Transitara pelo ramo de alimentos, de construção e de prestação de serviços – uma pequena empresa de encanadores e eletricistas que ajudavam mulheres sozinhas – mas não se identificara. A euforia inicial se extinguia. Problemas, altos impostos e mão-de-obra desqualificada.
Lendo uma dessas revistas de pequenas empresas, interessou-se pelo segmento de farmácia e, comparando-o aos demais, achou que poderia desenvolver bem a atividade. Uma auxiliar de enfermagem para curativos, suturas, machucados e injeções.
Alugou o térreo de um prédio de dois andares, mudou a fachada, reformou a parte interna, construiu um banheiro razoável e uma cozinha apertada onde cabiam um fogão de duas bocas, um filtro e um frigobar.
Bem conhecido, resolveu não promover inauguração nem investir em publicidade. A melhor publicidade seria a de boca em boca pelos transeuntes que, vendo-o atrás do balcão, entrariam para comprar nem que fosse um comprimido para dor de cabeça.
A auxiliar de enfermagem chegou cinco minutos antes da abertura, acomodou pertences em cima de um banquinho, verificou se o rabo-de-cavalo estava bem preso assim como forçou os dentes para remover eventuais resquícios de pão.
Ninguém entrou durante toda a segunda-feira. Terça-feira? Vazia. Quarta – feira, nem pedido de informações. Quinta-feira, a auxiliar levara algumas palavras-cruzadas, um vidro de esmalte e cartas de quiromancia. Sexta-feira, pensou em mudar o letreiro, colocar uma caixa de som anunciando os produtos. A funcionária, chegara pouco depois das dez horas, advertiu que o conselho de farmácia proibia aquela espécie de iniciativa.
No sábado, abriu antes das seis da manhã, varreu a calçada, lixo em sacos amarelos, recolhido ao fundo do estabelecimento, jogou um pouco de água na rua, quis acabar com os pombos. A ajudante entrou, sacou um novelo de lã e pôs-se a tricotar pacientemente.
Almoçou pouco, não conseguiu cochilar e se arrependia de um negócio que também desaguaria no fracasso. De volta ao trabalho, pensou que poderia abrir a farmácia perto da igreja – cultos três vezes por semana – ao lado da escola – quem sabe alguma mãe buscasse o filho e comprasse o remédio da avó enquanto esperava o sinal – ou da assistência social – dezenas de pessoas entrando e saindo todos os dias.
O fim do movimento intenso no comércio coincidiu com o desespero do pagamento do salário. Além dele, insalubridade, cesta básica, vale-refeição, vale-transporte e horas extras dos fins de semana. Se ninguém entrasse em duas semanas, escolheria nova empreitada para investir. Não gastaria com agências e materiais de publicidade, não aplicaria um centavo em outdoors, jornais e rádios.
Parecia completamente decidido a se livrar da nova empresa na primeira semana. Olhava os valores dispostos no papel. Dinheiro jogado fora. Reclamaria, xingaria, esbravejaria. Pensava nisso quando parou à porta, leu com dificuldade o letreiro e entrou.
Sorriu de animação, passou os olhos na auxiliar que escondeu seus entretenimentos. Avançou para mulher por um lado enquanto a auxiliar, pelo outro, colocava-se à saída.
- O senhor vende remédio para febre de cachorro?
Tomou-lhe o papel, enrolou um frasco, cobrou vinte reais. Perguntaria da eficácia do medicamento, porém preferiu se calar diante do misto de prazer e demonismo estampado nas faces do proprietário, erguendo efusivamente a assistente, também amedrontada.
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 25 de junho de 2009.
Um comentário:
não acredito que perdi meu tempo lendo isso...
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