Percalços, obstáculos
ou impedimentos são encontrados em todos os trajetos, mas se deseja encurtar o
caminho aos céus, adote um primo que more em Marília, trabalhe em São Paulo e
visite-a de vez em quando sempre trazendo idéias brilhantes cujo testemunho, na
capital paulista, centro do desenvolvimento, assegurará bem-estar ao seu
cotidiano.
O primo discorrerá
sobre o trânsito cardíaco, as oportunidades de empregos e negócios milionários
respirando nas esquinas, nas mesas de bares, na fila do restaurante de quilo ou
no cruzamento da Paulista com a Consolação. Abordará os principais temas de
economia, sugerindo mudanças na política cambial e enfatizando a necessidade de
equilíbrio do dólar a fim de ajustar as contas externas das empresas. Defenderá
as transformações urbanísticas e elogiará a lei da cidade limpa. Criticará
arduamente os problemas sociais, os menores abandonados ou os engaiolados em
estruturas vis e apontará a solução à violência escolar ou universitária. Por
fim, e não menos importante, incentivará a sustentabilidade, olhará seu telhado
e sugerirá a adoção de placas de iluminação solar: mais economia, menos gasto
de eletricidade, conforto total no ar condicionado ligado vinte e quatro horas.
Claro que, mulher
inteligente, engajada nos modismos e solícita às orientações do primo – afinal,
vive em São Paulo, conhece largamente as estratégias de sustentabilidade que
salvarão o planeta – comprará as placas, as telhas e os materiais a fim de
modificar a estrutura de sua casa e, consequentemente, dar mais qualidade de
vida à família. Não apenas satisfeito em dar os preciosos conselhos, o primo
também se disporá a ajudá-la a efetuar as transformações e, no dia seguinte,
por volta das seis e meia da manhã, poucos minutos depois de sua mãe sair à
caminhada diária com o intuito de atualizar as notícias – mulher jamais fofoca,
apenas atualiza as notícias, ele baterá à sua porta, arreganhará os dentes,
apontará a escada improvisada em cima do fuscão bala:
- E aí, prima?
Pronta?
Você escovará os
dentes, comerá pão, geléia, ovos mexidos, presunto, queijo e duas fatias de
mamão, voltará a escovar os dentes, vestirá calças jeans de oito bolsos a fim
de armazenar as ferramentas ao trabalho, ajudará o primo a retirar a escada do
fuscão bala, mas antes de armá-la, lembrar-se-á do freezer problemático que,
por uma válvula solta, encheu-se de gelo. Com a ajuda do primo – sempre
sorridente e sempre da capital – empurrará o freezer até o quintal onde,
debaixo do sol quente fulminante, os cachorros brincarão latindo com a agitação
da manhã de sexta-feira.
Seu primo então se
comprometerá a segurar a escada e a zelar pelo seu bem-estar. Dando-lhe
orientações de instalação do teto solar, aconselhará o uso de mangueira de jato
forte com o objetivo de limpar as telhas antes de qualquer mudança e, sem
perder tempo, você subirá a escada enganchando, num dos bolsos, a ponta do
janto de água. Em cima do telhado, olhará em volta e admirará Marília Bela,
batizada pelo fundador da cidade em homenagem à Marília de Dirceu. Do outro
lado da rua, crianças jogarão futebol utilizando quatro tijolos como traves.
Sua vizinha do lado
esquerdo, observando sua intrepidez, perguntará de sua mãe e você, sempre
solícita e delicada, dará uma volta de cento e oitenta graus a fim de responder-lhe.
Mudança de posição, acionamento da alavanca, a água esguichará implacavelmente.
Desequilibrada, ainda terá sorte de cair sobre o primo que, percebendo o
desastre, pensou em correr para dentro de casa, mas o pensamento não
correspondeu à ação.
A vizinha que
testemunhara a queda e as crianças que ouviram os gritos chamarão os bombeiros,
a polícia e, de quebra, a imprensa. Os bombeiros tentarão entrar no quintal
para os primeiros socorros, mas os cachorros, apesar de pequenos, são ferozes.
Voltando da
caminhada, sua mãe se exasperará com a multidão acabando com as orquídeas do
jardim e, diante dos fatos, fixará seus olhos:
- Da próxima vez que
ele – apontará para o primo – aparecer com a idéia de instalar aquecedor solar
no teto, arrebente-o na cabeça dele!
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 26 de outubro de 2012.