Saiu da penitenciária por volta das sete da manhã da segunda-feira. Roupas limpas, sorriso simpático e jeito engraçado. Conseguiu carona antes de um quilômetro de caminhada. Um senhor de barba branca e óculos de lentes grossas parou na beira da pista.
A conversa acabou rapidamente. Apesar da idade avançada, o motorista pisava no acelerador com o fôlego de quem acaba de tirar carteira de habilitação e pretende testar a potência do carro. Desceu a Avenida Getúlio Vargas, seguiu lentamente até à Avenida Dom Antônio onde, informando-se, corrigiu o percurso, passeou pela Marechal Deodoro, passou pela frente da clínica de olhos e entrou na Rui Barbosa. A cidade mudara nos vinte e três anos. Seguindo pela esquerda, vislumbrou a displicência da Catedral.
Ajoelhou-se, fez o sinal da cruz, rezou algumas palavras sem lógica, pôs-se de pé, tomou a Floriano Peixoto até a Nove de Julho, parou na frente de um número ímpar, bateu palmas e um senhor, cabelos brancos e bengala, abriu com dificuldades o portão.
Abraçaram-se. O senhor deslocou-se ao interior da casa e de lá voltou com uma sacola. Branca, nome de salão de beleza estampado em cinco cores. Entrou na biblioteca. Primeiramente pediu um jornal da cidade, depois um do estado, em seguida uma revista e, por fim, indagou dos seguranças.
- Aqui não tem segurança, disse a atendente sorrindo, mistura de graça à ironia. Aqui somos nós e Deus.
Perguntou do banheiro, pernas entrefechando-se. Baixou a tampa do vaso sanitário, sentou-se, pacientemente retirando explosivos, fios, dois alicates, um isqueiro e uma garrafinha com líquido. Dava descarga de sete em sete minutos para não levantar suspeitas. Acendeu um explosivo no banheiro. Já no átrio, a porta estrondou, destroços do vaso estouraram a pia e um espelho improvisado, dejetos voaram pelo corredor. Usuários fugindo, as atendentes chegaram-se ao balcão. Descobrir o que acontecia.
Ele piscou para uma delas:
- Vocês sabem voar?
Acendeu a bomba e a jogou entre as estantes. Compassadamente dirigiu-se para fora ao mesmo tempo em que, desesperadas e desconexas, as três mulheres escorregaram, se levantaram, se chocaram, saíram imprensadas, quase arrebentadas.
O tempo se cristalizou entre jogar a bomba e deslizar pelos degraus até o centro do pátio, virar para trás e testemunhar milhões de páginas voando pela porta, pelas janelas, pelas paredes, pelo chão.
Sem resistência à polícia. Assim as sirenes pararam, ergueu as mãos.
Na cadeia, narrava as mais de duas décadas perdido entre Hesse, Mann, Machado, Guimarães Rosa, Lispector, Goethe, Baudelaire, Mussil, Dante, Cervantes, Joyce, Borges, Kafka...
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 30 de julho de 2009.
Um comentário:
Muito bom. rsrsrs
Abraço
Elzinha
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