Conversava com o romancista Adauto Elias Moreira – vencedor do prêmio Lucilo Varejão – no Espaço Literário. O programa, em média uma hora e meia de duração, permite ao entrevistado discorrer amplamente sobre suas perspectivas literárias, políticas, sociais, ideológicas e profissionais. Nasceu da vontade de tornar menos ridículos os caminhos abertos pelas demais rádios, emissoras de TV e sites de internet que, resumindo o discurso a folclóricos trinta segundos, excluem o roteiro da construção do pensamento.
Adauto Elias Moreira indicou romances e contos, destacando a relevância das crônicas como o primeiro degrau para se tornar leitor. Com o tempo, o ouvinte escolhe seus autores e títulos, descobrindo com quem mantém identidade, fomentando suas predileções. Talvez, o ponto alto de nossa conversa – que tenho o prazer de pinçar para compartilhar aqui – esteja na liberdade de abandonar temporária ou permanentemente os livros que não nos enfeitiçam eroticamente – erotismo na acepção platônica. Ulisses, a monumental obra do irlandês James Joyce, figuraria entre as leituras que ficaram pelo caminho e exigiriam mais concentração e coação para finalizá-la. Moreira também comentou que outro intelectual, professor universitário, especialista em lingüística e grande cronista, apostou com ele quem seria o primeiro a terminar Joyce, mas, ao que parece, a aposta ainda vai durar décadas sem ninguém vencê-la.
A sinceridade do romancista constitui fonte inspiradora para quem deseja se tornar leitor privilegiado na medida em que exercita a liberdade de escolher títulos e autores e, não gostando nem do título nem do autor, largá-los ao começo ou ao meio do caminho. A proposta de liberdade do leitor, defendida por Daniel Pennac em Comme un roman, certamente integra a lista dos desejos de milhões de alunos de ensino médio e fundamental que, obrigados a lerem o que não gostam, adquirem ojeriza pela Literatura numa idade em que os gostos e os hábitos se consolidam. Esses estudantes estariam errados em protestar contra a obrigatoriedade da leitura? Segundo Pennac, eles têm direito de se recusarem a ler.
Outro dia, na livraria, procurando novos autores, comprando uns presentes para minha namorada e minha filha, uma mãe perguntou da disponibilidade de um José de Alencar. Conversa vai, conversa vem, confessou que pegara um livro do filho, indicado pela escola no ano anterior. Leu-o na marra até a décima segunda página. Em seguida, abandonou-o sem compartilhar com o adolescente que detestara a linguagem, o enredo, o espaço, os personagens. Se uma mãe – amadurecida, letrada, viajada e preocupada com a educação das crias – não tem paciência para devorar José de Alencar, por que um menino ou uma garota de treze anos teriam prazer em arrebentar as muralhas da linguagem sofisticadíssima do romancista?
Busquei Goethe e Stendhal por influência de Autran Dourado, autor de Confissões de Narciso. Gostei bastante do livro do mineiro radicado no Rio de Janeiro e o releio a cada cinco anos, mas me arrependi de perder meu tempo com Goethe e, faz mais de um ano, não consigo sequer chegar à metade de O vermelho e o negro.
Sentir-me culpado porque não simpatizei com dois mestres da Literatura universal? Jamais. Antes da extraordinária capacidade de criação de Goethe e de Stendhal vem minha afeição ao que estão contando e, aproveitando a liberdade concedida por Daniel Pennac, tenho o direito de abandoná-los. Talvez, em um futuro distante, eu respalde meu comportamento. Talvez, em um futuro distante, detecte minha imaturidade para encontrar no alemão e no francês as imagens marcantes que se fincaram na memória de Autran Dourado.
Se você, eventualmente passou os olhos nestas linhas, acha que a leitura é algo que nada acrescenta ao seu dia, à sua rotina, à sua vida e deseja ardentemente se manter distante das manifestações literárias, exercite plenamente esse direito. Afinal, como ensina Daniel Pennac, você tem o direito de não ler. Mas, antes de exercitá-lo, assimile o livro de Pennac para se inteirar melhor do assunto.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 3 de junho de 2011.
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