Guardou o troco – perto de trezentos reais – no fundo falso da bolsa da mulher e, segunda-feira, filho em posse das chaves do carro e sogra emocionada com o tamanho do avião, flanaram cerca de três horas – entre viagem, escalas e conexões – e desceram em Florianópolis. Retiraram as malas da esteira, caminharam pelo aeroporto e estranharam a ausência de profissionais para recepcioná-los. O relógio marcava uma e meia.
- Vamos esperar até sete horas.
Passearam pelo aeroporto cerca de dez vezes, revisaram os lugares que visitariam, fizeram planos de poses para fotos, conferiram pela quinta vez a lista de lembrancinhas para amigos, parentes, colegas de trabalho e alguns conhecidos, secaram uma garrafa de café, duas de água e uma de suco de laranja, comeram pão de queijo e croissant.
Os filmes da televisão acabaram e os oradores conclamavam os fiéis a seguirem Jesus. O gerente da lanchonete 24 horas, que havia emprestado o controle remoto, sugeriu que visitassem a banca de revistas que acabara de abrir. Folhearam as revistas de fofocas, compraram uma revista política de viés esquerdista e duas de palavras cruzadas.
Quando voltaram, o gerente os convidou a irem aos fundos da lanchonete. Caminharam receosos e, minutos depois, apoiados no vidro de proteção, testemunharam o Sol estourando a escuridão e rompendo o ventre do mar.
Depois da longa noite, o marido telefonou para a associação comercial. A atendente passou o telefone para o chefe da seção, o chefe da seção transferiu a ligação para a assessora de relações públicas, a assessora de relações públicas entregou o problema ao presidente.
- Sou o ganhador da viagem para Floripa, disse o marido, piscando para a esposa e reforçando a voz no nome informal da capital. Chegamos à uma hora da manhã, prosseguiu, e até agora ninguém apareceu para nos buscar. Queríamos o telefone ou o endereço do hotel e dos nossos guias. Descansar um pouco e depois aproveitar o dia.
O gerente riu.
- Guias? Hotéis? Garantimos a viagem. Viajar, o senhor já viajou.
A linha caída aterrorizava o marido que, silencioso, voltou o fone ao gancho.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 14 de maio de 2010.
Cinco cupons. Quatro no nome da esposa e um no seu. Sabia do azar que o rondava em prêmios, concursos, eleições. Lembrava de uma vez em que preenchera perto de quinhentos cupons numa loja cuja premiação contemplaria os ganhadores com uma moto para o primeiro lugar e vale-compra para segundo, terceiro, quarto e quinto.
Acostumado aos maus presságios, ouviu desinteressadamente a telefonista comunicando do prêmio que deveria ser retirado na manhã de quinta-feira. Dormiu regularmente e, ao acordar, comentou com a esposa da ligação da noite anterior. Ligação ou sonho?
A esposa sintonizou na rádio, jogou água na chaleira e enquanto esperava o ponto ideal para acrescentar o café – o café deveria ser adicionado antes das primeiras borbulhas se firmarem – ouviu o locutor informando o nome do ganhador.
- Vamos para Florianópolis. Nós vamos para Florianópolis! Nós vamos.
O marido conversou com uma atendente, pediu dispensa do trabalho, fez as fotos de praxe. Falou ao chefe dele e ao da esposa: uma semana de férias conjuntas para gozar o prêmio. O filho mais velho tomaria conta da casa e a mais nova enviada para a casa do tio.
À noite, pegou o talão de cheques guardado ao fundo da gaveta do guarda-roupas parcelado em dezoito vezes numa dessas grandes redes de vendas de móveis, eletrônicos, eletrodomésticos, congêneres e impensáveis, fiscalizou as sete folhas usadas nos últimos dois anos e arriscou: entraria no cheque especial. Se nunca tinham deixado Presidente Prudente, aquela viagem deveria ser memorável! E por que não seria?
Pegou os mil e quinhentos reais do cheque especial, comprou alguns produtos, maiôs e calções (não deixaria que os olhassem como coitados de apenas uma roupa de banho), chapéu de palha, bronzeadores para a esposa e protetores para ele, três óculos escuros, algumas bermudas e camisetas havaianas, câmera fotográfica, guia turístico da famosa ilha de Santa Catarina. Listou restaurantes nos quais escolheria os pratos mais caros, os cinemas nos quais assistiria aos filmes com as pernas penduradas nas poltronas da frente, os teatros em que se esborracharia de chorar com as óperas.
Guardou o troco – perto de trezentos reais – no fundo falso da bolsa da mulher e, segunda-feira, filho em posse das chaves do carro e sogra emocionada com o tamanho do avião, flanaram cerca de três horas – entre viagem, escalas e conexões – e desceram em Florianópolis. Retiraram as malas da esteira, caminharam pelo aeroporto e estranharam a ausência de profissionais para recepcioná-los. O relógio marcava uma e meia.
- Vamos esperar até sete horas.
Passearam pelo aeroporto cerca de dez vezes, revisaram os lugares que visitariam, fizeram planos de poses para fotos, conferiram pela quinta vez a lista de lembrancinhas para amigos, parentes, colegas de trabalho e alguns conhecidos, secaram uma garrafa de café, duas de água e uma de suco de laranja, comeram pão de queijo e croissant.
Os filmes da televisão acabaram e os oradores conclamavam os fiéis a seguirem Jesus. O gerente da lanchonete 24 horas, que havia emprestado o controle remoto, sugeriu que visitassem a banca de revistas que acabara de abrir. Folhearam as revistas de fofocas, compraram uma revista política de viés esquerdista e duas de palavras cruzadas.
Quando voltaram, o gerente os convidou a irem aos fundos da lanchonete. Caminharam receosos e, minutos depois, apoiados no vidro de proteção, testemunharam o Sol estourando a escuridão e rompendo o ventre do mar.
Depois da longa noite, o marido telefonou para a associação comercial. A atendente passou o telefone para o chefe da seção, o chefe da seção transferiu a ligação para a assessora de relações públicas, a assessora de relações públicas entregou o problema ao presidente.
- Sou o ganhador da viagem para Floripa, disse o marido, piscando para a esposa e reforçando a voz no nome informal da capital. Chegamos à uma hora da manhã, prosseguiu, e até agora ninguém apareceu para nos buscar. Queríamos o telefone ou o endereço do hotel e dos nossos guias. Descansar um pouco e depois aproveitar o dia.
O gerente riu.
- Guias? Hotéis? Garantimos a viagem. Viajar, o senhor já viajou.
A linha caída aterrorizava o marido que, silencioso, voltou o fone ao gancho.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 14 de maio de 2010.
terça-feira, 11 de maio de 2010
FILHA EM BOAS MÃOS
Bezerra não agüentava mais os namorados da filha. Um havia sido preso por assalto à mão armada. Outro batera no carro da polícia a mais de cento e cinqüenta por hora num desses rachas da madrugada. Um terceiro não gostava de estudar e o seguinte passava longe da palavra trabalho. Um quinto mantinha a péssima tradição de fuga ao banho diário, da higiene bucal e dos bons modos à mesa. O sexto se apresentaria naquela noite.
- Mais um, disse o pai.
A mãe silenciava sobre as opções e apoiava o relacionamento descompromissado da filha, mas dava razão ao marido: escolher melhor os marmanjos com quem se envolvia. De ladrão a cascão, de vagabundo a desinteressado. O que mais faltava trazer para casa?
Às vinte horas e trinta e oito minutos o novo namorado tocou na campainha do apartamento. O pai ajeitou o colarinho e abriu a porta, surpreendendo-se com o rapaz de barba feita, cabelos penteados, segurando uma caixa de chocolates e um pacote de Café São Braz, camisa de mangas longas por dentro das calças, cinto e sapatos marrons.
Pegou a caixa de chocolates e o café.
- Graças a Deus, disse o pai entrando na cozinha, sorrisos largos, dessa vez o rapaz certo.
Um homem limpo, trabalhador – não precisava ser nem estudioso nem estudado, como também ele não era –, honesto e respeitador. Acima de tudo, respeitador.
Apressou-se em arrumar a mesa, sentou-se na poltrona de estimação, ligou a televisão. O rapaz abandonou a revista sobre a mesinha de centro e concentrou-se no telejornal que passava os dados inflacionários do último trimestre, manutenção da taxa de desemprego e oportunidades de trabalho agrícola.
- E é isso. Não é? Principiou uma tentativa de diálogo.
- O senhor tem vários troféus de baralho. Gosta de cartas?
O namoradinho tocara no ponto fraco de Bezerra que falou de estratégias, de viagens, de concursos interestaduais, de prêmios em dinheiro em Curitiba e João Pessoa. E as praias de João Pessoa? O namoradinho disse que nunca viajara a João Pessoa.
- Então não sabe o que está perdendo. Gosta de carnaval? Lá tem um bloco chamado Muriçocas do Miramar e outro é Donzelas de Tambaú. Donzelas? Não. Bezerra corrigiu-se, o correto é Virgens de Tambaú.
A filha sentou-se ao lado do namorado. O pai levantou-se satisfeito, entrou novamente na cozinha.
À mesa, os assuntos variavam. As ponderações do rapaz pareciam sempre acertadas. Via-se, pensava o pai estranhamente sorridente, que era culto, viajado, paciente. A filha jamais encontraria um pretendente como aquele.
- Então, gostas de viajar?
- Sim, senhor, respondeu. Gosto de viajar sempre com a finalidade de avaliar as liberdades de gênero proporcionadas nos países.
- Avaliar? Claro. Avaliar. Percebe-se que o senhor é um cientista, um estudioso. Para onde já viajou?
- Primeiro às povoações uruguaias próximas ao Rio Grande. Não gostei muito. Mas, depois fui à Holanda e tive análises empíricas e pragmáticas inesquecíveis, aprofundadas na Tailândia. Que país maravilhoso é a Tailândia!
O pai piscou para a mãe. Quando imaginariam jantar com alguém que viajara à Holanda e à Tailândia?
- Tailândia é um país ao qual volto, pelo menos, uma vez por ano, continuou o rapaz, piscando para a namorada.
- E o que você gosta de assistir? Filmes de luta, de guerra, de sangue? A mãe falava delicadamente.
- Prefiro alguns filmes atuais. Detesto lutas, guerras e sangue. Os últimos aos quais assisti e dos quais gostei bastante são os da Gretchen e os da Rita Cadilac.
A mãe entrou na cozinha para pegar a sobremesa e o pai meteu-se atrás dela. Era um rapaz de virtude que reconhecia o passado e valorizava artistas nacionais.
A sobremesa acabou, a toalha foi retirada e o novo namorado solicitou permissão para dar uma volta. Entregaria a menina antes da meia-noite.
- Por que não? Suspirou o pai. Levar um disco para ouvir no carro?
- Já temos alguns. Prefiro ouvir repetidamente “je t’aime moi non plus”.
Um homem que, além de viajado, falava francês. Aquela língua só poderia ser francês, pensava o pai, imaginando na satisfação em narrar detalhadamente o jantar aos amigos da firma.
- E se eventualmente cansarmos de ouvir música, continuou o namorado, posso colocar um filme. “Calígula” é o meu favorito.
Da janela do quinto andar, o pai acenava para o casal cujo automóvel arriscava-se sob as folhas úmidas.
- Agora, concluiu o pai, alegrando a esposa com a sintonização no canal das telenovelas, nossa filha está em boas mãos.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!Estilo, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 7 de maio de 2010.
- Mais um, disse o pai.
A mãe silenciava sobre as opções e apoiava o relacionamento descompromissado da filha, mas dava razão ao marido: escolher melhor os marmanjos com quem se envolvia. De ladrão a cascão, de vagabundo a desinteressado. O que mais faltava trazer para casa?
Às vinte horas e trinta e oito minutos o novo namorado tocou na campainha do apartamento. O pai ajeitou o colarinho e abriu a porta, surpreendendo-se com o rapaz de barba feita, cabelos penteados, segurando uma caixa de chocolates e um pacote de Café São Braz, camisa de mangas longas por dentro das calças, cinto e sapatos marrons.
Pegou a caixa de chocolates e o café.
- Graças a Deus, disse o pai entrando na cozinha, sorrisos largos, dessa vez o rapaz certo.
Um homem limpo, trabalhador – não precisava ser nem estudioso nem estudado, como também ele não era –, honesto e respeitador. Acima de tudo, respeitador.
Apressou-se em arrumar a mesa, sentou-se na poltrona de estimação, ligou a televisão. O rapaz abandonou a revista sobre a mesinha de centro e concentrou-se no telejornal que passava os dados inflacionários do último trimestre, manutenção da taxa de desemprego e oportunidades de trabalho agrícola.
- E é isso. Não é? Principiou uma tentativa de diálogo.
- O senhor tem vários troféus de baralho. Gosta de cartas?
O namoradinho tocara no ponto fraco de Bezerra que falou de estratégias, de viagens, de concursos interestaduais, de prêmios em dinheiro em Curitiba e João Pessoa. E as praias de João Pessoa? O namoradinho disse que nunca viajara a João Pessoa.
- Então não sabe o que está perdendo. Gosta de carnaval? Lá tem um bloco chamado Muriçocas do Miramar e outro é Donzelas de Tambaú. Donzelas? Não. Bezerra corrigiu-se, o correto é Virgens de Tambaú.
A filha sentou-se ao lado do namorado. O pai levantou-se satisfeito, entrou novamente na cozinha.
À mesa, os assuntos variavam. As ponderações do rapaz pareciam sempre acertadas. Via-se, pensava o pai estranhamente sorridente, que era culto, viajado, paciente. A filha jamais encontraria um pretendente como aquele.
- Então, gostas de viajar?
- Sim, senhor, respondeu. Gosto de viajar sempre com a finalidade de avaliar as liberdades de gênero proporcionadas nos países.
- Avaliar? Claro. Avaliar. Percebe-se que o senhor é um cientista, um estudioso. Para onde já viajou?
- Primeiro às povoações uruguaias próximas ao Rio Grande. Não gostei muito. Mas, depois fui à Holanda e tive análises empíricas e pragmáticas inesquecíveis, aprofundadas na Tailândia. Que país maravilhoso é a Tailândia!
O pai piscou para a mãe. Quando imaginariam jantar com alguém que viajara à Holanda e à Tailândia?
- Tailândia é um país ao qual volto, pelo menos, uma vez por ano, continuou o rapaz, piscando para a namorada.
- E o que você gosta de assistir? Filmes de luta, de guerra, de sangue? A mãe falava delicadamente.
- Prefiro alguns filmes atuais. Detesto lutas, guerras e sangue. Os últimos aos quais assisti e dos quais gostei bastante são os da Gretchen e os da Rita Cadilac.
A mãe entrou na cozinha para pegar a sobremesa e o pai meteu-se atrás dela. Era um rapaz de virtude que reconhecia o passado e valorizava artistas nacionais.
A sobremesa acabou, a toalha foi retirada e o novo namorado solicitou permissão para dar uma volta. Entregaria a menina antes da meia-noite.
- Por que não? Suspirou o pai. Levar um disco para ouvir no carro?
- Já temos alguns. Prefiro ouvir repetidamente “je t’aime moi non plus”.
Um homem que, além de viajado, falava francês. Aquela língua só poderia ser francês, pensava o pai, imaginando na satisfação em narrar detalhadamente o jantar aos amigos da firma.
- E se eventualmente cansarmos de ouvir música, continuou o namorado, posso colocar um filme. “Calígula” é o meu favorito.
Da janela do quinto andar, o pai acenava para o casal cujo automóvel arriscava-se sob as folhas úmidas.
- Agora, concluiu o pai, alegrando a esposa com a sintonização no canal das telenovelas, nossa filha está em boas mãos.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!Estilo, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 7 de maio de 2010.
sábado, 1 de maio de 2010
MESTRA DA LITERATURA INFANTIL
O escritor ensaia várias possibilidades de ação e, depois de algumas tentativas, uns trabalhos se sobressaem aos outros. As escolhas, as vontades ou as indicações em relação aos livros, aos gêneros e aos esforços estéticos ou narrativos nem sempre coincidem com o que a crítica ou os leitores descobrem e com o que se identificam.
O trabalho de Valesca de Assis se destaca pela atuação em vários gêneros. Seja como contista (participando da “Antologia de contistas bissextos”, organizada por Sérgio Faraco), seja como cronista (em diversas antologias, a mais recente delas a “Cronicando”, ou de trabalhos individuais como “Diciodiário”), seja como romancista (com o premiado “Harmonia das esferas”), seja como escritora infantil, destacando-se com “Vão pensar que estamos fugindo!”.
“Vão pensar que estamos fugindo!” conferiu-lhe um lugar na literatura infanto-juvenil. O enredo se agarra à vinda da família real portuguesa ao Brasil. Fugindo das tropas de Napoleão, Dom João VI embarcou praticamente toda a corte em alguns navios e atravessou o oceano, criando escárnio e deboche a quem, além de covarde, se veria retratado historiograficamente como traído, atrapalhado e glutão. Valesca de Assis transpôs a densidade da história oficial por meio da suavidade romanceada. Quando alcançou essa suavidade, chamou a atenção sobre a obra, finalista em concursos literários.
Dois anos após o sucesso de “Vão pensar que estamos fugindo!”, a autora continua investindo na criação literária para o público infantil, desta vez brindando-nos com “Um dia de gato”. O enredo se concentra na vida cotidiana de um gato e um cachorro que, depois de firmarem um pacto, trocam de lugar por uma noite. Tato, o gato, sente inveja de Bolão, o cachorro da família. Especialmente porque Bolão, festejado por crianças e pessoas em geral, é livre. A idéia de Tato é viver, pelo menos por um curto período, a rotina de Bolão.
Acertada a troca, Bolão entra em casa e Tato sai para a rua. O problema crucial é que os dois animais estranham a nova forma de vida. Bolão, o cachorro, detesta o contato com a televisão e não fica muito animado de dormir sobre os pés da menina em um edredom. O contato com o edredom o deixa calorento e provoca-lhe pesadelos de modo que, assim que desperta, pula para o chão.
Enquanto Bolão, o cachorro, se irrita, Tato, o gato, também se lastima de estar na casa do companheiro uma vez que, logo depois do início da chuva, a água invade o ambiente e, por mais que mie, ninguém aparece para socorrê-lo. Nos sonhos, Tato, o gato, deita-se num local quentinho, cheio de comida. Tato procura alimentos, mas encontra apenas bolachas velhas e ossos duríssimos de roer.
Os trovões da mesma chuva incomodam Bolão que começa a correr dentro da casa, derrubando objetos e, por fim, latindo para chamar a atenção dos donos. As crianças acordam e chamam o pai que, irritado, imaginando que Bolão estivesse latindo de fora, joga um sapato velho que atinge Tato, o gato.
Assim que amanhece, Tato, o gato, espera a primeira oportunidade e, aberta a porta, corre para se esquentar no cobertor. Bolão, o cachorro, finalmente chega à cozinha e, vendo alguém preparando a comida do gato e a deixando no chão, ataca o prato de ração e leite e, mal encosta os lábios, detesta o sabor. A funcionária da casa grita e dá umas vassouradas em Bolão que, feliz de novamente estar do lado de fora, provavelmente deve ter pactuado nunca mais voltar ali.
Naquela mesma manhã, Bolão, o cachorro, e Tato, o gato, voltam às suas vidas normais. O cachorro, na liberdade das ruas; o gato, na liberdade da casa.
O livro de Valesca de Assis abrange um tripé temático: a insatisfação, a ação, a reflexão. O gato lamentava sua falta de liberdade. Insatisfeito, partiu para a ação e propôs ao cachorro a mudança temporária de lugares. A mudança provocou uma reflexão sobre os efeitos negativos da troca.
Em síntese, Valesca de Assis, com sua habilidade de filósofa aliada à capacidade literária, traz muito de profundidade nas entrelinhas de seu novo trabalho: um livro para crianças inteligentes, com suporte de atividades e ilustrações de Antônio Maciel.
***
Um dia de gato (COMPRE AQUI)
Valesca de Assis – Libretos – 40 p. – R$ 25,00
*Publicado originalmente na coluna Ficções, do caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 30 de abril de 2010.
O trabalho de Valesca de Assis se destaca pela atuação em vários gêneros. Seja como contista (participando da “Antologia de contistas bissextos”, organizada por Sérgio Faraco), seja como cronista (em diversas antologias, a mais recente delas a “Cronicando”, ou de trabalhos individuais como “Diciodiário”), seja como romancista (com o premiado “Harmonia das esferas”), seja como escritora infantil, destacando-se com “Vão pensar que estamos fugindo!”.
“Vão pensar que estamos fugindo!” conferiu-lhe um lugar na literatura infanto-juvenil. O enredo se agarra à vinda da família real portuguesa ao Brasil. Fugindo das tropas de Napoleão, Dom João VI embarcou praticamente toda a corte em alguns navios e atravessou o oceano, criando escárnio e deboche a quem, além de covarde, se veria retratado historiograficamente como traído, atrapalhado e glutão. Valesca de Assis transpôs a densidade da história oficial por meio da suavidade romanceada. Quando alcançou essa suavidade, chamou a atenção sobre a obra, finalista em concursos literários.
Dois anos após o sucesso de “Vão pensar que estamos fugindo!”, a autora continua investindo na criação literária para o público infantil, desta vez brindando-nos com “Um dia de gato”. O enredo se concentra na vida cotidiana de um gato e um cachorro que, depois de firmarem um pacto, trocam de lugar por uma noite. Tato, o gato, sente inveja de Bolão, o cachorro da família. Especialmente porque Bolão, festejado por crianças e pessoas em geral, é livre. A idéia de Tato é viver, pelo menos por um curto período, a rotina de Bolão.
Acertada a troca, Bolão entra em casa e Tato sai para a rua. O problema crucial é que os dois animais estranham a nova forma de vida. Bolão, o cachorro, detesta o contato com a televisão e não fica muito animado de dormir sobre os pés da menina em um edredom. O contato com o edredom o deixa calorento e provoca-lhe pesadelos de modo que, assim que desperta, pula para o chão.
Enquanto Bolão, o cachorro, se irrita, Tato, o gato, também se lastima de estar na casa do companheiro uma vez que, logo depois do início da chuva, a água invade o ambiente e, por mais que mie, ninguém aparece para socorrê-lo. Nos sonhos, Tato, o gato, deita-se num local quentinho, cheio de comida. Tato procura alimentos, mas encontra apenas bolachas velhas e ossos duríssimos de roer.
Os trovões da mesma chuva incomodam Bolão que começa a correr dentro da casa, derrubando objetos e, por fim, latindo para chamar a atenção dos donos. As crianças acordam e chamam o pai que, irritado, imaginando que Bolão estivesse latindo de fora, joga um sapato velho que atinge Tato, o gato.
Assim que amanhece, Tato, o gato, espera a primeira oportunidade e, aberta a porta, corre para se esquentar no cobertor. Bolão, o cachorro, finalmente chega à cozinha e, vendo alguém preparando a comida do gato e a deixando no chão, ataca o prato de ração e leite e, mal encosta os lábios, detesta o sabor. A funcionária da casa grita e dá umas vassouradas em Bolão que, feliz de novamente estar do lado de fora, provavelmente deve ter pactuado nunca mais voltar ali.
Naquela mesma manhã, Bolão, o cachorro, e Tato, o gato, voltam às suas vidas normais. O cachorro, na liberdade das ruas; o gato, na liberdade da casa.
O livro de Valesca de Assis abrange um tripé temático: a insatisfação, a ação, a reflexão. O gato lamentava sua falta de liberdade. Insatisfeito, partiu para a ação e propôs ao cachorro a mudança temporária de lugares. A mudança provocou uma reflexão sobre os efeitos negativos da troca.
Em síntese, Valesca de Assis, com sua habilidade de filósofa aliada à capacidade literária, traz muito de profundidade nas entrelinhas de seu novo trabalho: um livro para crianças inteligentes, com suporte de atividades e ilustrações de Antônio Maciel.
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Um dia de gato (COMPRE AQUI)
Valesca de Assis – Libretos – 40 p. – R$ 25,00
*Publicado originalmente na coluna Ficções, do caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 30 de abril de 2010.
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